Armênia, uma civilização se protegendo contra o pan-turquismo
Dia 27 de setembro de 2020, armênios em suas terras natais e outros milhões em diáspora acordaram com a notícia aterrorizante de estar novamente sob ataque, desta vez pelas forças azeris apoiadas pela Turquia, que buscavam recuperar o controle da região armênia indígena de Artsakh, também conhecida como Nargorno-Karabagh
A Turquia e o Azerbaijão negam o genocídio armênio de mais de um século atrás, enquanto ainda propagam violência militar contra armênios e recusam-se a permitir soberania territorial de regiões tradicionalmente armênias. Para evitar que a história se repita, devemos olhar para este ponto do planeta, ouvir as histórias de seu povo e buscar novas formas de defender aqueles cujo recurso mais valioso é sua humanidade.

Dia 27 de setembro de 2020, armênios em suas terras natais e outros milhões em diáspora acordaram com a notícia aterrorizante de estar novamente sob ataque, desta vez pelas forças azeris apoiadas pela Turquia, que buscavam recuperar o controle da região armênia indígena de Artsakh, também conhecida como Nargorno-Karabagh. O Azerbaijão, em violação de leis internacionais, quebrou o acordo de cessar-fogo de 1994 que congelou o conflito acalorado de décadas sobre os direitos à terra da região étnica armênia. Como resultado do voto unilateral de Joseph Stalin da divisão soviética de terras em 1921, sob o Gabinete do Cáucaso do Partido Comunista Russo, Artsakh, a região entre a Armênia e o Azerbaijão, habitada por mais de 95% de armênios indígenas por milhares de anos, seria administrado pelo Azerbaijão.
Com o colapso da União Soviética, o desejo de independência do povo evocou a luta pela independência de Artsakh e pelo direito do povo à autodeterminação. Embora anos de guerra brutal tenham recuperado as terras indígenas da Armênia, a luta resultou em milhares de mortos, desabrigados e em um estabelecimento indeterminado de paz através do acordo de cessar-fogo de 1994 para ambos os lados. Há apenas dois meses, em meio à segunda onda de uma pandemia global, a luta pela paz se desencadeou mais uma vez para o povo armênio, mas desta vez, defender a Armênia inclui lutar contra o Pan-Turkismo.

O ataque de 27 de setembro à Armênia e Artsakh rapidamente se transformou em 43 dias de guerra. Em três dias de batalhas, ficou claro como a Armênia estaria em desvantagem numérica sem qualquer ajuda internacional ou apoio aliado na luta para defender sua pátria. Na defensiva está a Armênia, uma antiga e pequena nação cristã sem litoral com uma população de 3 milhões e um PIB de US$ 12,4 bilhões (Banco Mundial). Na ofensiva está o Azerbaijão (e a Turquia), uma nação pan-turca com uma população de 10 milhões e um PIB de US$ 46,94 bilhões, liderada pelo regime ditatorial de Ilham Aliyev.
Conforme publicado no The Investigative Journal, (30 de setembro), a Turquia contratou mercenários sírios para apoiar os militares do Azerbaijão, oferecendo-lhes US$ 2.000 por mês para se juntarem ao Exército Nacional Sírio, apoiado pela Turquia. “Eles nos enganaram. Disseram que íamos proteger uma base turca. Então chegamos aqui e começamos a lutar, imediatamente, estamos lutando”, disse um militante da Divisão Hamza no Azerbaijão. “A luta não é como nada que eu já vi. É como um filme. É um bombardeio constante.”
Milícias sírias estão sendo pagas pela Turquia para massacrar armênios em Artsakh, mas o ministério de defesa turco afirma, sem provas, que armênios estão convocando ajuda do PKK, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão. Ao contrário do Azerbaijão, os armênios têm lutado sozinhos nesta defesa contra a agressão azeri e turca. Seja na linha de frente ou na campanha online de desinformação em massa patrocinada pelo Azerbaijão e pela Turquia para confundir o público menos informado. Inúmeros vídeos de mercenários sírios têm sido transmitidos pelas redes sociais, de homens uniformizados, exibindo orgulhosamente o assassinato de cativos armênios. Enquanto os armênios ao redor do mundo continuavam a lamentar seus mortos, eles ainda se perguntavam quando a comunidade internacional se manifestaria contra esses crimes de guerra.

Com o passar dos dias, os ataques azeris se intensificaram, indo além das bases militares e chegando a assentamentos e infraestruturas civis. O bombardeio constante de mísseis e bombas de fragmentação deixou a capital de Stepanakert e várias outras regiões, como Martuni, Martakert e Shushi, em ruínas, a maioria das quais não eram ataques a bases militares, mas sim a assentamentos civis. Hospitais infantis, maternidades, escolas, igrejas, lojas e várias outras infraestruturas civis foram danificadas e destruídas.
Depois de quase seis semanas de batalha constante, com 3 tentativas de cessar-fogo mediadas pela Rússia, todas quebradas pelo Azerbaijão minutos após serem anunciadas, a guerra terminou com um acordo surpresa assinado pelo primeiro-ministro da Armênia, Nikol Pashinyan, o presidente do Azerbaijão, Aliyev, e da Rússia, Vladimir Putin. O documento contém nove pontos de cessar-fogo e acordos de terra que resultaram na perda da Armênia. Esta notícia irritou as comunidades armênias em todo o mundo, especialmente na capital da Armênia, Yerevan, onde centenas de manifestantes invadiram os edifícios do Parlamento, destruindo propriedades do governo. Muitos críticos armênios desses manifestantes levantaram a questão de que talvez a Armênia não teria perdido a guerra se tantos desses manifestantes tivessem se juntado ao exército.
A luta para receber atenção internacional pelos crimes de guerra cometidos pelo Azerbaijão e pela Turquia, incluindo o uso de munições de fósforo branco que destruiu mais de 150 hectares de floresta, se soma à camada de crise humanitária e ambiental. Os armênios da diáspora que vivem em cidades por toda a Europa, Estados Unidos, Canadá, Argentina e muitos outros lugares, assumiram a responsabilidade de exigir uma ação internacional e uma cobertura precisa dos crimes de guerra cometidos contra o povo armênio.

Os armênios na diáspora focam seus esforços em chamar atenção da comunidade internacional para tirar a Turquia e o Azerbaijão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Os armênios-americanos, por exemplo, se reuniram dia 8 de outubro em frente à Casa Branca na esperança de chamar a atenção do governo dos EUA e de contribuintes norte-americanos para o fato de os EUA terem alocado 100 milhões de dólares para assistência de segurança no Azerbaijão.
Para muitos armênios, a realidade atual de ódio étnico e crimes de guerra é uma lembrança assustadora do passado, uma segunda tentativa do Genocídio Armênio de 1915. O envolvimento da Turquia nesta guerra atual não incluiu apenas uma longa e sombria história de genocídio contra o povo armênio durante a Primeira Guerra Mundial, mas, além disso, uma agenda geopolítica, econômica e étnica do pan-turquismo, o desejo de unificar todas as nações de língua turca para a recriação do Império Otomano. A organização ultranacionalista e Neofascista Grey Wolves é polemicamente conhecida por ter apoiadores importantes como Erdoğan. Em um comício, Erdoğan é visto levantando a saudação dos Grey Wolves. É um símbolo da organização neofascista, que representa um ódio coletivo contra as minorias étnicas, incluindo armênios, curdos, gregos e assírios.
Essa agenda étnica vem da História Antiga, mas não é coisa do passado. A lenda diz que os vales dos rios de Artsakh foram onde os descendentes de Noé se estabeleceram pela primeira vez e o Monte Ararat (originalmente na Armênia) é onde os restos da Arca de Noé foram “encontrados”. A partir do século VI AC, a Armênia se tornou um império que se expandia de mar a mar. Sua língua e alfabeto, escritos em 404 por Mesrop Mashtots, são de origem indígena indo-europeia distinta, datando de pelo menos 5 mil anos. Seus artefatos e arquitetura “também escreveram continuamente a história de sua evolução” (Origens armênias, de Thomas J. Samuelian).

No final dos anos 1800 e no início dos anos 1900, tensões religiosas e étnicas entre a Armênia e seus vizinhos muçulmanos levaram o Império Otomano a cometer atos hediondos de violência contra a população armênia. Entre 1914 e 1923, um milhão e meio de armênios foram mortos pelas forças turcas. No início, deportações em massa, trabalho forçado e fome paralisaram a população armênia na Constantinopla. Em seguida, houve genocídio — assassinatos em massa e marchas em direção ao deserto da Síria.
Em 1939, pouco antes da invasão nazista da Polônia, Hitler mencionou o Holocausto Armênio em um discurso aos seus comandantes. Ele procurou motivar os soldados a massacrar os poloneses, apontando que o aspecto memorável dessa conquista territorial não será a matança, mas a força da nação alemã. “Só assim ganharemos o espaço vital [Lebensraum] de que necessitamos. Afinal, quem fala hoje da aniquilação dos armênios?” (Genocide Education).
Lutar contra o fascismo nestes tempos exige uma compreensão da história que vai além do que é apresentado pela cultura popular. Se o conceito inimaginável de espectadores na Alemanha nazista ainda nos assombra, o que seremos daqui a cem anos? Não precisamos nos tornar mais uma geração a cair na armadilha da desinformação em massa e no desinteresse pelo bem-estar daqueles que diferem de nós. Ainda há tempo de usar os avanços tecnológicos de nosso século para pôr fim, de uma vez por todas, a algumas das práticas mais horríveis que vimos ao longo da história humana.

Reconhecer o Genocídio Armênio e a atual crise humanitária é importante, agora mais do que nunca. Essas feridas abertas, sangrando tão severamente agora, continuam a ser transmitidas de uma geração para a outra. Olhar nos olhos do povo armênio é reconhecer o reflexo do antigo sofrimento. Mas há muito mais do que isso, olhe mais profundamente e você encontrará uma força existencial e vontade de sobreviver, de reconstruir, de re-enraizar em sua cultura e identidade, e de curar por meio do amor e da honra. Como o grande William Saroyan escreveu:
- “Eu gostaria de ver qualquer poder do mundo destruir esta raça, esta pequena tribo de pessoas sem importância, cujas guerras foram todas travadas e perdidas, cujas estruturas desmoronaram, a literatura não foi lida, a música não foi ouvida e as orações não são mais respondidas. Vá em frente, destrua a Armênia. Veja se você consegue. Mande-os para o deserto sem pão ou água. Queime suas casas e igrejas. Então veja se eles não vão rir, cantar e orar novamente. Pois, quando dois deles se encontrarem em qualquer lugar do mundo, veja se eles não criarão uma Nova Armênia.”
Plataforma9
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Escrito por Mané Andreasyan
Produzido, Editado e Traduzido por Mirna Wabi-Sabi
Fotografado por Harout Barsoumian