Apagão europeu deixa dúvidas
Após mais de 12 horas no escuro, a Europa precisa pensar sobre o legado desse evento inédito que paralisou a vida de milhões na Península Ibérica
O apagão europeu criou um caos na vida das pessoas nesta última segunda-feira, dia 28 de abril de 2025. Esse corte energético afetou de maneira instantânea os serviços básicos de pelo menos 50 milhões de pessoas na Península Ibérica e partes de Andorra, da Bélgica e da França. Até o cair da noite, as regiões afetadas foram reestabelecendo a eletricidade, normalizando os serviços até a manhã desta terça-feira, dia 29.
A queda de energia ocorreu em torno de 12h30 (horário da Espanha), deixando cidades inteiras sem eletricidade. Foram afetados também os serviços de telefonia, de dados móveis, de consumo de gás, além dos serviços essenciais como transporte público, transações bancárias e semáforos. Trens e metrôs pararam de funcionar enquanto os ônibus foram diminuindo a frequência e, em alguns pontos, pararam de circular antes do horário previsto.
Espanha e Portugal sofreram o maior apagão das suas histórias. Fora da área continental, no território espanhol, as Ilhas Baleares e as Canárias não foram afetadas pelo apagão. Já em Portugal, todas as regiões sofreram o corte de energia. Diferentemente dos dois países ibéricos, que trabalharam até a madrugada desta terça-feira para reestabelecer a luz, Andorra, Bélgica e França resolveram esse problema ainda na tarde de segunda-feira.
Trens e aeroportos
Com a falta de energia, a paralisação de trens e metrôs foi inevitável. Na Espanha, perto de 35 mil passageiros ficaram presos nos trens e tiveram que ser atendidos por serviços de emergência. O governo espanhol orientou que as pessoas não saíssem de carro, já que não havia semáforos funcionando. Os sistemas de informação de trânsito também foram interrompidos.
O tráfego aéreo foi parcialmente cancelado, gerando caos nos aeroportos e preocupação nos passageiros. Em Portugal, 96 voos foram cancelados enquanto na Espanha, 45. Muitas pessoas tiveram que remarcar seus voos por causa da falta da eletricidade.
O apagão desta última segunda-feira é descrito por especialistas como inédito devido à sua escala e impacto simultâneo em todos os setores vitais: energia, transporte, telecomunicações e serviços básicos, afetando milhões de pessoas em vários países. A explicação técnica versa sobre uma flutuação muito brusca no fluxo de energia de rede, de origem desconhecida, desconectando a Espanha do restante do sistema elétrico europeu. Diante disso, há especulações de falha técnica na rede elétrica ou de um ciberataque. Mas o governo espanhol não acredita que o problema tenha sido causado por uma sabotagem ou ataque.

Impactos reais na vida cotidiana
Na Galiza, comunidade autônoma espanhola localizada no noroeste da Península Ibérica, o cenário da falta de luz apresentou um panorama quase distópico. O sistema bancário todo caiu e não era possível pagar com cartão, apenas com dinheiro em espécie (saques também não eram realizados). Havia muitas cafeterias, supermercados e restaurantes com pessoas consumindo no horário em que acabou a energia.
As ruas estavam cheias de carros circulando com os ônibus num trânsito sem semáforos. Mesmo com os guardas rodoviários para fazer a sinalização, a desordem era visível.
Pessoas invadiam padarias e supermercados para comprar pão e embutidos (o tradicional xamón, em galego, ou jamón, em castelhano), para alimentarem-se durante o dia. Próximo à hora do almoço, essa seria a única opção, porque os fogões são elétricos, bem como micro-ondas e fornos.
As aulas foram canceladas, mas o trabalho, não. Fábricas funcionavam com gerador e forçavam seus funcionários a fazer os trabalhos que eram possíveis, de modo artesanal.
Com a diminuição de transporte público, muitos trabalhadores voltaram para suas casas caminhando, principalmente os que saíram das fábricas após 21h30. Caminhadas de 6, de 8 e até de 10 km pelas ruas e estradas escuras, correndo risco de serem atropelados. Como não havia sinal de celular, não era possível chamar um táxi ou avisar parentes e amigos.
Na Galiza, o reestabelecimento da luz foi gradual e em pontos diferentes. Em Lugo, já havia luz em torno das 22h00. Em Arteixo, a luz voltou em torno da 1h00 de terça-feira. Em Vigo e na Coruña, perto das 2h00 da madrugada. Em Cangas, em torno das 5h00. Em toda a Galiza, nesta terça-feira, não haverá aulas nos colégios e nos universidades, ainda que os professores tenham que ir.
Que esse apagão sirva para a União Europeia refletir sobre que caminhos seguirá daqui em diante. O mundo está mudando, e devemos lembrar que apesar de todas as fronteiras inventadas e constituídas por políticas de poder, seguimos sendo uma mesma humanidade. Que este apagão não seja um presságio de um futuro decadente…
Victor Hugo da Silva Vasconcellos é doutor em letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e também doutorando em estudos linguísticos pela Universidade da Coruña. Além de pesquisador, é professor particular de língua portuguesa e linguística.