Antissemitismo virulento, mas marginal
Se o índice de aceitação aos judeus baixou seis pontos desde 2009, quando atingiu o recorde de 85%, permanece de longe muito superior ao de todos os outros grupos: seis pontos acima do índice de aceitação dos negros, 21 acima dos magrebinos e 28 acima dos muçulmanos
O assassinato de quatro reféns por Amedy Coulibaly no minimercado kosher da Porta de Vincennes abalou inúmeros judeus na França, que há quase uma década denunciam uma onda antissemita no país. Em 2006, foi o sequestro e morte de Ilan Halimi por Yussuf Fofana e, alguns anos depois, em 2012, veio o massacre cometido por Mohammed Merah na escola Ozar-Hatorah, de Toulouse.
É difícil não deixar a emoção se sobrepor à razão. Menos compreensível, porém, é a confusão no uso de termos e conceitos por analistas e formadores de opinião. Assim, para melhor entender o fenômeno, convém distinguir as expressões “opinião antissemita” e “ato antissemita”.
Quanto à primeira, nada indica que houve qualquer progresso: todas as pesquisas sérias – em particular aquela realizada todos os anos pela Comissão Nacional Consultiva de Direitos Humanos (CNCDH) sobre racismo e antissemitismo – mostram um fenômeno marginal, contrariamente ao racismo antirromani e à “islamofobia”,1 prestes a explodir. No último relatório da instituição, os autores concluíram: “Os franceses judeus são de longe a minoria mais aceita na França hoje. Se o índice de aceitação desse grupo baixou seis pontos desde 2009, quando atingiu o recorde de 85/100, permanece de longe muito superior ao de todos os outros grupos: seis pontos acima do índice de aceitação dos negros, 21 acima dos magrebinos e 28 acima dos muçulmanos”.2
Os sentimentos antijudeus se espalham de forma desigual pela população francesa. A Fundação pela Inovação Política (Fondapol) publicou, em novembro de 2014, uma pesquisa3 segundo a qual os muçulmanos são mais inclinados ao antissemitismo que outros grupos. Mas a sondagem se baseou em apenas 575 entrevistados.4 Também parece questionável o fato de a pesquisa julgar estes últimos em função de seis “preconceitos”: “Até hoje os judeus utilizam em interesse próprio o estatuto de vítimas do genocídio nazista durante a Segunda Guerra Mundial”; “Os judeus têm poder demais na economia e no setor financeiro”; “Os judeus têm poder demais no campo dos meios de comunicação”; “Os judeus têm poder demais no campo da política”; “Existe um complô sionista em escala mundial”; e “Os judeus são responsáveis pela crise econômica atual”.
Se por um lado o antissemitismo como corrente de pensamento parece pouco difundido, o desenvolvimento de atos antissemitas5 constitui, em si, uma realidade inegável desde o início do século. As estatísticas do Ministério do Interior identificam o primeiro aumento em 2002. Naquele ano, as violências racistas se multiplicaram por quatro, e, entre elas, as violências antissemitas aumentaram seis vezes. Desde então, ambas passaram por altos e baixos, mas jamais baixaram aos níveis dos anos 1990. Os três últimos anos foram marcados por um pico. O Serviço de Proteção da Comunidade Judaica (SPCJ) registrou, durante os primeiros sete meses de 2014, uma progressão de 91% em relação ao mesmo período em 2013: 527 atos, contra 276.6
Uma escalada paradoxal
Como indica a cronologia, a elevação da violência corresponde – entre outros fatores – aos períodos de intensificação do conflito israelo-palestino. Assim como as imagens da Segunda Intifada, aquelas da agressão contra a Faixa de Gaza em julho-agosto de 2014 mostraram a milhões de telespectadores os crimes cometidos pelos soldados israelenses. Mas isso não tem nada a ver com os judeus na França, poderiam argumentar. Salvo pelas posições tomadas pelo Conselho Representativo das Instituições Judaicas Francesas (Crif) defendendo com unhas e dentes a atitude de Tel-Aviv e alimentando as diferenças entre judeus e palestinos. Pior: o alinhamento, em um primeiro momento, do presidente François Hollande com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu justificou a tese de um “lobby” poderoso a ponto de repercutir a orientação da França.
O Oriente Médio não representa, obviamente, o único fator que incita a discriminação dos judeus. É preciso evocar em especial o papel desempenhado por um Dieudonné e um Alain Soral, que veicularam um antissemitismo tão virulento que chega a evidenciar a “perseguição” da qual os judeus seriam vítimas. Essa postura contribuiu para reforçar a posição de ambos junto à extrema direita.
Se o ressentimento de uma parte da população, como ocorre com judeus na França, não reflete a realidade, por outro lado não impede que pese sobre ela. Prova disso é a emigração de franceses para Israel, que triplicou nos últimos anos. A média, que durante anos foi de 1,5 mil pessoas por ano, saltou para 7 mil em 2014, o que corresponde a 1% do número de judeus estimados na França. Dirigentes israelenses afirmam que essa cifra chegará a 10 mil este ano. Assim como seu predecessor, Ariel Sharon, Netanyahu não hesitou em incentivar seus “irmãos” a deixar a França rumo a Israel e chegou a comparar a situação deles à dos judeus na Espanha às vésperas da diáspora de 1492.7
Se a emoção e o medo de fato incitam alguns a partir, essa aliya (“escalada”, em hebraico) é profundamente paradoxal: aqueles que participam dela abandonam o primeiro país na história que emancipou os judeus, para se instalarem onde o perigo, para eles, é muito mais presente.