As palavras do Golfo
Oportunistas e frequentemente na origem dos grandes projetos econômicos no Golfo Arábico-Pérsico, os escritórios de consultoria anglo-saxões entenderam bem o interesse de investir no termo “vision”Akram Belkaïd
Abril de 2013. Durante uma conferência sobre energia organizada em Doha, no Catar, um dos participantes, um oficial catarense, começou e concluiu sua intervenção em inglês – a língua franca no Golfo –, prestando homenagem à “visão esclarecida” do seu emir. Na sala, jornalistas e universitários trocaram piscadelas e sorrisos de cumplicidade. Acostumados com esse tipo de manifestação, alguns apostaram quantas vezes a expressão “the vision” seria pronunciada. Ela se tornou onipresente em todas as monarquias petroleiras ou produtoras de gás do Golfo Arábico-Pérsico. Seja durante uma convenção, num documento oficial ou numa simples placa turística, é preciso celebrar a vision de sua alteza real.
Além da incontornável subserviência de que dá testemunho, isso resume a imagem que os monarcas e sua corte tentam projetar no exterior. Assim, é preciso saber que o rei, o emir ou o sultão teve um dia uma visão − pessoal, nem é preciso dizer − quanto à maneira de desenvolver seu país. A strategic vision, claro, e não um capricho de novo-rico.
Os arranha-céus de Dubai, as novas cidades da Arábia Saudita, os portos do sultanato de Omã, a diversificação da economia de Abu Dhabi para sair do só-petróleo, o ativismo do Catar sobre todas as frentes do planeta, os hotéis fantasiosos, as companhias aéreas (Emirates, Etihad, Qatar Airways…): tudo isso teria origem na visioncoerente dos monarcas que seriam ao mesmo tempo estrategistas e planificadores.
Oportunistas e frequentemente na origem dos grandes projetos econômicos na região, os escritórios de consultoria anglo-saxões entenderam bem o interesse de investir nesse termo. Há uma busca por aquele que vai elaborar o mais bonito e denso dos relatórios de prospecção. “Vision 2020”, “Vision 2030”: os países do Golfo não param de se projetar no futuro e de imaginar todos os roteiros possíveis para fazer deles verdadeiras potências econômicas e energéticas.
Com frequência, os consultores mobilizados a serviço davisionnão têm mais escrúpulos, vendendo sucessivamente a mesma proposta a monarcas rivais e obcecados pela ideia de fazer melhor que o vizinho. O emirado de Sharjah é conhecido no mundo pela beleza de seus museus, principalmente os de arte islâmica? O Catar terá um maior, enquanto Abu Dhabi pretende conseguir a licença para reunir o Louvre e o Guggenheim no mesmo “distrito cultural”. Dubai tem o maior prédio do mundo? A Arábia Saudita pensa em construir um ainda mais alto…
Enquanto o projeto europeu se reduz a olhos vistos e os Estados Unidos não sabem mais como sair de um crescimento que não cria empregos, os países do Golfo reivindicam sua confiança no futuro. Assim, não se passa um dia sem que se fale de projectsde dezenas de billionsde dólares. As somas citadas pelo semanário Meed(Dubai) ou pelo jornal diário dos Emirados The National– ambos em inglês, língua dos negócios, mas também da educação superior e de tudo o que se relaciona ao lazer e à cultura – são vertiginosas. Lendo ou ouvindo as declarações oficiais, todos esses projetos são world class, de classe mundial, pois o tempo dos sheiksafortunados que compravam elefantes brancos obsoletos ficou para trás.
O projeto tem de ser grande, impressionante, mas também rentável, de modo a permitir ao país em questão manter seu posto de emerging market – mercado emergente –, da mesma forma que a China ou o Brasil, mas também e principalmente, de hub. Quer dizer, de cruzamento estratégico e de nó de comunicações e de transporte onde é oportuno, para não dizer obrigatório, estar para fazer bons negócios. Há, inclusive, um aspecto quase obsessivo na vontade dos países do Golfo em estar hoje na convergência dos mundos. To be on the map: estar no mapa e, principalmente, ser conhecido e reconhecido.
Eis por que o qualificativo “global” se cola inevitavelmente ao termo “hub”. Nenhum projeto, nenhuma atividade, nenhuma conferência têm reconhecimento se não for global, quer dizer, inscritos na globalização. De passagem por Doha ou Manama, não ficaremos surpresos se o cartão de visitas do assessor de imprensa de um pequeno negócio familiar proclamar sua função de global press officer. Até mesmo no mall, gigantesco shopping center com ar-condicionado, é preciso ser global. Os países do Golfo? “A global hub with a strategic vision.”
Esse material linguístico basta para elaborar livros e conferências celebrando o advento de uma nova economia. Uma economia robusta (strong economy), mas também, previnem, muito preocupada com a “sustentabilidade” (sustainable development). Pois, é claro, nessa região, que é a primeira do mundo em termos de emissões de gases de efeito estufa por habitante, preocupar-se com o meio ambiente também é muito world class.
Na terminologia abundante à qual recorrem os documentos relativos à vision, o “capital humano” (human capital) acomoda-se a todos os gostos. Oficialmente, é preciso desenvolvê-lo e protegê-lo. Nos últimos tempos, o interesse protetor do Ocidente força uma ligação entre o human capitale o destino das mulheres. Trata-se de dar-lhes um melhor acesso à vida profissional. Disso surge outro termo que merece atenção, de tanto que cristaliza os subentendidos políticos e ideológicos caros à ideologia neoliberal: o do “empowerment”, que, nos textos, significa “dar progressivamente mais poder para que as interessadas possam agir melhor por si mesmas”. “Empoderar” uma mulher é, portanto, fazê-la tomar consciência de que poderia ter mais, mas sem questionar o sistema patriarcal dominante. Emancipá-la, mas não muito…
Por outro lado, praticar o empowermentdos jovens locals, termo que empregam os expatriados para designar os nacionais, consiste em convencê-los a se dedicar mais e aceitar os empregos até então reservados aos estrangeiros, principalmente no setor privado. Campanha após campanha, a labor nationalization, a substituição dos trabalhadores estrangeiros, permanece um fracasso, e a dependência dos foreign workerscontinua importante.
Mas como não entender essa juventude masculina blasé e ociosa, que preocupa os poderosos chouyoukhs – termo que designa os monarcas, mas também as grandes figuras tribais? Não é fácil para ela existir, levar uma vida normal ou, mais importante, adquirir o gosto do esforço e do trabalho bem-feito, quando tudo que a rodeia só fala de luxury.
No entanto, não é apenas a juventude que preocupa os chouyoukhs. Quatro décadas de enormes transformações sociais engendraram uma forma de mal-estar e de busca de identidade. É por isso que, em nome da coesão nacional, frequentemente trata-se de heritagee culture. Ah, essa cultural heritage[herança cultural], expressão bem útil para compensar o mal-estar gerado pela modernitytão reivindicada.
Mas de que herança cultural estão falando nessas terras antes conhecidas por serem vazias? A terminologia em voga não tem expressão favorita para isso. Ela se contenta no máximo em reconhecer que os países da região estão comprometidos com uma nation building, com a “construção de uma nação”. Um challenge[desafio] que permanece incerto, apesar da existência de uma visionestratégica e prospectiva que, é preciso reconhecer apesar de tudo, falta a muitos países árabes.
Akram Belkaïd é jornalista.