Ameaça à informação
Já controlada há muito por grandes grupos econômicos, a mídia impressa passou a sofrer, há anos, o assédio das publicações gratuitas e da internet. Em defesa do direito à informação e ao debate, é preciso apoiar as publicações independentesIgnacio Ramonet
A imprensa escrita atravessa a pior crise da história. Não apenas na França, mas por quase todo o mundo, jornais, incluindo o Le Monde Diplomatique, são confrontados, há três anos, com uma queda constante do número de leitores. Isto enfraquece o equilíbrio econômico, coloca em risco sua sobrevivência e pode, portanto, ameaçar a pluralidade de opinião das democracias.
As dificuldades por que passa, por exemplo, o diário francês Libération são sintomáticas de um estado geral alarmante da imprensa. Quais seriam as causas principais disso tudo?
Primeiro, a invasão dos “gratuitos”. Uma denominação que constitui uma fraude, porque os leitores crêem que a informação seja produzida sem custo, enquanto estes jornais a pagam sob forma de publicidade, incorporada ao preço dos produtos que compram. Em alguns anos, esses jornais já estão nas primeiras colocações da lista dos mais difundidos. Com várias conseqüências: muitas pessoas pararam de comprar os diários pagos e os anunciantes começaram a se transferir para os “gratuitos”. As vendas em bancas e a publicidade constituem dois dos principais recursos de um jornal – o terceiro são as assinaturas.
A liberdade da internet e a tentativa de controlá-la
Por outro lado, a Internet, que abalou a totalidade das práticas culturais, (música, livro, cinema, televisão) e não poupa o campo da comunicação. É significativo que o recente lançamento da nova cadeia internacional de informações, a France 24, tenha sido feito na rede, e apenas no dia seguinte no cabo e no satélite. O número de pessoas conectadas à Internet para extrair informações não pára de aumentar [1]. Algumas pararam, de uma só vez, de comprar jornais. Assim como os leitores dos “gratuitos”, elas abandonam também as bancas, o que contribui para sua diminuição [2] e acentua mecanicamente o retrocesso da divulgação paga dos títulos, qualquer que seja a periodicidade.
A Internet fascina pelo grande número de sites gratuitos disponíveis, pela possibilidade de criar o próprio meio de expressão pessoal (blog) e pela facilidade de trocar opiniões sobre todos os assuntos. Tal progresso, inegável em matéria de liberdade, deve ser ponderado por pelo menos duas considerações. A primeira é desconcertante: a maior parte dos coletivos preocupados com a democracia participativa que, por meio de Internet, lançaram-se de corpo e alma em discussões e debates internos de forte intensidade, encontram-se literalmente desagregados, fracionados, à margem da impotência ou da autodestruição.
A outra inclui a constatação do pesquisador norte-americano Eric Klinenberg: “A Internet por muito tempo foi caracterizada pelo número ilimitado de novos sites que exprimem a diversidade de opiniões, de uma extremidade à outra do espectro político. Mas, agora, os sites mais populares são controlados por grupos de comunicação mais potentes”. Isso significa que, como sempre na história das comunicações, quando uma nova mídia aparece – das gazetas do século 18 às rádios livres dos anos 1970 até Internet hoje -, primeiro ela dá a impressão de alargar o perímetro de liberdade de expressão, até ser retomada pelas potências do dinheiro. É normal. Já os perfis do leitor determinados pelo uso das pesquisas são vendidos a negociadores desejosos de orientar seus consumidores potenciais…
Le Monde Diplomatique: resistência e mudanças
Na França, a propriedade dos grandes meios de comunicação está concentrada nas mãos de alguns grupos industriais e financeiros, entre eles, dois fabricantes de armas: Lagardère (via Hachette) e Dassault (via Socpresse). Essa constatação preocupante deve levar os cidadãos a se mobilizar e apoiar, em resposta, a imprensa independente da qual faz parte o Le Monde Diplomatique.
Recordemos que o nosso jornal pertence metade (51%) ao grupo Le Monde e a outra metade (49%) aos seus leitores e à equipe que o produz. Essa segunda característica é um caso quase único na imprensa, não somente francesa, mas internacional. E constitui uma garantia de total independência no que diz respeito a todos os poderes, sejam políticos, midiáticos ou financeiros. Fortemente apreciada no estrangeiro, esta singularidade favoreceu a expansão das nossas edições internacionais – cerca de sessenta, em trinta línguas diferentes [3]. Um caso também único na imprensa mundial, mas que não impediu a queda de compradores na França, volume o qual depende o equilíbrio financeiro do jornal.
Para conduzir essa batalha midiática o Le Monde Diplomatique conta sobretudo com a solidariedade dos seus leitores e da associação dos Amigos do Le Monde Diplomatique. A partir do próximo número, o jornal tomará várias iniciativas para efetivamente marcar uma nova etapa. Primeiro, continuando a ser mais do que nunca fiel a um jornalismo que respeita os fatos, o conteúdo editorial integrará inovações temáticas e rubricas novas. O leiaute passará por uma limpeza e a capa será alterada. Não se trata de uma “nova fórmula”, algo de que a imprensa tem abusado recentemente, mas de um sinal da mobilização que a nossa redação tem em relação aos leitores.
Em nossas páginas, por decisão da redação, a parte da publicidade continuará a ser limitada a 5% da receita. Um nível muito baixo, se comparado com a maior parte dos outros jornais (mais de 50%, em média). Em contrapartida, o preço – inalterado há cinco anos – será modificado e passa, a partir do próximo mês, a 4,50 euros. Contudo, o valor da assinatura anual (40 euros) e bienal (73 euros) continuará inalterado por alguns meses.
Assinar o jornal, no momento em que denunciamos uma guerra midiática assimétrica frente aos gigantes da comunicação, constitui ao mesmo tempo um ato de resistência e a melhor maneira de nos manifestar apoio. É também um compromisso em prol da imprensa livre, da pluralidade de idéias e do jornalismo realmente independente. É, enfim, a resposta mais eficaz contra a ameaça da
Ignacio Ramonet é jornalista, sociólogo e diretor da versão espanhola de Le Monde Diplomatique.