Brasil na balança da União Europeia
Grupo de eurodeputados pediu a suspensão das negociações da UE com o Mercosul devido à instabilidade política no Brasil. Em entrevista, o parlamentar Xabier Benito defende queViviane Vaz
O governo do presidente interino, Michel Temer, ainda não alcançou unanimidade nem no Brasil nem na Europa. Poucos dias antes da visita do chanceler José Serra à Paris, um grupo de 34 eurodeputados manifestaram por carta dúvidas quanto à legitimidade do governo interino como interlocutor para representar o Brasil nas negociações entre o Mercosul e a UE.
Serra está em Paris representando o Brasil como observador da reunião da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e minimizou ontem a iniciativa dos parlamentares europeus, afirmando que “não tem grande significado e não terá repercussão”. “Essa carta dos deputados nem sequer foi entregue às autoridades europeias”, disse Serra.
(Começo da carta)
A carta foi enviada no dia 27 de maio para a vice-presidente da Comissão Europeia, que é também a Alta Representante da UE para Política Externa e Segurança, Federica Mogherini. Nela, os eurodeputados pedem a suspensão das negociações com o governo Temer enquanto houver incertezas quanto à “legitimidade democrática”. “Tendo em vista a situação política no Brasil, duvidamos que este processo tenha a legitimidade democrática necessária para uma questão desta magnitude,” declaram os deputados europeus, afirmando que o acordo de comércio entre UE-Mercosul terá consequências importantes tanto na Europa quanto no bloco sul-americano.
O novo ministro de Relações Exteriores brasileiro colocou panos quentes no assunto na capital francesa, afirmando que “esses deputados representam apenas 4% do Parlamento Europeu”, do total de 751 membros. A iniciativa partiu do eurodeputado do partido de esquerda espanhol “Podemos”, Xabier Benito, que é também vice-presidente da Delegação para Relações com o Mercosul, e obteve apoio de diferentes grupos políticos e nacionalidades –a maioria de partidos de esquerda e ecologistas.
Mas a situação política no Brasil andava preocupando o Parlamento Europeu antes mesmo da carta enviada à Mogherini. No dia 10 de maio, em uma reunião realizada no edifício do Parlamento Europeu em Estrasburgo para discutir o andamento do acordo entre UE e Mercosul com a comissária europeia de Comércio Cecilia Malsmström, vários eurodeputados chamaram atenção ao momento politico brasileiro.
O social-democrata alemão Bernd Lange reconheceu que os europeus falam muito das negociações do acordo de livre comércio da UE com os Estados Unidos (TTIP) e se esquecem da importância do Mercosul, mas pediu a opinião de Malmström sobre as mudanças políticas no Brasil. “Não tenho certeza de que eu possa resolver a crise política no Brasil durante este curto espaço de tempo, mas quero agradecer ao senhor deputado Lange e ao plenário por colocar esta questão, porque é de fato uma questão de grande atualidade e estamos, obviamente, ciente da enorme importância política de reconectar com o Mercosul”, declarou diplomaticamente a comissária de Comércio, que concordou se encontrar com Serra em Paris.
Por sua vez, o vice-presidente do Parlamento Europeu Antonio Tajani, durante a Assembleia Parlamentar Euro-Latino-americana em Lisboa, em 17 de maio, expressou que “o que está acontecendo no Brasil cabe aos brasileiros resolver”. Já em relação à instabilidade na Venezuela, afirmou que a UE deve intervir porque é matéria de violação de Direitos Humanos.
(Fim da carta)
ENTREVISTA: XABIER BENITO
Em Bruxelas, a reportagem falou com o eurodeputado Xabier Benito sobre a iniciativa de pedir uma suspensão nas negociações do acordo entre UE e Mercosul devido à instabilidade política no Brasil.
Em que consiste a carta enviada pelo grupo de eurodeputados à vice-presidente da Comissão Europeia?
Nossa carta para a Comissária Federica Mogherini foi uma iniciativa de 34 países e grupos diferentes. O texto que lhe enviamos é para mostrar nossa preocupação, porque estamos negociando um acordo de livre comércio com representantes ou atores que não tem a legitimidade necessária para negociar um tratado com essas características. No caso do governo do Brasil, é um governo interino, e portanto não tem a legitimidade democrática que a cidadania lhe dá através das urnas.
O que os senhores esperam conseguir com esta iniciativa?
Esperamos que a Comissária leve em conta nossa postura e nossas preocupações. Lamentavelmente a UE leva uma década de negociação (com o Mercosul), apoiados muitas vezes nos partidos de Direita, com tratados comerciais diretamente desenhados para beneficiar multinacionais em detrimento tanto de outros países, quanto da própria União Europeia. Não somos contra ao comércio, mas sempre defendemos o comércio baseado nos Direitos Humanos, negociados com transparência e com o apoio da sociedade.
O senhor considera que seria hora de deixar os protecionismos de lado, tanto por parte do Mercosul, quanto da União Europeia?
Não é uma questão de deixar protecionismos, mas apresentar normas comerciais que protejam o direito das pessoas e não pense apenas em uma minoria.
Qual será o próximo passo, uma vez que a carta foi enviada?
Agora ficaremos esperando a resposta da Comissária o mais rápido possível, devido à importância dos assuntos que precisamos esclarecer. Também pensamos convidar a embaixadora do Brasil junto à UE (Vera Machado) para explicar a situação atual no Brasil. Tudo o que está acontecendo nos causa dúvidas sobre a legitimidade democrática. Em linha com o que já foi expressado pela Organização de Estados Americanos (OEA) e pela União de Nações Sul-Americanas (Unasul) sobre a quebra da estabilidade democrática e entrada de um governo interino que não consideramos um intermediário válido, com pessoas desse governo imputadas por corrupção.
O que seria de esperar do Brasil para dar continuidade às negociações com a UE?
Esperar que os lamentáveis casos de corrupção não manchem a política e a governança para as pessoas. Pensamos que a única via democrática é que a cidadania tenha legitimidade através das urnas.
Viviane Vaz é jornalista e escreve de Bruxelas, Bélgica.