Camarões ameaçado pelo Boko Haram
Roger Bourdeau
Os ataques do Boko Haram são com frequência acompanhados de sequestros seguidos de exigências de resgate. A libertação dos primeiros reféns, como a família Moulin-Fournier, sequestrada em 19 de fevereiro de 2013, na localidade de Dabanga, a 80 quilômetros de Kusseri, e do padre francês Georges Vandenbeusch, sequestrado em Nguetchewe em 14 de novembro de 2013, não colocou fim à série. No início de abril, os padres Antonio Giovani Alligri e Paolo Giovani Marta, assim como a freira Gilberte Bissiére foram capturados, com o chefe tradicional do vilarejo de Goumouldi, que seria encontrado degolado na Nigéria; em 16 e 17 de maio, dez cidadãos chineses desapareceram de noite em Waza; no domingo, 27 de julho, a cidade de Kolofata foi alvo de um assalto espetacular durante o qual foram sequestrados a esposa do vice-primeiro-ministro Amadou Ali, sua cunhada com o prefeito de Kolofata, o lamido1 Seini Boukar Lamine, sua esposa, seis de seus filhos e vários membros da família real.
Em 25 de setembro de 2014, as forças de segurança se apoderaram de centenas de armas de guerra e milhares de munições em Kusseri. Essa descoberta parece confirmar o caráter estratégico do norte de Camarões para o Boko Haram.2 Hoje em dia, a possibilidade de que a organização ataque mais ao sul, nas grandes cidades, é levada a sério. Isso porque o país se tornou um polo de criminalidade atingido pela insegurança que assola a República Centro-Africana e a Nigéria. Tanto nessa região como no Sahel, a circulação das armas provenientes dos arsenais líbios facilita a renovação dos modos de operação adotados pelas organizações armadas. Estas procuram constituir santuários para elas, de preferência nas “zonas moles”, onde os Estados não estão em condição de assegurar sua autoridade. O dispositivo de segurança camaronês concentrou-se assim nas duas principais cidades do país (Duala e Iaundé), enquanto as regiões periféricas enfrentam dificuldades diante dos atores criminosos equipados com tecnologias modernas, como GPS e telefones por satélite.
Além de um equipamento quase sempre ultrapassado, os atos de indisciplina, a falta de coordenação, o enfraquecimento do sistema de informação e a corrupção sabotam o trabalho de um Exército camaronês já dividido: de um lado, as unidades regulares, que se consideram mal abastecidas; de outro, as unidades de elite (guarda presidencial, batalhão de intervenção rápida), mais bem equipadas e treinadas. Um mal-estar crescente tende a criar uma rivalidade de corporações. O Boko Haram, pelo jeito, tenta causar a erosão da autoridade do Estado atacando diretamente os quartéis do Exército e da polícia ou as autoridades locais.
Muito porosas, as fronteiras que se estendem até o Lago Chade favorecem a instalação e os deslocamentos dos grupos de comandos. Na maior parte dos casos, as divisões entre os países não estão nem mesmo sinalizadas. Fica fácil transportar armas e material ou dissimular reféns e despojos de guerra. Além disso, a demarcação com a Nigéria atravessa uma antiga zona sociocultural que remonta ao grande império de Kanem Bornu no século XVI. A região norte de Camarões era uma zona periférica do califado fula de Sokoto no início do século XIX, no momento da constituição dos microestados islâmicos chamados lamidados. Os deslocamentos e as trocas comerciais são seculares. Várias etnias (fulas, árabes, kotokos, kanuris, hussas) se acotovelam de um lado e de outro da fronteira e partilham os mesmos dialetos. Essa situação permite ao Boko Haram se confundir com a população.
“O Boko Haram deseja sobretudo dispersar vilarejos na fronteira para subjugar os moradores aterrorizados e criar novos campos em Camarões. Esse grupo terrorista também quer intimidar as pessoas a fim de que elas não colaborem com as autoridades”, nos confia, sob o manto do anonimato, um oficial camaronês. Essas medidas parecem eficazes; a lei do silêncio se impõe. “É perigoso ser visto na companhia das forças da ordem. A nós é dito sempre que elas não vão permanecer por muito tempo; vários de nós são sequestrados de noite e depois molestados ou mortos”, afirma um morador de Kolofata.
Cumplicidades locais
O número de refugiados no Extremo Norte cresce a olhos vistos sem que estatísticas precisas possam ser estabelecidas. Eles são sem dúvida milhares, vindos do leste, onde grassa a crise da República Centro-Africana, e do nordeste da Nigéria.3 O afluxo ultrapassa as capacidades de acolhida dos campos instalados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Se por um lado essas populações permitem às autoridades camaronesas granjear retomadas simbólicas do status de Estado “protetor”, por outro elas participam igualmente da instabilidade e da insegurança. Segundo uma pesquisa do International Crisis Group, os combatentes do Boko Haram aproveitariam os fluxos de refugiados para penetrar na região.4
Os audaciosos ataques do domingo, dia 27 de julho de 2014, que visaram personalidades dão a entender que o Boko Haram dispõe de cumplicidades locais, até mesmo nas altas esferas do poder. Tais ações são inimagináveis sem a coleta de informações precisas e confiáveis. Alguns suspeitam que os agentes de informação camaroneses, instalados nos vilarejos e participantes do difícil cotidiano das populações, sirvam de batedores e informantes para a organização terrorista.5
Os resgates alimentam o caixa de uma organização que se dedica a todo tipo de tráfico criminoso. Cada vez menos levado a sério, o governo camaronês nega qualquer pagamento em dinheiro, contentando-se em evocar a conclusão de negociações realizadas com êxito com os sequestradores, como foi o caso da família Moulin-Fournier. O sequestro pode se mostrar simplesmente sem justificativa moral, longe de quaisquer considerações políticas. “Os dois tipos de sequestro, criminoso e político-criminoso, têm a partir de agora relações sólidas”, analisa Pierre Conesa, ex-assistente do diretor da Delegação de Relações Exteriores (DAS).
A campanha de terror levada a efeito pelo Boko Haram provocou uma parada no comércio e nas trocas transfronteiriças. Há bem pouco tempo, muitos camaroneses atravessavam todos os dias as fronteiras rumo aos mercados florescentes do estado de Borno, na Nigéria (Banki, Kerawa etc.) a fim de ali escoar seus produtos. Hoje, esses pontos de acesso estão desertos. O turismo nas regiões do Norte e do Extremo Norte regride de maneira igualmente intensa. Os hotéis e os locais turísticos, sobretudo o Parque Nacional de Waza, estão abandonados.
O presidente Paul Biya, de 81 anos de idade e no poder há 32, lançou em julho de 2014 um plano de emergência para impedir o Boko Haram de se aproveitar do descontentamento popular alimentado pelo bloqueio do jogo eleitoral. Ele trata do acesso à água por meio da perfuração de poços, da educação pela multiplicação das escolas, das estradas, dos postos de saúde, da criação de empregos e de centros de formação profissionais para os jovens. No entanto, a pobreza e o desemprego em massa, sobretudo o dos jovens, favorecem o recrutamento para as milícias, os grupos armados e as redes criminosas. O norte de Camarões, que abrange três regiões (Adamaua, que tem Ngaunderê como capital; o Extremo Norte, com Marua; e o Norte, com Garua), permanece sendo a parte menos desenvolvida do país. Entre 2001 e 2007, a proporção de habitantes que vivem abaixo do limite de pobreza passou de 18,8% para 24,6%, ao mesmo tempo que diminuía em 0,3% no resto do país.6 Para combater ali a subescolarização,7 o governo optou em 2011 pelo recrutamento especial de 25 mil jovens na função pública, assim como pela abertura de uma universidade em Marua.
A essas dificuldades se juntam catástrofes naturais (inundações, epidemias de cólera) e tensões políticas. Os fulas do norte de Camarões nunca engoliram a caça às bruxas que sofreram após a tentativa de golpe de Estado de 1984, a qual lhes foi imputada. As prisões de Iya Mohamed, presidente da extremamente popular Federação Camaronesa de Futebol (Fecafoot), e de Marafa Hamidou Yaya, ex-ministro da Administração Territorial e da Descentralização, acusados de desvios de recursos públicos, fizeram pesar ainda mais um clima por si já tenso.
Os limites da luta contra o Boko Haram sublinham a necessidade de uma coordenação dos Estados envolvidos. Camarões, porém, muito ciumento de sua soberania, permanece reticente quanto ao direito de perseguição que a Nigéria requisita para rastrear em seu solo os grupos de comandos. Essa é uma das razões pelas quais o presidente François Hollande organizou em Paris uma cúpula especial em 17 de maio de 2014, reunindo o presidente nigeriano Goodluck Jonathan e Biya em torno de seus iguais do Chade, Níger e Benim. Ali emergiu a necessidade de coordenar informação e patrulhas, destinadas à resposta militar, mas também à busca pelos desaparecidos, sobretudo as estudantes sequestradas em Chibok em 14 de abril de 2014. Os países-membros da Comissão da Bacia do Lago Chade (CBLT) e o Benim também aceitaram o princípio de uma força regional para lutar contra o terrorismo, para a qual eles vão contribuir com setecentos homens cada um.8
A longo prazo, a resposta não pode ser militar. A visão tradicional do Boko Haram como movimento fanático deve ser ultrapassada para analisar os fatores políticos, socioeconômicos e religiosos que estão na origem de seu impulso. A União Europeia e os Estados Unidos se comprometeram a apoiar os governos africanos. Bruxelas prometeu mobilizar os doadores em favor de programas que possam estimular o desenvolvimento das regiões em questão. Uma ênfase particular é colocada sobre os direitos das mulheres e das jovens, e sobretudo em seu direito à educação, no reforço da participação das mulheres em todos os processos de decisão, no apoio às vítimas de violências sexuais, assim como na luta contra a radicalização.9
Paradoxalmente, o superinvestimento dos meios de comunicação internacionais permitiu ao Boko Haram se metamorfosear em polo de reunião para populações deixadas no esquecimento.