Banco de sementes leva esperança de conservação a Tapajós
Projeto da Conservação Internacional (CI-Brasil), que uniu pessoas, capacitou produtores e implantou SAFs, germinou a criação de uma rede de sementes com potencial de restauro de 250 hectares
Embora o desmatamento na região amazônica tenha sido mais lento no último ano – na Amazônia Legal foi de 9.064 km2 entre agosto de 2022 e julho de 2023, uma queda de 21,8% em relação ao período anterior segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) – o fato é que o bioma brasileiro está muito perto do ponto de não retorno calculado pelos cientistas.
O ponto de não retorno ou inflexão é quando um ecossistema não suporta mais as alterações que sofreu e, assim, não consegue voltar ao estado original. No caso da Amazônia, a área total da floresta – que se divide entre nove países – é de 7.584.421 km², sendo que 62%, o equivalente a 4,7 milhões de km², estão no Brasil.
Dados do INPE, divulgados este ano, revelam que na última década e meia a devastação na floresta foi de 800 mil km² – ou seja, 17% da Amazônia brasileira. Esse percentual já coloca a Amazônia muito perto da faixa de risco traçada pelos cientistas como o ponto de inflexão – que é entre 20% e 25% de perda da cobertura florestal. Em 2022, mais de 12 mil km² foram desmatados no bioma – desse total, 43% somente no Pará.

Créditos: Andre Deak
Outro estudo, desta vez publicado na Nature este ano, revela que esse colapso pode acelerar o aquecimento global e mudar o padrão de chuvas em várias regiões do planeta. Ainda segundo os pesquisadores, até 2050 de 10% a 47% do bioma poderá sofrer mudanças irreversíveis – o que impediria a Amazônia de armazenar carbono e realizar o seu papel de equilibrar o clima no mundo.
Com a luz de alerta acesa e a certeza de que não basta parar de desmatar para evitar o colapso, é preciso ajudar o bioma a se regenerar para garantir a perpetuação dos serviços que a Amazônia presta. Essa ajuda vem por meio da restauração de paisagens.
Restaurar um bioma como a Amazônia é tarefa árdua, justamente porque um dos grandes desafios desse processo é a falta de sementes. Adquirir no mercado sementes de milho ou de feijão para a agricultura é fácil e econômico, mas onde e como comprar as sementes que vão dar origem às árvores nativas dessa região?
Quatro comunidades do Tapajós, no Pará, são um bom exemplo de uma solução que pode ajudar a resolver o problema. Lá, um banco de sementes está sendo formado e é administrado por mulheres da região. Elas integram o Projeto Restauro do Tapajós, parceria entre a Conservação Internacional (CI-Brasil) e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). O objetivo do projeto é restaurar áreas degradadas por meio de sistemas agroflorestais (SAFs) e áreas de proteção permanente (APPs).
A iniciativa, que começou em meados de 2022, foi idealizada em três etapas. A primeira foi capacitar as pessoas das comunidades para aprender a importância de usar a terra e seus recursos com consciência e cuidado – essa fase contou com maciça adesão das mulheres. A segunda, em 2023, foi a de implantar SAFs e APPs, mapear a região, conhecer o solo e definir, junto com os produtores locais, quais as melhores culturas a serem consorciadas para conservar a mata.
Foram criados dois viveiros e restaurado outro – os três com capacidade para alcançar a produção de 60 mil mudas por ano. As mulheres já iniciaram os plantios, estão produzindo mudas e comercializando o excedente. Elas receberam capacitação para fazer o manejo correto. Foi dado também o pontapé para a criação da rede de sementes – terceira etapa do projeto.
Essa fase representou um desafio, mas também a oportunidade de unir várias vozes e parceiros para dar forma e vida a uma rede de sementes robusta. Com os viveiros e a rede de sementes, estima-se a possibilidade de produzir até 80 mil sementes de qualidade e a capacidade de restaurar 250 hectares.
O projeto contribuiu para colocar na mesma mesa representantes do governo do Estado do Pará, organizações do Terceiro Setor e, claro, os representantes das comunidades envolvidas. Cada parceiro avaliou como poderia atuar para ampliar ainda mais a iniciativa e fazê-la ecoar para capacitar mais pessoas da comunidade, além de estabelecer parcerias com universidades e laboratórios.
Assim, os beneficiários – especialmente as mulheres, que aderiram à iniciativa e se destacaram desde o início – teriam o conhecimento e a orientação técnica necessários para cuidar do banco. É que lidar com sementes significa aprender a manuseá-las, fazer a secagem corretamente, o armazenamento, a coleta no tempo certo e reconhecer se está no ponto de germinar.
O objetivo desse banco é que as comunidades coletem sementes e as utilizem para criar mudas em suas propriedades – mudas que vão fortalecer as cadeias de SAFs da região e as APPs, gerando renda com o uso sustentável da terra. Esse trabalho vai retroalimentar um círculo virtuoso de conservação, mostrando que cada iniciativa é um passo pequeno, mas é extremamente importante para restaurar o que décadas de descaso destruíram em Tapajós.
Lilian Vendrametto é Diretora de Economias de Impacto da Conservação Internacional.