Ambiguidades e contradições
O Brasil é o país que mais polui entre os chamados “em desenvolvimento”. São 10 toneladas de CO2 per capita, o dobro da média mundial, que tem de ser reduzido para 1,2 tonelada per capita/ano até 2050 para evitar que a temperatura aumente mais 2 graus Celsius, um limite para evitarmos catástrofes mundiais
Aparentemente a Conferência de Copenhagen e as próximas eleições presidenciais e para governadores estão determinando um “acréscimo de consciência ambiental” nos potenciais candidatos.
No dia 9 de novembro o governador de São Paulo, José Serra, promulgou uma lei – a Política Estadual de Mudanças Climáticas – que assume como meta a redução de 20% dos gases de efeito estufa até 2020, tomando por base o ano de 2005. Mas as metas não serão perseguidas em 2010, só valem para o próximo governo, que começa em 2011. Vários analistas viram aí um lance eleitoral, Serra saindo à frente e desafiando que o governo federal superasse suas metas.
Governadores dos estados de Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Acre, Amazonas, Tocantins, Amapá e Maranhão, estão anunciando metas até mais ambiciosas de redução do desmatamento que as apresentadas pelo Ministério do Meio Ambiente, mas condicionadas à captação de bilhões de dólares para a compensação do desmatamento evitado.
Antecipando-se ao PV de Marina Silva, que anuncia o propósito de promover a Consolidação das Leis Ambientais e encaminhar o projeto de lei para determinar o cumprimento obrigatório de metas de redução de gases de efeito estufa, o governo federal encaminhou ao Congresso uma proposta de emenda à Política Nacional de Mudanças Climáticas. Nela está prevista uma redução entre 36,1% e 39% das emissões de carbono estimadas para 2020.
Os números impressionam. Aparentemente ousada, essa proposta, se cumprida, corresponderia a uma redução de 10% a 19% das emissões de CO2 em relação ao emitido em 2005, conforme as estimativas mais pessimistas e otimistas1 2. Mas já há indicações de que essa “não é uma meta, é um compromisso voluntário, sem obrigatoriedade, sem monitoramento”, como declara a senadora Ideli Salvatti (PT-SC), relatora do projeto na Comissão de Infraestrutura do Senado3.
Essas iniciativas se dão num momento em que os alertas que os organismos internacionais têm dado sobre a intensidade e os efeitos do aquecimento global estão sendo debatidos à luz de Copenhagen. Há uma convocatória para que os governos do mundo se alinhem num esforço conjunto de redução substantiva e imediata das emissões de CO2.
O Brasil é o país que mais polui entre os chamados “em desenvolvimento”. São 10 toneladas de CO2 per capita, o dobro da média mundial, que tem de ser reduzido para 1,2 tonelada per capita/ano até 2050 para evitar que a temperatura aumente mais 2 graus Celsius, um limite para evitarmos catástrofes mundiais4.
O governo federal, na verdade, não tem um inventário atualizado das emissões de gás carbônico. Existem projeções que se apoiam em dados de 1994.
Segundo estimativas, em 2005, o país emitiu 1,48 bilhão de toneladas de CO25. Para 2008, com a redução do desmatamento, o Banco Mundial considera que as emissões brutas de CO2 foram de 1,29 bilhão de toneladas6. O desmatamento representa 42% das emissões, pecuária e agricultura entram com 24%, energia com 18%, transporte com 11 % e resíduos com 5%.
As propostas de redução de emissões para 2020 apresentadas pelo governo estimam que o Brasil, nesta época, estaria emitindo algo como 2,7 bilhões de toneladas, mais do que o dobro das emissões atuais.
Muitos analistas consideram esse um número inflado. E tiram a conclusão que, num cenário de crescimento econômico que o governo persegue, os esforços de redução das emissões de carbono serão bem mais modestos do que aparentam.
Tanto essa emenda à Política Nacional de Mudanças Climáticas quanto o próprio Plano Decenal de Energia, recentemente aprovado, trazem essa ambivalência e o contraditório.
O PDE anuncia igualmente um compromisso com a redução de CO2, mas propõe a implantação de 82 usinas termoelétricas. Para atender a que interesses?
Mas as contradições não param aí. Quando o mundo busca uma matriz energética limpa, e o Brasil é um exemplo disso, o PDE propõe um ambicioso programa nuclear.
Recentemente, o Ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, anunciou a disposição do governo de implantar uma usina nuclear por ano, durante 50 anos7. Ainda que se possa considerar a declaração uma força de expressão, não necessariamente fixando números, ela expressa uma visão, uma política. Além de Angra III, já iniciada, o PDE propõe a criação de mais quatro usinas nucleares na próxima década. Uma política importantíssima a ser considerada e muito pouco discutida no espaço público e no parlamento.
Dias depois, o ministro Edison Lobão defende que a implantação das usinas nucleares seja feita pela iniciativa privada8. Abre-se aí um enorme campo de negócios, de construção e gestão dessas usinas nucleares.
Dois movimentos chamam a atenção. O primeiro deles é de iniciativa do governo. Trata-se da criação, em julho do ano passado, do Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro. Outro movimento é a articulação de poderosos interesses empresariais na Abdan (Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares), na APINE (Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica) e na ABRAJET (Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas), que se uniram em 2008 para “analisar a participação da iniciativa privada na geração termonuclear no Brasil”9.
O Brasil é auto-suficiente em energia. Possui a matriz energética mais limpa do planeta: 85% da energia elétrica provêm de hidrelétricas e o país usa apenas 30% de seu potencial hidrelétrico, sendo que ainda há novas fontes limpas de energia a serem exploradas, como a energia eólica, a solar, e a extraída do bagaço da cana-de-açúcar. O que justificaria manter o programa de construção de usinas termoelétricas e nucleares?
*Silvio Caccia Bava é diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil.