As tensões no Mar do Sul da China: é tempo para a guerra?
O conflito no MSC tem se intensificado pelo que Brunei, Indonésia, Malásia, Filipinas, Taiwan e Vietnã consideram como um desrespeito da China às leis internacionais propostas na convenção da UNCLOS, a chamada: “linha de nove pontos chinesa”
Matérias atuais expostas em diversos jornais brasileiros evidenciam a questão do Mar do Sul da China (MSC) como um dos pivôs que fortalecem as divergências entre Washington e Pequim. De fato, na opinião de muitos estudiosos e analistas, a região do MSC é reconhecidamente um ponto de tensão importante na relação das duas grandes potências, além de ser relevante para entender qual será seu futuro. No entanto, se considerados dados e estudos mais aprofundados, a narrativa de “quase guerra” recorrentemente estimulada na mídia convencional nacional e internacional, pode estar supervalorizando a capacidade do MSC em ser a carta final para um conflito entre China e Estados Unidos.
O MSC é uma região localizada ao sul do território chinês e é atualmente disputado, ao menos legalmente falando, por China, Filipinas, Malásia, Vietnam e Brunei. Por lá passaram, em 2016, U$ 3.37 trilhões (a título de comparação quase duas vezes o PIB do Brasil no mesmo ano), o que representou impressionantes 21,2% de todo o comércio mundial marítimo. Além da riqueza estratégica de escoamento de produção, o MSC também possui inúmeros recursos para extração, dos quais se destacam os hidrocarbonetos e vida marinha.
A Convenção das Nações Unidos sobre o Direito do Mar (UNCLOS), criada em 1982 (tendo entrado em vigor somente em 1994), determina que um país tem soberania a: um Mar Territorial de 12 milhas náuticas (22 km), uma zona contígua de igual extensão, e uma Zona Econômica Exclusiva (ZEE) de 200 milhas náuticas (370,4 km), no qual o Estado que a possui tem liberdade em extrair, aproveitar e cuidar das riquezas que estiverem dentro dessa faixa.
Atualmente, o conflito no MSC tem se intensificado pelo que Brunei, Indonésia, Malásia, Filipinas, Taiwan e Vietnã consideram como um desrespeito da China às leis internacionais propostas na convenção da UNCLOS, a chamada: “linha de nove pontos chinesa” (no inglês 9-dash-line). Esta, abrange 90% da área territorial do MSC e percorre 2000 km da faixa territorial da região, tomando consideráveis áreas dos países que possuem respaldo jurídico da UNCLOS, mas não conseguem evitar a expansão chinesa.
A origem da “linha de nove pontos” remonta os anos de 1950, quando se tem os primeiros registros de desenhos e esboços feitos por chineses em mapas cartográficos do MSC. Hoje, essa é uma das principais evidências jurídicas e legais que a China possui para justificar sua alegação de que é “dona” desse território maritmo. A primeira apresentação formal da “linha de nove pontos” foi apresentada apenas em maio de 2009, contexto no qual Vietnam e Malásia apresentaram à convenção uma série de documentos que reafirmavam seus direitos às suas plataformas continentais marítimas, das quais inseriam ilhas e recifes como extensões de sua soberania. Na ocasião, a China não reconheceu as reivindicações jurídicas de seus vizinhos.
As tensões se arrastam há anos, e possuem diversas frentes de resolução. Por um lado, tratativas multi e bilaterais via Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) e Declaração de Conduta das Partes (DOC) foram estimuladas para promover a construção de confiança entre os países do MSC, sem a interferência de outras nações. Por outro, os constantes enfrentamentos entre as marinhas e os inúmeros relatos de desrespeito de todas as partes (muito embora a China seja o pivô de pelo menos 80% das ocorrências) pelas suas respectivas forças militares tem sido o que mais chama a atenção da comunidade internacional.
É nesse contexto que os Estados Unidos têm uma importância chave para a região. Em 2019, a economia norte-americana representou 15.11% do produto interno bruno (PIB) global. Desse valor, pelo menos 5,72% passam pelo MSC. É notável que os interesses norte-americanos são altíssimos na região. Uma das principais atitudes dos Estados Unidos no MSC tem sido as operações chamadas “Freedom to Navigate” (liberdade de navegação). Nesta, os norte-americanos tem se apoiado para, junto a acordos bilaterais de proteção militar, defender os interesses dos de seus parceiros regionais (cada vez mais distantes da cooperação norte-americana), e ser um contraponto militar a escalada de poder hegemônica chinesa.
Foi durante a gestão Trump, que se encerra esse ano, que as operações foram exploradas com mais vigor. Considerado muito da “defensiva” quanto aos abusos chineses no MSC, a gestão Obama fez, durante oito anos, apenas seis dessas operações, menos do que Trump fez em 4 anos.
Em tese, isso significa dizer que os EUA estão mais tendenciosos a um conflito no MSC? Não necessariamente. A China, superior em números de navios militares que os EUA, tem se preparado bem para as narrativas belicosas de Trump, e buscado aproximações bilaterais com seus vizinhos que tratem de solucionar as tensões entre eles, sem que os EUA consigam jogar com seus interesses regionais.
As eleição de Duterte, em 2016, colocou as Filipinas como um novo ator contrário as políticas expansionistas norte-americanas, somando à pacificação da Malásia, a neutralidade de Brunei, e a relativa neutralidade da Indonésia (sobretudo por ter menos pontos conflituosos com os chineses), contexto que tem contribuído para a construção de solução de controvérsias pacíficas entre os países do MSC.
No entanto, onde há fogo, há fumaça. Sob essa perspectiva, ainda não é certo dizer se EUA, a maior potência militar global, e a China, a segunda maior economia global, podem escalar isso até o nível de um conflito armado. Há, fundamentalmente, muitos interesses e variáveis que devem ser consideradas quando o tema é explorado, e o imaginário coletivo não deve ser estimulado a pensar que as relações sino-americanas chegaram ao seu pior ponto.
Ainda é interessante para China e Estados Unidos explorarem as nuances e os feixes abertos em suas relações, optando pelas vias institucionais. Além disso, as operações norte-americanas, se vistas sob as atuais perspectivas políticas de Malásia, Indonésia, Filipinas e Brunei, aparentam muito mais serem ilusórias e propagandísticas do que qualquer outra coisa, já que dificilmente encontram apoio local (salvo Vietnã e Malásia). Somente o tempo, que agora está a favor da China, poderá dizer se a briga entre as duas grandes potências poderá emular, historicamente, os grandes momentos da história onde impérios como Atenas e Esperta lutaram pela defesa de seus poderes.
André Luiz Cançado Motta, graduado em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e mestrando em Política Internacional pela Faculdade de Ciências Sociais (FCS-UFG), é pesquisador e colaborador no Núcleo de Estudos Globais (NEG) e ex-pesquisador voluntário de iniciação científica do Projeto de Pesquisa de Iniciação Científica Voluntária (PIVIC) na área de Segurança Internacional e Política Internacional Contemporânea. Atualmente, trabalha na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás como assessor parlamentar na coordenação do projeto Politizar UFG/ALEGO.