Bitcoin: a utopia tecnocrática do dinheiro apolítico
Confira resenha do livro de Edemilson Paraná, Bitcoin: a utopia tecnocrática do dinheiro apolítico (Autonomia Literária, 2020)
O livro busca captar, a partir de uma análise acurada sobre o bitcoin, aspectos fundamentais da dinâmica do capitalismo em sua forma neoliberal, no contexto de sua crise contemporânea. Se em Finança Digitalizada (2016) Edemilson Paraná analisou a relação entre o desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação e a reconfiguração do capitalismo contemporâneo, sobretudo no aspecto referente à intensificação do processo de financeirização da economia mundial, em Bitcoin: a utopia tecnocrática do dinheiro apolítico, a criptomoeda aparece como um sintoma dessa dinâmica, como um produto de sua instabilidade estrutural. Concebida com uma radicalidade utópica das ideias que fundamentam o neoliberalismo, a criptomoeda entra em choque com o neoliberalismo do establishment, aquele “realmente existente”, e, nesse cenário, traz luz às contradições estruturais dessa forma de funcionamento do capitalismo.
Com uma análise marxista do bitcoin, o autor oferece uma definição precisa da criptomoeda, que contém em si a explicação para muitos de seus limites: o bitcoin não representa a superação da política no que diz respeito à administração monetária porque, justamente pelas características que são aventadas como propulsoras dessa superação, ele não cumpre as tarefas às quais se propõe. Em vez de substituir o dinheiro mundial, tem baixo volume e alcance de circulação; em vez de produzir estabilidade monetária, é altamente instável por causa do seu papel como ativo especulativo; e, por fim, em vez de garantir uma tutela descentralizada, a concentração de poder relativa entre seus usuários só cresce.
A crítica aos limites da criptomoeda e à crença em soluções puramente técnico-científicas para os problemas do capitalismo não significa uma perspectiva tecnofóbica ou conservadora. O livro discute e deixa em aberto a possibilidade do uso de algumas das tecnologias presentes no bitcoin – especialmente o blockchain – a serviços de interesses populares e até de perspectivas revolucionárias. Se isso será possível, não sabemos: a única certeza, reforçada pelo livro, é a de que qualquer transformação social relevante passa por novos valores, novos mecanismos de decisão democrática, por outra forma de organização socioeconômica e por outra relação do Estado com a sociedade. Fora dessas perspectivas, qualquer bravata que defenda a ideia de que é possível atingir mudanças relevantes a partir de soluções “apolíticas” ou puramente tecnológicas, como o bitcoin, fracassará.
A leitura de Bitcoin: a utopia tecnocrática do dinheiro apolítico é imprescindível não só para aqueles que querem entender o funcionamento e as perspectivas relacionadas à criptomoeda, mas sobretudo para todo o público que busca compreender melhor – a partir de elementos concretos – a dinâmica do capitalismo contemporâneo.
Rodrigo Santaella Gonçalves é professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará. E-mail: [email protected].