Bolsonarismo em rota de colisão
Bolsonaro foi eleito contra a conjuntura legislativa e constitucional que asseguram o presidencialismo de coalizão, em que ainda insiste chamar de “toma lá, dá cá”
Negacionismo, confronto, populismo, ataque à imprensa, panelaços. O cenário não poderia ser mais propício para uma crise política de governança, mas não só isso. Ao incorporarmos essa situação ao novo status quo produzido pela pandemia da Covid-19 percebemos claramente a instabilidade institucional presente.
Bolsonaro foi eleito contra a conjuntura legislativa e constitucional que asseguram o presidencialismo de coalizão, em que ainda insiste chamar de “toma lá, dá cá”. O efeito disso já foi percebido no primeiro ano de seu governo, que foi marcado por diversas crises políticas devido à falta de diálogo entre os poderes, porém, no fim do ano passado, com a retomada da liberação de emendas, a relação do planalto com o Congresso indicava melhorias.
No entanto, Bolsonaro aposta em uma política de embates e, por mais que isto lhe retire a governabilidade, garante uma base de apoio popular cada vez mais extremista e enraizada – apesar de minoritária –, abrindo espaço para a delegação de responsabilidades na tentativa de sempre apontar um culpado para os fracassos do governo. Esses fatos se materializam em ataques ao Congresso, Supremo Tribunal Federal, governadores, prefeitos e entidades fantasmagóricas que ainda circundam o imaginário bolsonarista.
Governabilidade
Com a receita perfeita para o fracasso político, o presidente buscou alternativas para uma melhor governabilidade no ano de 2020 através de ajustes na máquina do Planalto. Assim, dois nomes entraram em pauta: general Walter Braga Netto e Rogério Marinho.
Devido à incapacidade de Onyx Lorenzoni em garantir estratégias de governança, Walter Braga Netto assumiu a Casa Civil com plenos poderes de deliberações internas no governo, na tentativa de promover uma melhor coordenação interministerial e, principalmente, transmitir uma sensação de convergência no palácio.
Rogério Marinho assumiu o Ministério do Desenvolvimento Regional na tentativa de nutrir a coalizão do governo com os parlamentares e promover uma reaproximação de Bolsonaro com governadores e prefeitos.
Com a instauração de uma crise ainda mais forte devido ao cenário pandêmico, a tendência deveria ser a de harmonia institucional entre os três poderes e um federalismo cooperativo; mas, em vez de se esforçar nessas pautas, o Presidente partiu, novamente, para o estilo autocrático de governar, apostando no confronto direto e abraçando ideologias e achismos insustentáveis. Assim, o reajuste no palácio não se fez suficiente.
O presidencialismo de coalizão brasileiro garante que o Executivo possa ditar o ritmo de interação com o Legislativo, mas, quando isso não acontece, a tendência é de confronto e crise institucional, já que o Congresso não possui a capacidade de formar um governo paralelo para ditar as regras do jogo, pois as prerrogativas para garantir uma articulação não são fatos meramente políticos, mas institucionalizados em nosso ordenamento, o qual coloca o presidente como principal figura da República.
Com a necessidade de se colocar no centro do poder e garantir uma base para as eleições de 2020, Bolsonaro eleva o tom radical e infla a crise da covid-19, demonstrando sua incapacidade de governar. Promove ataques a diversos Governadores, Prefeitos e até mesmo a alguns Ministros que se destacam mais que o próprio chefe do Executivo.
Protagonista
O esforço de se reorganizar como protagonista culmina em seu isolamento político, intensificando ainda mais o temor da população diante das incertezas atuais e, como consequência, está perdendo apoio em seu próprio nicho direitista.
Nesse ambiente instável é comum que o chefe do Executivo intensifique o uso de seus poderes normativos, editando diversas Medidas Provisórias – como se percebe no caso em questão –, porém, uma figura como Bolsonaro deve se atentar aos fatos que legitimam essas prerrogativas de dominância, pois, caso ele se ausente deste processo de articulação, nem mesmo a centralização do poder de decisão em suas mãos poderá tirá-lo de conflitos com o Parlamento, o que é notório desde o início do governo.
O final dessa história já é conhecido por todos: paralisação institucional e Impeachment, ou, no pior dos cenários – desejado e pedido por seguidores radicais do clã bolsonarista –, a ruptura democrática. A paralisação já está presente e, se a incapacidade de articulação permanecer, principalmente diante do novo status quo produzido pela pandemia, logo estaremos diante de mais uma ruptura de poder.
Leonardo Parizotto Gomes é graduando em direito pela UFRJ. Membro do Instituto de Direito Administrativo do Rio de Janeiro (IDAERJ). Membro do grupo de pesquisa em temas de Direito Administrativo. Estagiário pesquisador do Laboratório de Regulação Econômica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.