Aquém das expectativas
Coletânea de artigos escritos ao longo de trinta anos, “Elementares – notas sobre a história da literatura policial” carece de unidade estrutural.Gregório Dantas
A publicação de Elementares – notas sobre a história da literatura policial (Editora Odisséia), de Mário Pontes, é muito oportuna. Medeiros e Albuquerque, Álvaro Lins e José Paulo Paes foram alguns dos intelectuais que já de dedicaram com seriedade ao assunto; mas hoje em dia, salvo engano, o mercado editorial brasileiro não parece contar com muitos títulos nesta área, com exceção feita ao trabalho da professora Sandra Reimão, que vem se dedicando com competência ao mapeamento e análise dos romances policiais brasileiros (Reimão é autora de Literatura policial brasileira – pela Editora Jorge Zahar, e O que é romance policial, pela Brasiliense).
Mas o tema poderia render mais. Não apenas porque, aos poucos, uma certa tradição de romances policiais vem se afirmando no Brasil, mas também porque os bons exemplares do gênero têm muito a nos ensinar, principalmente que é possível haver literatura de entretenimento de qualidade. Além do inegável fato de que procedimentos e temas associados ao gênero são cada vez mais populares dentro da literatura dita “culta”.
Elementares, portanto, deveria ser recebido com entusiasmo pelos aficionados. Infelizmente, porém, o resultado final ficou aquém das expectativas. Em parte devido a sua própria organização: coletânea de artigos escritos ao longo de trinta anos, Elementares carece de unidade estrutural. Não que uma estrutura fragmentada não possa ser produtiva (e reproduzir, por exemplo, os percalços sempre pouco lineares da história de qualquer leitor), ou que as inevitáveis repetições entre os artigos não possa ser útil aos leitores que optarem por ler os capítulos fora de ordem (o que é absolutamente legítimo, principalmente neste tipo de volume). Mas faltou a esse conjunto de artigos uma proposta mais clara: são ensaios em torno de um mesmo tema ou partes separadas de um grande panorama sobre a história do romance policial, como indica o subtítulo do livro?
Nem uma coisa nem outra. À grande maioria dos artigos faltou objetividade para que pudessem ser considerados ensaios. Representativos dessa carência são os finais em aberto, com interrogações ou exclamações beirando o clichê, como “Então viva o Pequeno Detetive!” ou “Elementar!”. São desfechos que, na verdade, espelham a superficialidade dos textos, muitos dos quais são apenas perfis, apresentações de autores e temas da tradição policial, sem uma tese ou uma opinião final a ser defendida. Assim, termina, por exemplo, o primeiro capítulo:
? Por que a ficção policial criada no Brasil destes últimos setenta, oitenta anos cabe inteirinha em uma prateleira da menor estante que temos em nossa casa?
O travessão simula a informalidade de um diálogo entre amigos, e a questão é de fato provocadora. Mas caberia ao jornalista criar algumas hipóteses para respondê-la. O mesmo acontece no último artigo, sobre a legitimação do romance policial. Pontes descreve um conjunto de opiniões de autores e teóricos da literatura a respeito do tema para, ao final, perguntar:
Seria possível tomar esses fatos como indício de que está chegando à sua etapa definitiva o lento e gradual processo de legitimação da literatura policial, iniciado há quase uma centena de anos?
A questão fica em aberto. O autor se limita a comentar a obviedade de que, para que “a porta da arte” se abra para o policial, é preciso que seus “autores sejam artistas”.
Trabalho de edição
Elementares não é, também, uma história da literatura policial, nem uma “tentativa inédita no Brasil de sistematização das regras do romance policial”, como indica o texto da contracapa. Para tanto, faltou um trabalho de edição dos artigos, que suprimisse as repetições mais evidentes e unisse textos que fossem mais afins, conferindo ao livro um rigor na organização que ele não tem. Não há, por exemplo, a indicação de fontes de pesquisa, inclusive os locais e as datas exatas em que foram publicados os artigos. Faltou rigor, enfim.
Por exemplo: faltam algumas referências importantes, como a do texto de Julian Symons, publicado no The Times de Londres, e no qual Pontes baseou toda sua exposição do “pequeno detetive”, no capítulo 2. Como faltam também a referência bibliográfica e uma descrição mais detalhada do romance Um espelho distante (1978), de Barbara Tuchman, comparado a O nome da rosa, de Umberto Eco. Já que a comparação foi indicada com ênfase ? Pontes chega a se perguntar se Eco teria lido Tuchman ?, seria importante desenvolvê-la para além do comentário superficial de que ambos os ficcionistas teriam a “intenção de descobrir a existência de paralelismos entre o passado e o presente da civilização ocidental”.
São lacunas importantes, porque impedem que os artigos se desenvolvam para além do comentário superficial. E a bibliografia final do volume não basta para garantir rigor ensaístico aos textos.
Mas justiça seja feita a Mario Pontes. Trata-se, sem dúvida, de um leitor voraz de histórias policiais, com um repertório de leitura invejável. Também é verdade que alguns capítulos de Elementares são informativos e divertidos. Em “Um certo culto à personalidade”, Pontes descreve e recomenda alguns textos interessantes sobre o mito de Sherlock Holmes: Rex Stout, por exemplo, chegou a criar a insólita hipótese de que o dr. Watson era, na verdade, uma mulher, com quem Holmes se casou. Interessante também é “Édipo, Di & Cia”, em que se descreve a carreira de escritores como o Isaías Pessotti e John Dickson Carr, autor de um inusitado romance histórico-policial protagonizado por alguns dos mais importantes escritores do século XVIII, como Henry Fielding e Laurence Sterne. São capítulos interessantes porque vão além do conhecimento mais usual do leitor do gênero, e funcionam como valiosas indicações de leitura.
Tais qualidades se perdem, porém, em livro que parecia promissor, mas que, infelizmente, não