Aposta errada, monsieur Villepin
Ao propor trabalho precário como “alternativa” para a juventude menos qualificada, o premiê francês ignorou a oposição francesa ao neoliberalismo, manifestada no plebiscito de 2005. Mais: a nova revolta dos jovens pode romper barreiras entre periferia e universidadeFrédéric Lebaron , Gérard Mauger
Do ponto de vista da educação popular, em geral, e da formação política acelerada das jovens gerações, em particular, o Contrato do Primeiro Emprego (CPE) do governo Villepin-Sarkozy tem o mérito de ser um verdadeiro exemplo típico.
A nova retórica reacionária, longe de se apresentar na França como uma figura oposta à da retórica progressista, assume o léxico do adversário [1]. Os profetas do neoliberalismo, seus executores políticos e seus aduladores midiáticos apresentam-se, em uníssono, como “modernizadores”, corajosos inovadores decididos a superar “os empecilhos”, “os bloqueios”, “os imobilismos”, “os tabus” da sociedade francesa. Enxergam-se como “reformadores”, adversários inflexíveis de todos “os conservadorismos”; como fervorosos partidários da “igualdade de oportunidades” determinados a lutar contra “os privilégios dos afortunados” (a começar pelos dos funcionários públicos e, por extensão, de todos os que têm a sorte de “beneficiar-se” com um emprego estável); como “realistas”, capazes de se confrontar pragmaticamente com o mundo tal como ele se apresenta [2] e com as quimeras dos defensores retrógrados de um tempo ultrapassado; como adversários determinados do desemprego (eles não “tentaram tudo”?), defensores dos “excluídos” (os “out”), contra os corporativismos tímidos e os egoísmos franceses (os “in” que se beneficiam com um “emprego por toda a vida”); como internacionalistas, “abertos”, adversários inflexíveis dos “fechamentos”, das “proteções”, dos “recuos soberanistas” etc.
Entrevistado pela rede LCI, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet defende “mais flexibilidade” no mercado de trabalho para lutar contra “o desemprego em massa [3]”. Embora “o BCE não substitua os governos, os Parlamentos dos doze países membros da zona euro e os parceiros sociais”, explica ele, “nós os encorajamos na busca de uma maior flexibilidade (?) As economias que não podem mudar rapidamente, as que são inflexíveis, as que não são adaptáveis, são muito penalizadas”. Ao contrário, aqueles que pretendem “a manutenção” dos direitos trabalhistas adquiridos contribuem para sua “esclerose”, para a extensão do desemprego?
Curiosa “revolução conservadora”
A direita neoliberal apropriou-se pouco a pouco da modernidade, da reforma, da solidariedade, do realismo, do internacionalismo etc., esperando fazer com que uma operação propriamente reacionária passasse por um empreendimento progressista. Trata-se, na realidade, de reconquistar o terreno perdido pelas classes dominantes desde o dia seguinte da II Guerra Mundial até a virada da segunda metade dos anos 70: os serviços públicos, a seguridade social, o direito trabalhista etc. Oxímoro, a revolução conservadora não é apenas uma figura de retórica, ela é também uma tática política. Tática de camuflagem: o lobo avança disfarçado de vovozinha… E a ilusão é ainda mais corrosiva na medida que ela é consolidada pela falsa aparência “social-liberal”.
Na França, os “jovens em dificuldade” são o elo fraco que permitiu questionar, com a consciência tranqüila, as garantias trabalhistas
No presente caso, exatamente como o governo de Jean-Pierre Raffarin que pretendia “preservar o sistema de proteção social”, trabalhando para desmantelar o sistema de aposentadoria por repartição, o CPE, votado após as rebeliões de novembro de 2005, é apresentado como medida destinada a lutar contra o desemprego dos mais desfavorecidos (esses “jovens das periferias” dentre os quais 30 a 40% estão condenados ao desemprego e à precariedade). Ele invoca a “igualdade das oportunidades” (ela figura no pacote [4]). Diante da urgência da tarefa, foi preciso recorrer ao artigo 49-3 para superar intransigências, escleroses, paralisias etc., da sociedade francesa.
Exemplar do ponto de vista do ilusionismo, o CPE também o é do ponto de vista do oportunismo. A colocação em prática do programa neoliberal varia de um país a outro, adaptando-se às estruturas e aproveitando-se das conjunturas. No que diz respeito ao mercado de trabalho, a flexibilidade passa prioritariamente pela discussão da regulamentação das demissões (individuais ou coletivas). A maioria dos países da União Européia tentou modificar, por meio da legislação ou da negociação coletiva, a duração do aviso prévio, a justificativa da demissão, a indenização e a responsabilidade pelos trabalhadores demitidos.
Os novos ingressantes no mercado de trabalho são os primeiros atingidos [5]. A estratégia européia para o emprego, reafirmada na Cúpula de Lisboa, em 2001, fez do emprego dos jovens uma das prioridades da União. Nos vários países europeus considera-se que um leque de medidas de inspirações diversas irá favorecer o aumento da taxa de emprego dos jovens com menos de 26 anos: políticas de acompanhamento personalizado (que pressupõem recursos orçamentários específicos), redução das contribuições para os empregadores, programas voluntaristas de inserção profissional etc.
Na França, os “jovens em dificuldade” foram e ainda continuam sendo o elo fraco que permitiu que se empreendesse – com a consciência tranqüila – um questionamento metódico das garantias salariais para as quais o CPE marca uma nova etapa. A aparente solicitude para com eles abriu a dupla oportunidade de atribuir o desemprego aos desempregados (convidados a “construir sua empregabilidade”) e questionar novamente o contrato de trabalho de duração indeterminada (CDI).
A introdução consciente da precariedade
Além de contribuírem para atribuir a culpa pelo desemprego a suas vítimas (“a não empregabilidade” dos sem emprego seria a causa de sua desocupação), os dispositivos de inserção instaurados a partir do final dos anos 70, permitiram que se experimentassem novos status intermediários entre o desemprego e o trabalho. O quase-emprego, apresentado como uma alternativa ao salariato, contribuiu para fragilizar o modelo do contrato em tempo integral e de duração indeterminada, para “a desagregação da sociedade salarial [6]”. Paradoxalmente, o tratamento social do desemprego – hoje em dia existem, pelo menos, 17 contratos de trabalho atípicos – contribuiu para a desestabilização do modelo salarial [7].
O CPE inscreve-se diretamente nessa linha e permite dar um passo a mais em direção à flexibilização do mercado de trabalho. Por um lado, controle sobre os desempregados e possibilidade de suprimir seus benefícios. Por outro, contrato de novo emprego (CNE, para as empresas com menos de 20 assalariados), CPE (para os jovens com menos de 26 anos). Mas, contrariamente à retórica reacionária comum da direita e a de uma determinada “esquerda” francesas, que insistem na necessária implicação dos assalariados, a contra-reforma empreendida pelo governo de Villepin avança pelo domínio da lei, sem qualquer discussão prévia entre os sindicatos e o patronato. Não há sequer um verdadeiro debate parlamentar. O CPE legitima a arbitrariedade patronal, incitando os assalariados reconhecidos à docilidade. É o que admite, a seu modo, a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), pela voz do seu economista chefe, Jean-Philippe Cotis, durante uma coletiva de imprensa em Paris, no último dia 7 de março: “A crítica que se pode fazer ao CPE é que durante os dois primeiros anos a garantia é muito frágil e que depois, ao término de dois anos, volta-se para o sistema antigo (?) muito restritivo”, particularmente em termos de demissões.
O movimento permite que uma geração de jovens avalie o que o neoliberalismo representa para seu futuro. Também promove o aprendizado da reflexão coletiva, do debate e organização democráticos, da invenção de um novo estilo de lutas
Demasiadamente apressado ou mal informado sobre os tropeços dos seus predecessores, Dominique de Villepin reeditou o erro de Edouard Balladur. Em 1993, guiado pelas mesmas intenções, este último lançou seu projeto de contrato de inserção profissional, o CIP, rebatizado de “SMICII-Jovens”. De 3 a 25 de março de 1994, 300 manifestações reuniam, então, entre 700 mil e um milhão de pessoas, em cerca de 130 cidades. As manifestações contra o CIP mobilizavam uma fração normalmente pouco visível da juventude. Eram os alunos do ensino superior curto – Seções de Técnicos Superiores (STS) e Institutos Universitários de Tecnologia (IUT) -, aos quais juntavam-se os “jovens da periferia”, sem diplomas ou portadores de CAP e BEP desvalorizados.
No decurso das manifestações, a fronteira entre essas duas juventudes (os “verdadeiros” estudantes, ou seja, os das faculdades, dos cursos preparatórios e das grandes escolas estavam quase ausentes), fundada na distância objetiva e subjetiva que separa os jovens desde então proletarizados/excluídos (ou fadados a sê-lo) dos que se sentiam ameaçados de proletarização, tendeu a se confundir. Em 21 de abril de 1994, Balladur retirava seu projeto de CIP e constituía um comitê encarregado da Consulta Nacional aos Jovens [8]. Tal é, em suma, a solução que François Hollande, primeiro-secretário do Partido Socialista (PS), insinua ao primeiro ministro: retirar o CPE e organizar os “Estados Gerais da Juventude”?
Na luta, rompem-se barreiras sociais
Esse erro de Villepin não se deve ao acaso: a flexibilização generalizada do mercado de trabalho começa, inevitavelmente, pela extensão das medidas tomadas “a favor dos jovens em dificuldade,” ao conjunto dos primeiros empregos, sem distinção entre as categorias (CPE). Posteriormente, atinge-se o mercado de trabalho como um todo. Erro involuntário ou risco deliberado, o CPE abre, seja lá como for, uma tripla oportunidade política. Por um lado, ele permite a uma geração de alunos do ensino intermediário e de universitários avaliar o alcance das ameaças que fazem pesar sobre o seu futuro não apenas o CPE, mas também a instauração progressiva da ordem neoliberal, ao mesmo tempo em que promove o aprendizado da reflexão coletiva, do debate e da organização democráticos e da invenção de um novo estilo de lutas.
Por outro lado, ao ameaçar o futuro profissional daqueles que acreditavam, graças aos seus recursos escolares, estar ao abrigo da insegurança social que atinge há muito tempo aquelas e aqueles que são os mais desfavorecidos – esses jovens das cidades, “arruaceiros” de novembro de 2005 -, a luta contra o CPE permite reunir juventudes socialmente, escolarmente e “espacialmente” segregadas. Com a esperança de construção de um movimento social que busque um princípio federador, uma reivindicação unitária, contra as barreiras simbólicas entre os “manifestantes bons” e os “baderneiros maus”, as “boas classes médias” e a “periferia ruim” etc.
Enfim, com o Movimento dos Empresários da França (Medef) e a OCDE declarando imprudentemente que o CPE e o CNE são apenas o início da “reforma global”