Após a derrota, o problemático rearranjo da direita francesa
Rápida, a decepção provocada pela nova maioria de esquerda na França encorajou a direita a minimizar sua derrota nas presidenciais. No dia 18 de novembro, Jean-François Copé venceu as eleições para a liderança da UMP, o principal partido de oposição, com o Palácio do Eliseu na linha de miraEric Dupin
“A direita está completamente morta”, suspira Roselyne Bachelot, ex-ministra da Saúde (2007-2010) e da Solidariedade e da Coesão Social (2010-2012) no governo de François Fillon (2007-2012).1 “É o fim da era Chirac-Sarkozy, que durou dezessete anos – essas duas personalidades se pareciam bem mais do que se pensa.” Alguns meses depois da dupla derrota da União por um Movimento Popular (UMP) na disputa presidencial, e depois nas eleições legislativas, em meados de 2012, são poucos que ousam formular este severo diagnóstico. “O fracasso de Nicolas Sarkozy é a conclusão de um divórcio entre a direita republicana e a sociedade francesa”, confia ainda assim Bruno Le Maire. O ex-ministro da agricultura da UMP está impressionado pela má performance da direita no oeste da França, católico e moderado, que lhe foi por tanto tempo favorável. O liberal Hervé Novelli, ex-secretário de Estado para Pequenas e Médias Empresas (PME), aponta as dificuldades do seu partido, que perdeu todas as eleições locais nos últimos cinco anos nas grandes aglomerações urbanas.
A atitude dominante à direita consiste, no entanto, em se exonerar de qualquer crítica relativizando essa situação de duas maneiras. Primeiro, com 48,36% dos votos expressos no dia 6 de maio, o ex-presidente quase ganhou: seus próximos insistem sobre a performance do candidato Sarkozy. “De um turno para o outro, ele passou de 27,2% para 48,4%, sem nenhuma coligação”, ressalta Brice Hortefeux, antigo ministro do interior. “Ele ficou aliviado, seguro e orgulhoso; se não fosse pela crise, ele teria ganhado.” Este é o segundo argumento avançado: a derrota eleitoral seria o produto mecânico da crise, que enxota os governos de partida por toda a Europa. “Uma lei do silêncio reina sobre as razões da derrota. Mas ninguém se reconstrói enquanto não tiver vivido o seu luto”, estima Novelli. Alguns chegam até a quase lamentar que uma dissidência de vozes ainda mais importante não tenha obrigado a direita à autocrítica.
Clivagens artificiais
Neste contexto, o duelo opondo Jean-François Copé e François Fillon pela presidência da UMP não pode tomar a forma de um debate profundo sobre a orientação a escolher com relação à experiência passada; ele coloca em cena mais uma batalha de estilos. Esta com certeza não é negligenciável num universo político-midiático onde a forma é mais importante que o fundo. Os dois rivais se empregam, então, a ocupar espaços diferentes. À lógica partidária do primeiro responde a lógica de opinião do segundo. Apostando na radicalização da base da UMP, o ex-secretário geral multiplicou as provocações, da denúncia do “racismo anti-brancos” à dos “pães com chocolate” pretensamente arrancados das mãos das crianças por muçulmanos intolerantes durante o ramadã. Visando a vontade dos aderentes de voltar para o poder, o antigo primeiro ministro, ao contrário, se dedicou a desenhar os esboços de uma alternância colocada sob o signo de uma adaptação liberal às regras da globalização.
Estas posturas se traduzem por discursos contrastantes. “Fillon, é o homem da reforma das aposentadorias e Copé, o homem da proibição da burca”, resume Geoffroy Didier, um dos animadores da jovem corrente sarkozysta da “Direita Forte”. Ambos dão, inclusive, a impressão, às vezes, de restaurar a oposição dos anos 1990 entre Jacques Chirac, com sua arte consumada da demagogia, e Edouard Balladur, que sabia manter a razão burguesa. Não é por acaso que Fillon foi, na época, balladuriano, enquanto Copé foi por muito tempo chiraquiano.
Mas, sob seus ares moderados, e sem precisar de fórmulas mágicas, Fillon defende uma linha ao menos tão dura quanto a do seu rival sobre as questões de identidade. Em seu manifesto,2 o antigo chefe do governo propõe “reservar o acesso aos serviços sociais aos estrangeiros que tiverem residido regularmente no território por mais de um ano”, assunto sobre o qual Copé não trata no seu último panfleto.3 Fillon deseja também, assim como seu adversário, “colocar fim à automaticidade da aquisição da nacionalidade francesa”, exigindo uma “manifestação de vontade” da parte das crianças nascidas na França de pais estrangeiros. Ele prega ainda uma generalização a todos os delitos do “princípio da pena mínima”, uma proposta ausente do programa de Copé.
Os dois candidatos à presidência da UMP concordam em defender uma orientação firmemente liberal na área econômica. Para além da supressão das 35 horas, tanto um quanto o outro querem acabar com a jornada legal do trabalho, que dependeria apenas das negociações por áreas, e até mesmo para cada empresa. Da mesma forma, eles desejam a instauração de um contrato de trabalho único unindo o contrato de duração indeterminada (CDI) e o contrato de duração determinada (CDD). Nesse ponto, Copé vai ainda mais longe que Fillon, precisando que esse contrato poderia ser livremente rompido pelo empregador, mediante o pagamento de uma indenização ao assalariado e uma contribuição a um fundo público de ajuda ao retorno ao trabalho… “Eu acho que deveríamos ter ido ainda mais longe na reforma do mercado de trabalho”, deixa escapar o ex-ministro do orçamento.
A distinção entre um Copé extremista e um Fillon mais moderado parece então amplamente fictícia. Cada um é, inclusive, apoiado por representantes de diversas sensibilidades da UMP. “Estamos mais para frentes contrárias: a maioria dos liberais está do lado de Copé”, nota com bom humor Novelli. Os litígios pessoais pesam nas tomadas de posição. Encontramos “centristas”, como o ex-primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin, do lado de Copé, e “securitários” como Eric Ciotti, presidente do conselho geral dos Alpes-Marítimos, do lado de Fillon. À direita da UMP, ninguém mais se ilude com relação aos efeitos sem consequência do ex-secretário-geral. “É um liberal totalmente impermeável à ideia de nação” ataca Lionel Luca, deputado da UMP dos Alpes-Marítimos e um dos animadores da “Direita Popular”. Se ele lisonjeia os reflexos de muitos militantes, o discurso radical de Copé os inquieta também no sentido que ele lhes parece não atrair um retorno ao poder. O ex-secretário-geral propõe construir um “partido de serviços” pouco adaptado à cultura política francesa. O ex-primeiro-ministro, fortalecido pelo seu conservadorismo de boa aparência, oferece uma perspectiva mais clássica de vitórias eleitorais.
Paralelamente à eleição de seu próximo presidente, os filiados à UMP são convidados a votar a favor da corrente que tem sua preferência. O exercício é inédito em uma formação de direita dominada por uma tradição bonapartista. “Nossos militantes aspiram a um partido, uma linha, um chefe”, observa Hortefeux. “Eles não têm a cultura do debate”, acrescenta Jean-Louis Bourlanges, ex-deputado europeu centrista.
Quando da constituição da UMP, em 2002, a expressão de diversas sensibilidades reunidas no seio do novo partido, saído da União para a República (RPR) e da União pela Democracia Francesa (UDF), tinha sido prevista pelo estatuto. Essa disposição foi letra morta, já que Sarkozy não era mais partidário do que Chirac da democracia interna. Preocupado em aparecer como unificador, Copé decidiu colocá-la em ação. Cinco “declarações de princípio” serão submetidas aos votos dos militantes no dia 18 de novembro.
Sua leitura confirma o incômodo da UMP em dar início a um debate interno focado nas questões de fundo. Os diferentes textos propostos, de um tamanho limitado a 7,5 mil toques (este artigo contém mais de 17 mil), não esboçam mais verdadeiras correntes de pensamento. O exemplo mais caricatural é dado pela moção unindo centristas e liberais trazida por Raffarin com Jean Leonetti, deputado dos Alpes-Marítimos, e Luc Chatel, ex-ministro da educação. Intitulada “Por um humanismo social, liberal e europeu”, ela é apenas o menor denominador comum das sensibilidades disparatadas que não ousaram se enfrentar.
No outro extremo do espectro tradicional da direita republicana, os gaullistas não são mais audaciosos. “O gaullismo, uma voz de futuro para a França”, este é o título da moção deposta principalmente por Michèle Alliot-Marie e Roger Karoutchi. Ainda uma vez, contenta-se com declarações de princípio muito gerais. Sobre a questão chave da Europa, o texto se limita a recusar a “Europa federal”, sem dizer nada a respeito das evoluções em curso nem sobre as perspectivas desejáveis. No seio da UMP de 2012, o gaullismo é apenas uma lembrança. Outras correntes, ainda, expressam a impaciência das jovens gerações da UMP. A “Direita Forte”, conduzida por Geoffroy Didier e Guillaume Peltier, ex-militante da Frente Nacional (FN), levanta a bandeira do “orgulho de ser sarkozysta”. A empresa é apoiada por Hortefeux, que continua muito próximo do ex-chefe de Estado. Por seu lado, a “Caixa de Ideias” é um movimento dos “trintões” que aspiram por uma “renovação” da UMP que supõe a ultrapassagem de “antigos obstáculos”. Le Maire os apoia.
Finalmente sobram apenas dois grupos expressando, mais ou menos claramente, uma orientação ideológica. A “Direita Popular”, de Thierry Mariani – ex-ministro encarregado dos transportes – e Luca se coloca resolutamente à direita da UMP, ao ponto de ser, às vezes, considerada como uma passarela potencial entre este partido e o FN. Enfim, a “Direita Social” de Laurent Wauquiez, ex-ministro do ensino superior da UMP, baseia seu propósito sobre a “defesa das classes médias”, pretendendo lutar ao mesmo tempo, embaixo, contra o “assistencialismo”, e em cima, contra os “excessos da finança”.
O divórcio entre a direita e as classes populares, por um tempo seduzidas pelo sarkozysmo, constitui o primeiro desafio a enfrentar. Na primavera [do Hemisfério Norte] de 2012, o mundo do trabalho se afastou da UMP. No dia 6 de maio, seu candidato foi claramente minoritário em todas as camadas de assalariados, quer se tratasse dos cargos de chefia (43%), dos profissionais intermediários (44%), dos empregados (46%) ou dos operários (46%).4 Alain Juppé, primeiro presidente deste partido, reconhece o impacto “da campanha sobre o tema do “presidente dos ricos”, uma campanha não completamente desconectada da realidade. “Caímos na armadilha colocada por François Hollande com a taxação de 75% parecendo defender os ricos”, lamenta Didier. E acrescenta: “É preciso taxar muito mais os produtos de luxo, taxar a 100% os iates de luxo!”
Não dar a impressão de ser cúmplice dos mais ricos é uma coisa. Se entender com o povo é outra. Aqui os pontos de vista divergem radicalmente. A linha defendida por Patrick Buisson, ex-militante e jornalista de extrema direita que se tornou conselheiro de Sarkozy, acusado pela ex-secretária de Estado Nathalie Kosciusco-Morizet de ter querido “fazer ganhar Charles Maurras”,5 guarda numerosos adeptos na UMP. Ela deixa crer que a direita pode reconquistar os favores do eleitorado popular ao endurecer seu discurso sobre os temas casados da imigração e da falta de segurança. Copé partilha desta tese e repete que é assim que a direita republicana fará “o FN retroceder”.
O componente mais sarkozysta da UMP continua vibrando nessa corda. “Diante do perigo do FN no horizonte de 2017, é imperativo consolidar nossa base eleitoral com uma direita forte sobre os temas soberanos; depois teremos que nos abrir e unir”, exorta Didier. Se ele estima que Copé é por vezes “um pouco bordeline” – um pouco no limite – Hortefeux, ele também acostumado a ficar em cima do muro, milita também em favor de uma aproximação “sem complexos” dessas questões: “Eu não acredito que vamos poder ficar só no direito do solo. Seremos levados a questionar o direito do sangue”, confia o ex-ministro do interior.
A “Direita Popular” defende um ponto de vista próximo, com apenas um detalhe de diferença: ela se mostra mais severa na análise do sarkozysmo. “Houve um endireitamento nos discursos, mas não nas ações”, acusa Luca. “Nosso eleitorado teve um sentimento de inacabado. Sobre as condições de aquisição da nacionalidade francesa, não fomos nem mesmo capazes de retornar ao que tinha sido imposto pela maioria em 1993!6 Sobre a segurança, não limpamos nenhum bairro!” Ele lamenta também a timidez das reformas do mandato precedente: “Fizemos realmente o mínimo em matéria de serviço básico…”
Apenas Bachelot ataca de frente tal estratégia: “A direita tem uma visão falseada da sociedade francesa. Ela é agora plural sobre o plano étnico, enquanto nós sonhamos ainda com uma França dos vilarejos e gaulesa. Um francês em cada cinco é de origem imigrante! O discurso da radicalização à direita é assassino para nós. Ele é a causa de uma perda de substância ao mesmo tempo moral e eleitoral”. Mas sua linha de um duplo liberalismo econômico e cultural, própria para seduzir uma fração do assalariado financeiramente estável, ainda é muito marginal na UMP.
Três personalidades desse movimento tentam, cada uma a sua maneira, definir uma orientação que não seria a adaptação ao gosto do momento da temática sarkozysta. Xavier Bertrand, ex-ministro do trabalho, estima que a reconciliação com o eleitorado popular passa pelas propostas audaciosas em matéria econômica e social – que ele se recusa em desvendar –, e não por uma insistência na questões de sociedade: “Se a direita não for vista como justa, ela não vai voltar”. Paralelamente, ele visa um eleitorado moderado que lhe parece estratégico. Candidato desde já, e já declarado na primária em vista da designação do candidato da UMP à eleição presidencial de 2017, o deputado de Aisne se opõe ao mesmo tempo à linha securitária de Copé e à orientação de austeridade de Fillon.
A visão de Wauquiez é diferente. “A direita e o centro devem caminhar com suas duas pernas e não focalizar na segurança e na imigração”, previne ele. O deputado da Haute-Loire lembra que, de Napoleão III ao gaullismo social passando pela democracia cristã, sempre houve uma “verdadeira reflexão social” no seio da direita francesa. Ele lamenta que seu campo abandone esse terreno.
Herdeiro do centrista Jacques Barrot, Wauquiez articula seu projeto em torno da defesa das camadas sociais intermediárias indo dos empregados aos funcionários de cargo médio: “Contrariamente à Alemanha e aos países nórdicos, a França virou as costas às classes médias. Ela reforçou a ajuda aos mais pobres e deixou os mais ricos livres”. Essa análise o conduziu a tomadas de posição surpreendentes: ele se distinguiu assim por violentas descargas contra o “câncer do assistencialismo”. Para equilibrar o propósito, ele ataca também as “derivas do alto”, garantindo “defender o sucesso, mas não o CAC 40”.
Com Le Maire, a tônica é colocada na renovação das práticas políticas: “É preciso romper com a lógica dos baronatos, com os acúmulos de qualquer tipo, a fim de atrair as classes ativas na política”, garante aquele que pediu demissão da função pública para dar o exemplo. O deputado da Eure está convencido de que o reestabelecimento da confiança entre os eleitos e a população é a primeira condição para a reconquista. Ele preconiza também ser “o mais modesto naquilo que se diz e o mais audacioso naquilo que se faz”, o que soa como uma crítica às práticas sarkozystas. A propósito da imigração, a direita teria “perdido nos dois lados” ao sustentar propósitos muito duros enquanto era incapaz de controlar os fluxos de entrada.
“Eu sou o único a propor um projeto global, é preocupante”, ousa Le Maire, que sugere nada menos do que “derrubar a ideologia dominante na Europa”. Indo contra os “dogmas” da atual União – “consumo, abertura das fronteiras, livre-troca” – o ex-ministro clama por uma nova “Constituição política da Europa”, preparada pelos seis países fundadores da União e aplicável aos dezessete membros da zona euro…7 A questão europeia deixou de ser um ponto de divisão importante no seio da direita francesa. A soberania quase desapareceu.
A dificuldade dos dirigentes da UMP em articular um discurso suscetível de construir uma nova maioria eleitoral é gritante. O sarkozysmo visava federar uma aliança entre os apoios tradicionais da direita (independentes, aposentados) e uma fração de “pequenos brancos”, operários e empregados. Nada indica que esta estratégia possa novamente ser majoritária. A reconquista de amplas fatias dos assalariados implicaria em uma reorientação ideológica. A direita vai concentrar sua ação sobre o eleitorado popular na sua totalidade, o que suporia uma virada social de sua parte? Ou ela deve, ao contrário, dar a prioridade às classes assalariadas médias e superiores, que a abandonaram, com o custo da modernização de seus propósitos? Esses debates não foram aprofundados, nem sequer levantados.
Eric Dupin é jornalista.