Bangkok protege seu arroz
Cereal básico na alimentação dos tailandeses, o arroz é também o principal produto exportado pelo país. Fechado a investidores externos, o setor dominado por enormes conglomerados experimenta agora a emergência de novos atores locais
Arrendar arrozais a sauditas? Não, não acredite no que escreve a imprensa internacional. Um projeto assim não tem absolutamente nenhum futuro na Tailândia. Os investidores estrangeiros talvez possam adquirir terras em um país pobre e acuado como o Camboja, mas não aqui. Não na nossa casa!” Ainda que contundente, a declaração de Charin Hansuebsai, representante da Associação dos Exportadores de Arroz da Tailândia, foi dada com um sorriso.
O fato é que, em maio de 2008, uma delegação de homens de negócios sauditas visitou a planície de Suphan Buri instigada pelo bilionário e ex-primeiro-ministro tailandês Thaksin Shinawatra. No entanto, logo depois o ilustre anfitrião viu-se obrigado a deixar o país, sob ameaça de ser condenado a dois anos de prisão por corrupção. Seus seguidores foram afastados do governo e os nacionalistas e tradicionalistas se consolidaram no poder. Em condições tão turbulentas, quem assumiria o risco de mexer com os tão importantes arrozais tailandeses, que proporcionam alimento e ocupam quase metade dos 21 milhões de hectares das superfícies agrícolas exploradas no país?
Seria preciso, inclusive, ir contra o Foreign Business Act de 2006, legislação comercial referente aos não-tailandeses que restringe o acesso destes às esferas econômicas. “O setor rizícola não é aberto aos estrangeiros”, reafirma Charin. “Nós acolheremos de bom grado os investimentos externos, desde que não ameacem nossa independência. Se não for assim, como conservaremos nossa cultura, nossa maneira de viver?”
Sem dúvida, esse cereal constitui o pilar central da Thai way of life. Ele é consumido todos os dias, em todos os pratos. Da sopa dos camponeses ao khanom, um bolinho composto de arroz glutinoso, gelatina e pasta de coco que é oferecido nos escritórios durante os intervalos, para manter firme o tecido da sociabilidade. A cada manhã, ele guarnece a tigela oferecida aos sacerdotes budistas. As crianças o levam para a escola em tubos de bambu, assim como os agricultores que vão para a lavoura. Para se ter uma ideia ainda mais precisa da situação, a Tailândia tem uma população de 63 milhões de habitantes, que consomem anualmente 20 milhões de toneladas de paddy, o arroz não descascado.
Além disso, desde a década de 1980, a Tailândia é, de longe, o primeiro país exportador, em um mercado caracterizado pela estreiteza – apenas 5% a 6% dos volumes produzidos são vendidos, contra 20% do trigo e 30% da soja – e centralização. Em 2008, com cerca de 10 milhões de toneladas de arroz processado vendidas1, ela respondeu, como em 2007, a quase um terço da demanda mundial. E a subida do preço do arroz nesse período levou a receita tailandesa a níveis recordes: estimam-se US$ 6 bilhões, duas vezes mais que o ano anterior. Essa vitória estrondosa contrasta com o desequilíbrio dos Estados que, abandonando ou sacrificando sua agricultura, encontram-se dependentes das importações, expondo-se à insegurança alimentar.
Christophe Cousin não reclama. Francês, ele mora no país há quinze anos e trabalha como corretor. “Nossas atividades não têm nada a ver com as dos piratas das finanças!”, esclarece já de saída. A ST Prasert, sua empresa, funciona como uma intermediária junto às pequenas e médias empresas que tentam exportar para a África, o Oriente Médio e a Rússia. “Nós contribuímos para uma diversificação do setor rizícola, não para sua pilhagem. É notável, há alguns anos, a emergência de novos atores em um setor dominado por enormes conglomerados agroalimentares.”
Um desses “novos atores” chama-se Toumi Intertrade. A Toumi tentou em vão ser apenas uma empresa familiar: ela está no vigésimo lugar nacional dos exportadores de arroz aromático. “Mas só nos lançamos há cinco anos”, destaca Samphan Jantrakul, seu entusiasmado diretor comercial, formado em administração na Austrália. “Nas três décadas anteriores, meu pai dedicou-se apenas à rizicultura, não à exportação. Este ano, enviamos 50 mil toneladas ao exterior em contêineres, via porto de Bangkok.”
A companhia compra seu paddy principalmente das cooperativas camponesas do Norte. Antes de ser encaminhado para as docas, ele transita pela província de Pathum Thani, a 80 quilômetros da capital. No entreposto aberto, redes mantêm os pássaros longe dos volumosos sacos plásticos de até 100 quilos. O cereal há pouco descascado é estocado por alguns dias ou mesmo muitas semanas. Ele sai da usina contígua ao hangar, onde é sucessivamente peneirado, polido, selecionado e ensacado à máquina. Próximo da selecionadora – um aparelho sul-coreano de grande precisão, a joia da empresa –, o retrato do rei Bhumibol Adulyadej, soberano constitucional da Tailândia, domina os trabalhadores que laboram embaixo. Eles evoluem no barulho e na poeira branca dos resíduos, usando permanentemente chapéus flexíveis.
De olho nos concorrentes
A higiene é só uma das medidas que os exportadores adotam com seriedade. “Nós cuidamos escrupulosamente da qualidade do produto”, insiste Somroek Tangpiroonthum, da Associação dos Empacotadores de Arroz da Tailândia, um organismo parceiro do governo. “Certificamos a não-contaminação após a fumigação e os controles sanitários. Garantimos também a ausência de mistura de variedades, uma fraude corrente entre nossos vizinhos.” A espetada pode se dirigir à China2 ou então distinguir os produtos nacionais – e seus reputados aromáticos: jasmim, Hom Mali, Pathum Thani etc. – do pouco selecionado arroz vietnamita.
Principal concorrente, o Vietnã preocupa cada vez mais. Segundo exportador mundial, com 4,5 milhões de toneladas escoadas em 2008, ele pode, graças a seus baixos custos de mão-de-obra, vender 20% mais barato. Mas segundo Cousin, “nem a qualidade nem o acompanhamento das encomendas vão necessariamente ao encontro dos vietnamitas. Já as variedades tailandesas são consideradas padr
ão internacional… Se podem pagar os preços do mercado, os importadores sempre as escolhem”.
Quem diz “mercado” quer dizer “sala dos mercados”. A Bolsa de matérias-primas, o Agricultural Futures Exchange of Thailand (Afet), ocupa o 35º andar de um arranha-céu. Em seus luxuosos escritórios envidraçados com vista para um bairro de negócios ultramoderno de Bangkok, as transações agrícolas são concebidas apenas como um mercado automatizado. As telas de cotações refletem sem parar as flutuações das taxas, para poder comprar, vender… ou especular.
Apoio estatal
No entanto, um operador que prefere permanecer anônimo reconhece ter algumas dúvidas. “Nossa plataforma de transações é operatória para a borracha [da qual a Tailândia também é a primeira exportadora mundial], pois esse mercado é totalmente liberalizado. Com o arroz, infelizmente, os controles do Banco da Tailândia [o banco central] implicam muita papelada, especialmente para os estrangeiros. E, além disso, como os vendedores e compradores poderiam esperar fazer negócios, considerando a política que o governo assume? Não há hoje flexibilidade suficiente porque o Estado sustenta os preços.”
Em 1º de novembro de 2008, o governo se comprometeu a adquirir 8 milhões de toneladas da atual colheita a tarifas superiores àquelas do mercado interno. Não faltaram analistas para julgar “populista” e prejudicial ao comércio tal ingerência nos mecanismos de oferta e demanda. Mas as garantias de compra aos produtores tailandeses têm sua própria história. Para Antoine Sautenet, especializado em direito da Organização Mundial do Comércio (OMC), “o reino beneficiou-se no momento de sua adesão, em 1995, de dispensas à liberalização previstas para os países em desenvolvimento. Ele esforça-se em conservar a possibilidade de oferecer subvenções, a despeito de sua progressão comercial”. De acordo com Frédéric Lançon e Patricio Mendez del Villar, do Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad), “os poderes públicos utilizam a política rizícola como uma alavanca macroeconômica para amenizar as crescentes desigualdades entre campo e cidade e entre os setores de atividades3”.
Mas o que há em comum, além das relações de submissão, entre um grande proprietário que arrenda sua terra a meeiros, um diarista que vende sua força de trabalho nos dias de colheita e um comerciante que propõe a crédito com taxas elevadas os bens ou serviços (produtos fitossanitários, trator…) que acorrentarão o pequeno produtor? Bem, o país conta com muitas cooperativas e poucas grandes monoculturas intensivas: a cada dois trabalhadores ativos, um está na agricultura. Isso significa que simplesmente dois terços da população permanecem em área rural. Além disso, a irrigação sistemática, o abuso dos adubos e a hiperseleção das variedades de sementes – essas três mamatas do produtivismo – têm menos lugar lá que entre os outros grandes produtores mundiais e o arroz transgênico tampouco conseguiu se instalar na região. Todas essas especificidades desembocam em um paradoxo: os rendimentos por hectare do primeiro exportador estão entre os mais baixos do planeta4!
Claude Hammecker, do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento (IRD), enxerga vantagens nessa situação. Ela favoreceria uma ciência que não se acantona no imperativo clássico da produtividade: “O desafio atual para a pesquisa agrícola é triplo: reduzir a utilização de produtos fitossanitários [pesticidas, adubos], diminuir o tempo de trabalho e regularizar a produção. A Tailândia, com seu modelo único, está mais bem-armada que outros para enfrentá-lo. Ela parece bastante comprometida com a via do desenvolvimento durável”.
Para essa evolução suave, Kwanchai Gomez faz o papel de cabeça de proa. Trabalhando desde 1972 com o Instituto Internacional de Pesquisa sobre o Arroz (Irri) – célebre organização baseada em Los Baños (Filipinas) –, ela saiu de lá para criar, há oito anos, sob patrocínio real, a Fundação do Arroz Tailandês. “Nós gostaríamos de aproximar as agências governamentais, os homens de negócios e os pequenos produtores, pois, se não tomarmos cuidado, nosso modelo pode muito bem declinar ao longo de alguns anos. Mas o arroz é o nosso sangue! É necessário encontrar uma síntese entre os excessos do culto devotado ao rendimento e o atraso dos campos. Não há problema fundamental com os adubos – eu não falo de pesticidas, nem da Monsanto! – desde que usados com precisão. Os que querem ignorar isso são sonhadores.”
Sonhadores os tailandeses não são, pois acabam de se equipar com um satélite óptico para coletar dados ambientais e agrícolas, o Thai Earth Observation System (Theos)5. Os verdadeiros senhores da exportação, os dirigentes dos grandes conglomerados, como o Capital Rice ou a Charoen Intertrade, inextricavelmente ligados ao poder político há gerações, iniciam 2009 cheios de incertezas. Eles deverão vender caro a Estados que, para seguir as recomendações da OMC, veem-se obrigados a importar gêneros de primeira necessidade. Em um contexto de insegurança alimentar mundial e de fechamento generalizado das linhas de crédito, essas operações estritamente comerciais poderiam causar mal-estar. “Não é completamente impensável que alguns países africanos em desenvolvimento recorram à OMC contra a prática dos empréstimos bonificados que Bangkok concede a seus rizicultores”, imagina Sautenet.
Preocupado com o risco de não poder escoar os estoques acumulados a um bom preço, o governo deve aproveitar a cúpula anual da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Anase) para propor a constituição de um fundo regional. Isso garantiria a segurança alimentar dos dez países-membros. A Tailândia poderia muito bem, em sua posição de grande exportador, destinar a eles os primeiros milhões de toneladas.
*Xavier Monthéard é jornalista.