Arábia Saudita é o maior comprador de armas brasileiras - Le Monde Diplomatique

MERCADO DA MORTE

Arábia Saudita passa EUA como maior comprador de armas brasileiras

Acervo Online | Arábia Saudita
por Renata Oliveira e Julia Castello Goulart
17 de novembro de 2017
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O aumento de vendas de armas entre Brasil e Arábia Saudita coincide com o início da guerra civil no Iêmen, em 2015. No Iêmen, quase 80% de sua população, 19 milhões de pessoas, precisam de algum tipo de ajuda humanitária, sete milhões estão à beira da fome e mais de 680 mil casos de cólera já foram confirmados

A Arábia Saudita passou a ser o principal comprador de armas brasileiras, com 191 milhões de dólares pagos em armas e munições, entre janeiro e outubro deste ano. Com isso, o país supera os EUA, que investiu 144 milhões de dólares no mesmo período. Os dados são da balança comercial brasileira, disponibilizada pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic). Em dezembro do ano passado, o Ministério já apontava um aumento de 817%, entre 2013 e 2015, nas exportações de armamento para a Arábia Saudita.

Para o assessor de política externa da ONG Conectas Direitos Humanos, Jefferson Nascimento, o aumento das transações com a Arábia Saudita coincide com o início da guerra civil no Iêmen, em 2015. “O conflito já representa a principal crise humanitária do mundo, ultrapassando a guerra na Síria e a Avibras, (indústria aeroespacial brasileira que fabrica produtos de defesa), pode ser uma das empresas que vendeu Munição Cluster para a Arábia Saudita, que está envolvida nas hostilidades”, declara Nascimento.

Em março deste ano, a participação da munição brasileira no conflito foi denunciada pela Anistia Internacional, que relatou o uso de armas brasileiras em ataques no Iêmen nos últimos 16 meses. A Avibras se pronunciou dizendo que não era possível confirmar se as munições utilizadas eram de sua fabricação e afirmou que suas armas possuem um “dispositivo de autodestruição que atende a princípios e legislações humanitárias”.

O Iêmen é considerado um dos países mais pobres do Oriente Médio e após as manifestações da Primavera Árabe e o estabelecimento de uma nova constituição de governo, a disputa entre sunitas da região sul e os houthis, xiitas da região norte, se intensificaram. Sob a suspeita de que o Irã estivesse colaborando com armamentos e treinamento para os houthis, a Arábia Saudita entrou no conflito equipando o exército contrário. O conflito já deixou mais de 5 mil mortos e quase 9 mil pessoas com ferimentos graves, segundo levantamento das Nações Unidas. No Iêmen, quase 80% de sua população, 19 milhões de pessoas, precisam de algum tipo de ajuda humanitária, sete milhões estão à beira da fome e mais de 680 mil casos de cólera já foram confirmados.

Critérios de exportação

Os critérios que possibilitam a exportação de armas das indústrias brasileiras estão sob sigilo e não podem ser acessados pela Lei de Acesso à Informação. O governo argumenta que os dados são assunto de segurança nacional. “O Brasil hoje é um dos dez países menos transparentes no mundo em relação a sua política de exportações de armas”, afirma Jefferson Nascimento, “hoje não é mais aceitável em uma democracia que exista uma política pública secreta. Precisamos ter acesso para poder monitorar o seu cumprimento e possibilitar melhorias”. Procurado, o Itamaraty, Ministério das Relações Exteriores, em nota oficial, afirmou que “o Brasil presta informações sobre a venda de armas convencionais ao Registro de Armas Convencionais das Nações Unidas”.

Desde 2011, no primeiro Livro Branco do Ministério da Defesa, documento que norteia as diretrizes de defesa do País, há menção de que o governo trabalha em uma nova versão da política nacional de exportação de produtos de defesa. A segunda versão do livro, atualmente passa por revisão do Congresso. Para Nascimento, é preciso pressionar o executivo para uma resposta mais rápida das autoridades. “A elaboração dessa política hoje está no Ministério da Defesa, então é preciso usar os canais do legislativo que tem a função de fiscalizar esse poder, realizar pedidos de informação parlamentar a respeito do conteúdo do que está sendo elaborado, solicitar audiências públicas e tentar conhecer melhor qual é a prioridade que o governo dá ao tema”, afirma.

O Brasil é considerado o terceiro maior exportador de armas leves do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e Itália. O ranking, divulgado em setembro, é produzido pela organização Small Arms Survey, projeto que desenvolve pesquisas sobre a situação da violência armada no mundo.

Renata Oliveira e Julia Castello Goulart são estudantes de jornalismo e participam do curso de formação Repórter do Futuro



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