Carro elétrico, uma miragem ecológica
Acabar com o petróleo, os gases de efeito estufa e a poluição atmosférica: essas são as promessas do carro elétrico. Mas o entusiasmo atual oculta as novas poluições e dependências geopolíticas que essa revolução implica. Isso porque, graças a seu monopólio de certas matérias-primas, a China poderá se tornar a capital mundial do automóvel
“Viva o carro elétrico!”, proclamou Carlos Ghosn, presidente do Grupo Renault, em 2009.1 “Rodar de graça, para sempre, utilizando raios de sol”, completou Elon Musk, presidente do grupo norte-americano Tesla, em 2013.2 Na China, o primeiro-ministro Li Keqiang elogia a chegada de novos veículos como forma de “fortalecer o crescimento econômico e proteger o meio ambiente”.3 Renasce assim o interesse pela eletromobilidade, mais de um século após o recorde do La Jamais Contente, o carro elétrico que ficou na história como o primeiro automóvel a ultrapassar a velocidade de 100 km/h, em Achères, Île-de-France, em 1899.
O planeta tem hoje 47 cidades com mais de 10 milhões de habitantes, e essa urbanização galopante coloca a poluição do ar – que causa milhões de mortes prematuras – entre as principais preocupações de 4 bilhões de cidadãos. A fraude dos fabricantes para mascarar a periculosidade dos motores a diesel aumentou ainda mais a desconfiança em relação aos carros a combustão. E a assinatura do Acordo de Paris sobre o clima estabeleceu um quadro de ação global para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, com as quais o setor de transporte contribui em 14%.
Se os modelos a combustão que fariam 100 quilômetros a cada 3 litros não funcionaram como esperado, a que energia recorrer? Durante meio século, a busca por novas motorizações (ver glossário) produziu entusiasmos tão febris quanto efêmeros: kits de injeção Vix baseados no uso de água (anos 1970), motores a diesel (anos 1980), filtros de partículas (anos 1990), biocombustíveis (anos 2000)… Antes que a célula de combustível trouxesse uma nova empolgação, a tração elétrica foi apresentada como a tecnologia substituta por excelência.
“A eletricidade é uma energia que dominamos bem, e a infraestrutura de produção já está disponível”, explica Jean-François Belorgey, responsável pelo setor automotivo da EY, uma consultoria especializada. “Por fim, esses veículos são percebidos como não emissores de carbono.” Segundo uma pesquisa recente, mais de oito em cada dez franceses acreditam que os carros 100% elétricos permitem reduzir o impacto ambiental da mobilidade,4 o que é confirmado pela Fundação para a Natureza e o Homem (FNH), criada pelo atual ministro da Transição Ecológica e Solidária, Nicolas Hulot, a qual afirma que “os trunfos ambientais do veículo elétrico estão intrinsecamente ligados à colocação em prática da transição energética” – a despeito da existência de análises muito mais sombrias (ver boxe).
Incentivos fiscais e apoios à inovação
O anúncio da China, em setembro de 2017, sobre a elaboração de um cronograma para proibir a comercialização de veículos movidos a gasolina, entre 2030 e 2040, mandou um sinal decisivo, que ecoou na maioria dos países ocidentais. A Alemanha e a Holanda previram o banimento da venda de carros a combustão a partir de 2025. Na França, Nicolas Hulot, ao assumir o cargo, em julho de 2017, estabeleceu o mesmo objetivo para 2040. Na Índia, o governo não quer que “um único carro a gasolina ou diesel” seja comercializado a partir de 2030. As grandes cidades costumam ter o papel de puxar a fila: em 2017, os prefeitos de uma dúzia de metrópoles, como Paris, Los Angeles, Auckland e Cidade do Cabo, comprometeram-se a adquirir apenas ônibus com “emissão zero” até 2025 e a proibir emissões de carbono em grandes áreas de suas cidades até 2030.5
Alguns países colocam seu peso na batalha, usando a taxação como instrumento: nos Estados Unidos, o comprador de um carro elétrico pode obter até US$ 7.500 de redução de impostos, enquanto na Alemanha seu veículo estará isento do selo indicador do nível de poluição por dez anos. Outras regulações também servem como incentivo: na Califórnia e em algumas cidades chinesas, os carros elétricos podem trafegar em pistas reservadas para o transporte coletivo. Também é necessário equipar o território com estações de carregamento: mais de 47 mil unidades nos Estados Unidos em 2017; quase 214 mil na China. Os apoios à inovação não são negligenciados: em 2017, o Reino Unido anunciou um investimento de 217 milhões de euros em um programa para tornar o país uma referência no campo de baterias elétricas.
Essa conversão paramentada de virtudes ecológicas garante novos períodos de crescimento. Embora os carros elétricos tenham representado apenas 1% do mercado global de automóveis em 2017 (e os híbridos 1% também), suas vendas na França cresceram 17% no mesmo ano, enquanto o comércio total de automóveis teve aumento de menos de 5%.6 O incremento da capacidade de armazenamento das baterias, a queda de seus custos de produção e a diversificação dos modelos oferecidos convergem para que os veículos parcial ou totalmente elétricos venham até 2025 a representar, segundo os mais otimistas, 43% das vendas na Europa e 36% na China,7 para um mercado global estimado em 82 bilhões de euros.
Panaceia ecológica, fonte de riqueza e de empregos: à primeira vista, a conversão para a eletricidade total é óbvia. “Frenesi”, “falta de perspectiva”, “empolgação”: é o que responde, contra todas as expectativas, Carlos Tavares, no Salão do Automóvel de Frankfurt, em setembro de 2017. “Toda essa agitação, esse caos, pode acabar se voltando contra nós, pois tomaremos decisões erradas”, diz. O presidente do Conselho do grupo PSA-Peugeot não quer que “em trinta anos todos descubram que isso não era tão bom como parecia”. Ele cita os problemas relacionados à reciclagem de baterias ou à “gestão das matérias-primas raras”.8
A mudança para a eletromobilidade de fato promove uma alteração no consumo de recursos naturais. Hoje amplamente dependentes do petróleo, nossos modais de transporte poderiam se tornar cada vez mais dependentes de trinta metais raros. Gálio, tântalo, cobalto, platinoides, tungstênio, metais de terras-raras: uma mina contém apenas ínfimas quantidades desses metais dotados de fabulosas propriedades eletrônicas, ópticas e magnéticas. Sem eles, quase todos os veículos elétricos comercializados ficariam parados. Há até 3,5 quilos de metais de terras-raras – um grupo de quinze minerais variados – nos eletroímãs; de 10 a 20 quilos de cobalto e até 60 quilos de um mineral menos raro, o lítio, na bateria de um único carro. Outro, o cério, é colocado nos para-brisas para evitar arranhões. Na cabine, as telas de cristal líquido contêm európio e cério…
A extração e o refino desses materiais são processos altamente poluentes. Essa realidade salta aos olhos na China, país produtor da grande maioria desses recursos. Maior área do mundo de extração e refino de metais de terras-raras, a Região Autônoma da Mongólia Interior, a noroeste de Pequim, está devastada por minas a céu aberto. Nos arredores das usinas da gigante da mineração Baogang, no oeste da região, um enorme reservatório artificial, o Weikuang Dam, transborda de maneira intermitente no Rio Amarelo (Huang He), após receber os efluentes tóxicos das fábricas de processamento de minério.
Em Dalahai, uma aglomeração de tijolos e telhas adjacentes ao reservatório, os mil habitantes que ainda não foram embora respiram, bebem e comem rejeitos tóxicos das usinas de refino ao redor. Li Xinxia, de 54 anos, conta que, após exames médicos, o local foi apelidado de “aldeia do câncer”: “Sabemos que respiramos ar tóxico e que não temos muito tempo de vida”. A purificação de 1 tonelada de metais de terras-raras também requer o uso de pelo menos 200 metros cúbicos de água.9 Os agricultores e moradores das áreas de mineração estão, portanto, sujeitos a um alto nível de estresse hídrico. No Chile, maior produtor de cobre do mundo, o déficit hídrico é tal que, até 2026, deve forçar os grupos de mineração a utilizar 50% de água do mar dessalinizada10 – processo extremamente intensivo em energia. Os casos de poluição gerados pela extração e o refino de metais raros podem ser observados no Chile, na República Democrática do Congo, nos Estados Unidos e no Cazaquistão, e revelam um surpreendente paradoxo: o uso de veículos defendidos por sua limpeza requer a extração de metais sujos – porém longe dos olhos e das câmeras.
Sem ser informada sobre a origem desses recursos, que as indústrias penam para reciclar e substituir, a maioria dos cidadãos ocidentais simplesmente não sabe nada sobre isso. A distância das minas é o principal motivo. Na década de 1990, regulamentações ambientais rigorosas forçaram empresas de mineração e refinarias ocidentais a encerrar ou transferir suas atividades de produção de metais de terras-raras. Candidata de sempre a esses trabalhos sujos, a China então embarcou em uma estratégia ambiciosa de desenvolvimento industrial, ao custo da devastação de seus ecossistemas. “O povo chinês sacrificou seu ambiente para abastecer o planeta com metais de terras-raras”, admite Vivian Wu, especialista nesse tipo de mineral que trabalha em uma filial chinesa da química Solvay. Assim, é necessário desde já observar com muita parcimônia os “carros limpos” e os “veículos zero emissão” tão louvados pelas montadoras. Embora um carro elétrico não emita carbono quando está andando, seu impacto ambiental foi deslocado a montante de sua entrada em funcionamento para as regiões onde os materiais que o compõem são extraídos, refinados e incorporados. O cenário lembra Metrópolis, a cidade imaginada pelo cineasta Fritz Lang no filme de mesmo nome (1927), onde as classes trabalhadoras respiram fumaça tóxica para produzir a riqueza de classes burguesas mimadas e indolentes.
EUA apresentam queixas na OMC
A mudança para a eletromobilidade também poderia ter péssimas consequências industriais. “Por um século, os chineses correram atrás do motor de combustão interna, [nos] pagando royalties”, lembrou Tavares em Frankfurt. Mas nosso entusiasmo pelo carro elétrico e o surgimento dessa tecnologia poderiam aniquilar essa liderança ocidental e dar a Pequim a oportunidade de “ter um papel inesperado no setor automotivo”, explica Laurent Horvath, geoeconomista da energia.
Nenhum outro país armou uma estratégia tão ambiciosa em eletromobilidade quanto a China. Em 2015, o plano “Made in China 2025” designou as baterias de carros elétricos como prioridade industrial. Da mesma forma, o país tira vantagem de seu gigantesco mercado interno, que favorece as economias de escala e permite que suas montadoras ganhem em competitividade. E, para acelerar esse novo começo, Pequim pode contar com a produção dos metais raros de que precisa. Isso porque, ao deslocalizar a poluição da mineração, o Ocidente também cedeu a um rival o monopólio sobre os materiais estratégicos para a mobilidade elétrica: a China produz 94% do magnésio, 69% do grafite natural e 84% do tungstênio consumidos no mundo. As proporções chegam a 95% para alguns metais de terras-raras.
A China usa essa posição vendendo alguns recursos até 20% mais caros para seus clientes estrangeiros. Acusando-a de “prejudicar os produtores norte-americanos”, em 2016 os Estados Unidos apresentaram uma queixa à Organização Mundial do Comércio (OMC). Além disso, desde o início dos anos 2000 Pequim tem reduzido as exportações de diversos materiais, como molibdênio, fluorita, magnésio e fósforo amarelo. Segundo a Comissão Europeia, uma miríade de metais contidos nos veículos elétricos já se tornou “crítica”, ou seja, há risco de ruptura do fornecimento.11
Essas manobras colocam as montadoras ocidentais em um dilema: devem manter suas máquinas em casa, correndo o risco de trabalhar abaixo da capacidade por falta de fornecimento de suprimentos? Ou devem deslocalizar a produção para a China, onde podem contar com acesso ilimitado às matérias-primas? A mão de obra barata vinda do interior, o baixo custo do capital – proporcionado sobretudo por uma política de desvalorização do yuan – e o forte potencial do mercado chinês já haviam convencido muitas a dar esse passo. Segundo Dudley Kingsnorth, professor da Universidade Curtin, na Austrália, “o acesso aos metais de terras-raras foi um motivo a mais para deslocalizar as fábricas”.
Desde 1994, os grupos estrangeiros que foram para a China foram obrigados a formar joint ventures de cujas ações não podem deter mais que 50%. Essa estrutura jurídica permitiu que suas concorrentes chinesas acelerassem as transferências de tecnologias ocidentais e recuperassem o atraso. O país obteve, em três décadas, a industrialização e as patentes dos eletroímãs, produzidos graças ao neodímio (um metal de terra-rara) e indispensáveis para a fabricação da maioria dos motores elétricos.
Resultado: enquanto no final da década de 1990 o Japão, os Estados Unidos e a Europa detinham 90% do mercado, a China agora controla três quartos da produção. Os ímãs são feitos em Baotou, uma aglomeração da Mongólia Interior apelidada por seus habitantes de “Vale do Silício dos metais de terras-raras”. A expressão não é insignificante, já que, na lógica chinesa, quem detém o mineral também controla o know-how industrial.
O país reproduziu esse cenário com as baterias. A China fornece apenas 5% da produção mundial de cobalto, um mineral indispensável para a fabricação das baterias de íons de lítio, cuja demanda é respondida em 64% pela República Democrática do Congo. Seu preço mais que triplicou desde 2016, forçando nos últimos meses os grupos BMW e Volkswagen a realizar negociações diretas com companhias de mineração para garantir seu abastecimento. No entanto, a especialista chinesa em industrialização de materiais para baterias, a Jingmen Gem Co., oficializou, no dia 15 de março de 2018, um contrato trienal de compra de um terço do cobalto da República Democrática do Congo, produzido pelo conglomerado anglo-suíço Glencore. Os fabricantes chineses de baterias, como a Wanxiang, a BYD Auto e a Contemporary Amperex Technology Co. Limited (CATL), podem contar com 80% do cobalto congolês.
Nesse ritmo, em 2020 a China deverá produzir quatro de cada cinco carros elétricos vendidos no mundo. É provável que, fiel à sua lógica de seguir a montante pela cadeia de valor, ela “não apenas venda baterias ao mundo todo”, mas “produza baterias na China e venda carros elétricos ao mundo todo”, como previu em março Ivan Glasenberg, presidente da Glencore.12 As análises de mercado dizem que ele está certo, já que seis dos dez principais fabricantes atuais de veículos elétricos são chineses: BYD, Shanghai Automotive Industry Corporation (SAIC), Dongfeng Motor Corporation, Geely, FAW Group e BAIC Group. Bruxelas anunciou, em 11 de outubro de 2017, a criação de uma “aliança europeia de baterias” para conter o avanço chinês.
Impasse para uma solução maciça
Enquanto isso, não custa perguntar: ao mudarem do carro a combustão para o elétrico, os países ocidentais não estarão ingenuamente criando uma vulnerabilidade comercial em um setor que emprega 12,6 milhões de pessoas na Europa e 7,25 milhões nos Estados Unidos? Considerando-se as necessidades irracionais que ele gera em termos de metais raros e energia, “o carro elétrico é um beco sem saída na busca de uma solução de massa”, avalia Jean-Marc Jancovici, sócio fundador da consultoria Carbone 4. Dadas suas limitações técnicas – particularmente a baixa autonomia –, a eletromobilidade estará adaptada para trajetos urbanos curtos, enquanto o carro com motor a combustão e o movido a hidrogênio serão mais adequados para longos deslocamentos, ao lado de veículos a gás ou combustível sintético. O grupo japonês Toyota aposta no Mirai, modelo equipado com uma célula de combustível, e em seu novo híbrido recarregável, o Prius.
“Seria preciso [adotar] uma abordagem 360°, incluindo as dimensões energética […], tecnológica, jurídica, geopolítica”, recomendou Tavares no Salão do Automóvel de Genebra, em março de 2018.13 Isso porque a era do carro elétrico, longe de transformar apenas o cotidiano de seus usuários, poderia acelerar uma nova mudança das economias-mundo – dessa vez em favor da China.
Uma profusão de trações
A combustão. Veículo no qual a energia gerada pela combustão de um combustível é convertida em força mecânica. O motor de combustão interna mostrou-se mais eficiente e fácil de integrar em um veículo individual do que o motor a vapor de Denis Papin. O primeiro motor a explosão de Étienne Lenoir (inventado em 1859) funcionava com gás, depois foi adaptado para a gasolina. O motor de ignição por compressão inventado por Rudolf Diesel em 1893 usa diesel.
Elétrico (ou 100% elétrico). Veículo movido por um motor elétrico cuja energia é fornecida por grandes baterias que podem ser recarregadas conectando-as a uma rede elétrica, como o modelo Zoé, da Renault. Inspirado na “roda de Barlow” (1822), Nikola Tesla solicitou a patente do motor eléctrico assíncrono em 1886. Poderoso, mas de baixa autonomia, esse tipo de motorização permite atingir altas velocidades sobre trilhos, mas foi abandonado por quase um século em favor do rodoviário.
Híbrido. Carro que combina um motor de combustão (gasolina ou diesel) a um motor elétrico de apoio alimentado por uma bateria que armazena a energia elétrica produzida enquanto o carro funciona, sobretudo durante a desaceleração. A combinação diesel-eletricidade era comum nos veículos sobre trilhos. Sobre rodas, o primeiro modelo individual comercializado combinando os dois motores (gasolina e elétrico) foi o Prius, da Toyota, em 1997.
Híbrido recarregável. Veículo híbrido cujas baterias também podem ser carregadas na rede elétrica, oferecendo maior autonomia, como o Prius desde 2011.
Com extensor de autonomia. Carro elétrico com um pequeno motor de combustão auxiliar que permite recarregar as baterias em caso de ameaça de pane seca. O Chevrolet Volt foi o primeiro desse tipo, comercializado em 2010.
A hidrogênio. Uma célula de combustível hidrogênio-oxigênio funciona de modo contrário à eletrólise da água. Para produzir a eletricidade necessária ao motor, ela consome apenas o hidrogênio do tanque e o oxigênio do ar. Funcionando em laboratório desde 1839 (graças a William Robert Grove), esse tipo de produção de energia foi, durante muito tempo, difícil de miniaturizar. O Toyota Mirai foi o primeiro modelo do tipo no mercado, lançado em 2014. A ele se juntaram modelos da Honda e da Hyundai.
Pneumático. A descompressão do ar comprimido em um reservatório sob pressão passou a ser utilizada como força motriz no final do século XIX, para ferrovias e principalmente bondes. Muitas vezes anunciado ou apresentado em carros-conceito, o dispositivo ainda não equipa nenhum veículo individual.
Um saldo em disputa
Muitos estudos já calcularam a emissão de dióxido de carbono dos veículos elétricos da mina ao aterro. E chegaram a resultados contrastantes. Um relatório da Agência de Meio Ambiente e Energia da França (Ademe) publicado em 2016 destaca a redução das emissões de gases de efeito estufa e a menor dependência dos combustíveis fósseis, mas acha “difícil concluir que o veículo elétrico ofereça uma solução real para os desafios da eficiência energética”, enquanto os “impactos negativos sobre o meio ambiente, principalmente durante a fase de fabricação”, são “da mesma ordem de grandeza para um veículo elétrico e para um a combustão”.14 Por outro lado, em um estudo publicado em 2017,15 pesquisadores da Vrije Universiteit Brussel (VUB) concluíram que há uma redução de 55% das emissões de gases de efeito estufa para o conjunto da Europa e de 80% para a França, em comparação com um veículo a diesel.
Esses números se explicam pela origem nuclear de 77% da eletricidade produzida na França: certamente com pouco carbono, mas não sem riscos. Na verdade, mudar a frota francesa para o modelo elétrico exigiria uma produção equivalente à de quatro usinas nucleares. Como cada país tem sua própria matriz energética, é uma pena que o estudo da VUB não se debruce sobre o caso da China. Isso porque, com quase 20% da população mundial, esse país absorveria, de acordo com o banco Goldman Sachs, mais de 60% das vendas de veículos elétricos em 2030. Nele, o carvão responde por cerca de três quartos da produção de eletricidade – número ligeiramente abaixo do desempenho da Polônia, onde os ganhos do veículo elétrico são, segundo a VUB, de apenas 25%.
O motor elétrico tem um excelente rendimento energético, de cerca de 80% – contra 45% nos melhores motores a combustão. Em compensação, algumas baterias precisam ser mantidas a uma temperatura constante, por isso consomem eletricidade no modo de espera. A análise do ciclo de vida também deve considerar o fato de que a bateria perde capacidade a cada ano, o que levou diversos fabricantes a propor um sistema de aluguel mensal. Porém, mais que a obsolescência técnica, o peso da bateria é que um problema, como observa Laurent Castaignède, fundador da consultoria BCO2 Ingénierie:16 “Com o mesmo espaço útil, a massa rolante de um carro elétrico seria cerca de 10% a 20% maior que a de um veículo a combustão. Assim, ficamos afetados pela espiral da massa, pois será preciso recorrer a um sistema de frenagem e a materiais de rolamento mais consequentes. Mas levar um motorista de 70 quilos em um Tesla de duas toneladas não faz o menor sentido”. A bicicleta elétrica não sofre essa relação entre massa a ser transportada e massa total deslocada.
Chegamos assim a uma contradição do carro elétrico, que deveria conduzir a modos de consumo mais sóbrios. Ao contrário do que sugere uma queixa bastante frequente, o poder ainda limitado das baterias paradoxalmente representa uma oportunidade: “Essa restrição técnica poderia realmente levar os fabricantes a reduzir a massa rolante dos carros, para aumentar sua autonomia”, analisa Castaignède. “Temos uma janela de cinco anos para mudar nosso comportamento, período após o qual o progresso do armazenamento de energia terá sido tal que não haverá retorno.” A história dificilmente permite acreditar em tal mudança: com exceção da crise de 1929, da Segunda Guerra Mundial e dos dois choques do petróleo na década de 1970, as montadoras sempre se mantiveram em uma lógica de aumento do desempenho dos automóveis.
O carro elétrico pode, então, ser apresentado como uma solução sustentável? O progresso técnico deveria torná-lo cada vez mais eficiente, e as matrizes energéticas evoluirão rumo a um aumento das energias renováveis. Mas podemos nos preocupar com um “efeito rebote”17 difícil de quantificar: a economia de energia gerada poderia ser compensada pelo maior uso. “Com um carro que consome menos ou custa mais barato, podemos andar mais quilômetros com o mesmo orçamento, portanto vamos mais longe nas férias”, explica Philippe Bihouix, membro do Institut Momentum e autor de um livro de alerta sobre os limites do “crescimento verde”.18
O instituto de pesquisa Bernstein calculou que o número de carros em circulação no mundo deve dobrar até 2040.19 A menos que, no futuro, a energia elétrica seja taxada tão pesadamente quanto o petróleo, a módica quantia gasta em uma recarga pode impulsionar o consumo. Da mesma forma, a garantia de “mobilidade limpa” poderia fazer os motoristas se sentirem menos culpados, aumentando uma frota já transbordante, que entope as cidades.
*Guillaume Pitron, jornalista, é autor de La Guerre des métaux rares. La face cachée de la transition énergétique et numérique [A guerra dos metais raros. A face oculta da transição energética e digital], Les Liens qui Libèrent, Paris, 2018.