Brasil já tem 707,4 mil imigrantes
Coordenador científico do Observatório das Migrações Internacionais, professor Leonardo Cavalcanti, analisa em entrevista dados inéditos revelados por pesquisa da instituição sobre imigração no Brasil e a inserção do migrante no mercado de trabalho formal
O número dos imigrantes no Brasil atingiu 707.438 registros em 2017. Do total, destacam-se 449.174 imigrantes de longo termo e 245.110 imigrantes temporários. Se considerados apenas fluxos recentes, a partir de 2010, os haitianos (101,9 mil) aparecem como primeira nacionalidade em termos de regularização no período. Os venezuelanos, a partir de 2017, ganham destaque nos registros de movimentação no mercado de trabalho formal, tornando-se no primeiro semestre de 2018 a segunda nacionalidade com maior movimentação.
No mercado de trabalho formal brasileiro, o comportamento dos imigrantes sinaliza para uma recuperação econômica. O ano de 2017 registrou aumento da força de trabalho imigrante de 8,33%, totalizando estoque de 122.069 imigrantes empregados no mercado de trabalho formal. São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul são os estados com maior presença dessa mão de obra. As principais atividades econômicas de inserção dos migrantes foram no setor de produção de bens e serviços industriais (33%), no setor de serviços, vendedores do comércio em lojas e mercados (21%) e no setor das ciências e das artes (16%).
O Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) divulgou, no final de novembro, em Brasília, dados inéditos sobre imigração no Brasil e a inserção do migrante no mercado de trabalho formal. Os pesquisadores analisaram a série histórica de 2010 a 2017 a partir de cinco bases de dados e registros administrativos do governo federal: Sistema de Trafego Internacional (STI) e Sistema Nacional de Cadastro e Registro de Estrangeiros (Sincre), da Polícia Federal; e Relação Anual de Informações Sociais (Rais), Coordenação Geral de Imigração (CGIg)/Conselho Nacional de Imigração (CNIg) e Cadastro Geral de Empregados e Desempregados/Carteira de Trabalho e Previdência Social (Caged/CTPS), do Ministério do Trabalho.
O coordenador científico do OBMigra, professor Leonardo Cavalcanti, analisa, nesta entrevista, alguns dados revelados pelo estudo. Cavalcanti é professor adjunto na Universidade de Brasília (UnB).
Diplomatique – Como analisar a inversão da lógica secular de migração do hemisfério Norte para o Brasil, já que agora a predominância dos fluxos migratórios que aportam ao país têm origem no Sul global?
Leonardo Cavalcanti – A crise econômica iniciada em 2007 nos Estados Unidos, que também afetou de forma substancial a Europa e o Japão, introduziu uma maior complexidade nos eixos de deslocamentos das migrações sul-americanas, especialmente no Brasil. Diferentemente dos fluxos imigratórios do século XIX e a princípios do XX, em que os imigrantes originários do Norte global eram desejados porque tinham a função de “ocupar” territórios e de “branquear” o país, na atualidade, o incremento e a chegada de imigrantes ficam por conta das pessoas provenientes do Sul global (haitianos, bolivianos, senegaleses, bengalis, entre outros).
De fato, como já mostrado no relatório do OBMigra de 2014, os imigrantes haitianos passaram a ser a principal nacionalidade no mercado de trabalho formal em 2013, superando os portugueses
Os haitianos ocupam a primeira posição no mercado de trabalho formal e constituem a primeira nacionalidade de imigrantes registrados no Brasil, seguido pelos venezuelanos. Quais são os principais trabalhos/empregos ocupados por esses migrantes?
O final da cadeia produtiva do agronegócio, como os frigoríficos e os abatedouros, por exemplo, foram os principais responsáveis pela contratação dos imigrantes no mercado formal de trabalho. De fato, as ocupações de alimentador de linha de produção, magarefe e abatedor continuam entre as cinco primeiras ocupações que mais contrataram imigrantes. As ocupações relacionadas às atividades econômicas de construção de edifícios, restaurantes e serviços de limpeza completam a lista das principais ocupações que mais contrataram imigrantes.
Os novos fluxos migratórios para o Brasil foram, na sua maioria, formados por homens. Qual é a relação desses homens com suas famílias, que ficam nos países de origem?
Essa questão somente pode ser respondida com estudos qualitativos. Não temos como avaliar com rigor esse tema, pois trabalhamos com dados obtidos a partir de fontes oficiais do governo federal.
Entre os imigrantes de longo termo foram registrados 449.174 para a série histórica de 2010 a 2017; desse total, 37,02% são mulheres. E as principais nacionalidades são Haiti, Bolívia, Colômbia, Argentina, Cuba e China. Os imigrantes considerados temporários foram 245.110, dos quais 25,27% são mulheres. E as principais nacionalidades são Estados Unidos, Filipinas, França, Alemanha, Índia e Espanha. Como analisar esses números?
Podemos auferir que, na atualidade, os imigrantes estão nos extremos do mercado de trabalho: tanto na base, quanto no topo. Houve um aumento significativo dos imigrantes no Sul do país em trabalhos pesados, como, por exemplo, os trabalhos nas fábricas de conservas, nos abatedores de carne e de frango, na construção civil, entre outros. Atividades que são exercidas em condições duras e difíceis e que os trabalhadores locais evitam realizar. Por outro lado, há uma carência e uma necessidade de profissionais altamente qualificados, especialmente nas áreas de biotecnologia, infraestrutura e saúde.
Entre os trabalhadores altamente qualificados há maior participação de homens, brancos, com idade mais elevada e com maior tempo de chegada. Já entre os demais trabalhadores qualificados aumenta a participação das mulheres, negros, jovens e com menor tempo de chegada, aproximando esse perfil do observado para a imigração total de trabalhadores. Quais são esses perfis? Há uma tendência de homogeneização deles?
Os imigrantes no Brasil seguem a tônica da incorporação laboral dos imigrantes nos países com tradição de recepção de fluxos migratórios. Na sua maioria, os imigrantes contam com uma formação profissional superior, mas, no momento de incorporação no mercado de trabalho, muitos imigrantes descendem na escala laboral e, portanto, social. Assim, os imigrantes se inserem no mercado de trabalho em uma posição inferior em relação ao seu grau de especialização, sua formação acadêmica e sua experiência laboral prévia, sofrendo assim inconsistência de status.
De modo geral, os imigrantes têm uma formação técnica e profissional superior às exigidas pelo exercício da profissão atual e, portanto, há uma inconsistência de status na medida em que exercem atividades aquém das suas formações e experiências nos países de origem. Esse é o caso de dentistas, médicos, jornalistas e engenheiros, que estão trabalhando na construção, na indústria pesada, nos abatedouros de frangos e carnes. Por outro lado, tem aqueles imigrantes que já vêm para assumir postos de gerência em empresas brasileiras ou multinacionais.
*Rodrigo Farhat é jornalista.