Cisjordânia, capitalismo selvagem
Em novo movimento expansionista, Telavive estimula a colonização da Cisjordânia. A ofensiva envolve confisco ilegal de terras palestinas e aliança entre grandes empresas e o fundamentalismo judeuGadi Algazi
Modi’in Illit é uma importante colônia de ocupação judaica na Cisjordânia, que ocupa as terras de cinco cidades palestinas: Ni’lin, Kharbata, Saffa, Bil’in e Dir Qadis. De todas, é a colônia que mais rápido se desenvolve. Deverá atingir o estatuto de cidade muito em breve: o ministério da habitação israelense prevê que passará de 30 mil a 150 mil habitantes até 2020. Ela faz parte desses “blocos de colônias” que os sucessivos governos israelenses têm estendido e pretendem anexar. Ilustra também a ligação entre o muro de separação e a extensão das colônias: o desenvolvimento de Modi’in Illit acarretou a ruína dos agricultores palestinos de Bil’in, uma pequena aldeia de 1 700 habitantes que perdeu, com a construção da obra, metade das terras que lhe restavam: cerca de 2 000 dounams [1].
Desde fevereiro de 2005, os habitantes de Bil’in se engajaram numa luta não-violenta contra o muro. Ao lado de militantes pacifistas israelenses e de voluntários internacionais, eles se manifestam todas as sextas-feiras, de mãos dadas, em frente aos tratores e soldados. Convergem com outras aldeias palestinas que promovem, há quatro anos, uma difícil campanha de resistência. Estas ações, quase desconhecidas fora da Palestina e freqüentemente coordenadas pelos Comitês Populares de Resistência, têm obtido resultados modestos, mas apreciáveis. Conseguiram parar ou atrasar a construção das cercas que privam os habitantes de suas terras e os condenam a viver em enclaves. Em Budrus e em Deir Ballut, os Comitês conseguiram até mesmo fazer com que o traçado fosse desviado, recuperando assim uma parte das vinhas, campos e fontes de água confiscadas.
Estas modestas vitórias fazem mais sentido quando se tem em mente a incontestável superioridade militar de Israel. Graças tanto à sua força militar quanto ao apoio dos EUA, e colhendo os frutos do plano de Ariel Sharon, o Estado hebreu ganha terreno em relação aos palestinos, cada vez mais isolados e demonizados. No exterior, aceita-se cada vez mais, mesmo se por vezes a contragosto, a política unilateral de Israel.
Sementes de uma nova resistência
A importância desta “Intifada do muro” deve-se sobretudo a sua influência a longo prazo. As experiências de protestos de massa não-violentos, frágeis e em pequena escala, que tinham papel marginal no começo da segunda Intifada, parecem enraizar e começam a dar frutos. À medida que as chances de um paz justa na Palestina diminuem e que os palestinos da Cisjordânia se acostumam a viver nos enclaves [2] entre barreiras e muros, as manifestações pacíficas abrem novos caminhos para o futuro. E semeiam, por outro lado, os grãos de futuros combates em comum.
No total duzentas pessoas foram feridas em Bil’in durante a violenta dispersão das manifestações e várias outras foram presas sob diversos pretextos. O exército israelense, a guarda de fronteira, a polícia e também as empresas privadas de segurança foram mobilizadas contra os manifestantes desarmados. Matracas, bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e tiros de armas reais fizeram várias vítimas [3]. Os israelenses admitem que forças especiais (pertencentes à unidade Massada) infiltraram agentes provocadores que se faziam passar por árabes nestas manifestações pacíficas, a fim de incitar os participantes a recorrer à força [4]. Só a determinação dos membros do Comitê Popular impediu que estas provocações chegassem a níveis incontroláveis. Na verdade, o muro precisa de uma proteção reforçada contra a oposição pacífica dos camponeses palestinos e de seus aliados. Porque ele está ali para permitir um grande projeto colonial: Modi’in Illit.
A ocupação israelense é freqüentemente definida com termos emprestados dos conflitos interestatais (e a criação da Autoridade Palestina apenas reforça esta tendência). No entanto, trata-se, no fundo, de um conflito colonial. Os gestos simbólicos, as iniciativas diplomáticas e as declarações públicas se esvaziam diante dos fatos brutos: poços e olivais, prédios e estradas, emigração e colônias. É a própria paisagem que se encontra totalmente revirada, não apenas as fronteiras políticas. O controle militar exercido por Israel desde 1967 criou um contexto favorável ao reforço deste mecanismo colonial. Colônias, cercas e estradas são os símbolos mais flagrantes. As colônias são o obstáculo mais sério à criação de um Estado palestino viável e verdadeiramente independente. De 1967 a 2006, estima-se que o Estado hebreu tenha construído cerca de 40 mil moradias na Cisjordânia, a um custo de 4,3 bilhões de dólares. E, em janeiro, o número de colonos implantados em territórios ocupados ? fora de Jerusalém e inclusive no Golã ? ultrapassava os 25 mil [5].
A lógica que viabiliza as colônias
Geralmente condenadas, as colônias israelenses nos territórios ocupados são raramente estudadas. Para saber a quem o projeto colonial traz lucros e porque as pessoas simples a ele se integram, no entanto, seria necessário olhar mais de perto sua composição e economia. Modi’in Illit é um caso revelador, sob diversos ângulos. Primeiro, é uma empreitada conduzida não por colonos messiânicos e seus representantes políticos, mas por uma aliança heterogênea entre agentes imobiliários interessados por terrenos, investidores capitalistas à espreita de lucros e políticos favoráveis à colonização. É uma das raras colônias que continuou se estendendo durante a segunda Intifada. Ela não abriga pura e simplesmente nacionalistas, mas numerosas famílias ultra-ortodoxas que, sem muita relação com o sionismo político ou mesmo com Israel, procuram acima de tudo melhores condições de vida. Ali convergem miséria social, lucros rápidos e desapropriações impiedosas.
Assim como a maior parte das colônias, Modi’in Illit, que originalmente se chamava Kiryat Sefer, não deve sua criação (1996) a uma aliança entre as autoridades governamentais, as organizações sionistas e os movimentos de colonos extremistas. A iniciativa vem de empresas privadas, depois dos acordos de Oslo (de 1993) e num momento em que a privatização da economia se intensificava em Israel. É o exemplo típico de um novo estilo de implantação colonial, dirigido por capitais privados e apoiado pelo Estado. O conselho local aprovou ? conforme indicam os relatórios do tribunal de contas ? um tratamento especial em favor dos agentes imobiliários: vantagens especiais, concessões em matéria de regulamentação de construções, redução de impostos, etc. Milhares de moradias foram construídas em clara violação das leis, com a aprovação post facto do conselho local, que regularizou estas construções ilegais reajustando retroativamente o plano de urbanismo [6]. No faroeste israelense, a urgência política da colonização anda junto com os lucros rápidos dos investidores.
Segundo uma investigação conduzida em 1998, o conjunto do “domínio de Brachfeld” sobre as terras de Bil’in, por exemplo, foi erguido sem alvará de construção ? no entanto nenhuma casa foi demolida depois. Uma grande parte das águas usadas volta para o rio Modi’in, poluindo os recursos aqüíferos locais. Isso não é resultado de corrupção ou de má administração, mas da própria dimensão estrutural da fronteira colonial. As colônias não-regulamentadas oferecem a possibilidade de fartos lucros, às custas do meio ambiente.
Ocupação ilegal e negócios imobiliários
Os habitantes palestinos de Bil’in enfrentam uma poderosa aliança entre interesses políticos e econômicos. Dois bairros deverão ser construídos sobre as terras que lhes foram confiscadas. Um deles, “Green Park”, foi confiado à Dania Cebus, uma filial da Africa Israel Corporation, propriedade de um dos homens de negócios mais influentes de Israel, Lev Leviev [7]. O projeto, de 230 milhões de dólares, prevê a construção de
5 800 apartamentos. Os lucros de especulação realizados pela Africa Israel registraram alta de 129% ao longo dos três primeiros trimestres de 2005 [8]. Outras grandes empresas da construção juntaram-se a Leviev. Todas com investimentos que dependem do traçado do muro ? que deverá tirar os camponeses de suas terras e garantir a segurança dos novos bairros. Aqui, assim como em várias outras colônias instaladas entre a Linha Verde e a “cerca de segurança”, esta última completa o processo de anexação e valoriza os investimentos imobiliários.
O Custodian of Absente Property (Conservador dos Bens dos Ausentes) e o Land Redemption Fund (Fundo de Resgate de Terras) pretendem-se proprietários legais das terras sobre as quais se constrói um destes bairros. Organismo governamental encarregado de gerenciar as “terras dos ausentes”, o Custodian serve na verdade para se apropriar das terras palestinas pertencentes a refugiados em Israel e, mais recentemente, nos territórios ocupados. Organizações israelenses de defesa dos direitos humanos descobriram que eles servem de “laranjas” ao fundo dos colonos, em transações escusas. Já o Fundo de Resgate das Terras foi criado há vinte anos e é especializado na recompra de terras em zonas de expansão de colônias. Entre seus fundadores está Era Rapaport, um dos organizadores da rede terrorista que operava nos territórios ocupados no começo dos anos 80 ? ele passou vários anos na cadeia pela tentativa de assassinato na qual o prefeito de Naplus, Bassam Chakaa, perdeu suas duas pernas [9].
Dois jornalistas israelenses pesquisaram minuciosamente os métodos de aquisição deste fundo, cuja “rede de informação compõe-se de antigos colaboradores palestinos que voltaram à sua cidade depois de terem sido presos, de agentes aposentados israelenses dos Serviços de Segurança Geral, que fornecem informações mediante retribuição, […] e de antigos líderes militares [que utilizam suas] conexões nas aldeias.”
Vigaristas árabes servem de intermediários: fazem-se passar por compradores, enquanto as terras são adquiridas graças a “fundos provenientes de judeus milionários de direita como Lev Leviev e o magnata suíço Nissan Khakshouri [10]. Métodos semelhantes já foram empregados para confiscar as terras de Bil’in [11]. O plano colonial mistura inseparavelmente economia e política. Entre os doadores do Fundo, encontram-se os capitalistas que se encarregam da construção e da especulação imobiliária em outras colônias. Eles pagam somas consideráveis aos colonos extremistas, por convicção política mas também à espera de polpudos lucros.
Objetivo: redesenhar mapa de Israel
Os setores onde o Fundo escolheu concentrar atividades são igualmente importantes: seu projeto principal é “queimar a Linha Verde [a fronteira israelense de antes de 1967] religando as colônias [na Cisjordânia] às comunidades no interior da Linha e estendendo essas comunidades em direção aos territórios [ocupados]” a fim de “estabelecer fatos concretos [12]”. Isso se inscreve numa operação ainda mais vasta, concebida originalmente por Ariel Sharon, e em curso desde 1980. O objetivo é dissolver a Linha Verde criando colônias destinadas a moradores não-ideológicos e próximas aos centros econômicos de Israel.
Bloqueado pela segunda Intifada, este projeto foi progressivamente retomado em 2003, com a conclusão de algumas partes do muro, que conduziram à anexação de fato das zonas que se encontravam entre ele e Israel. Ao fazer desaparecer as comunidades que estão atrás do muro, pode-se prometer tanto aos investidores quanto aos colonos um nível de vida mais elevado num espaço mais seguro. A limpeza ética não é necessariamente espetacular…
As colônias israelenses adjacentes ao muro de separação ganharam uma importância estratégica. Elas completam o sistema de cercas e barreiras previsto por Israel para anexar algumas partes da Cisjordânia. Mas constituem igualmente o ponto estratégico onde toma forma uma poderosa aliança política e econômica entre capitais, grupos de colonos heterogêneos e políticos no poder.
A “coalizão do muro”, que dirige atualmente por Israel, não data das últimas eleições. Reunidos em torno da herança de Ariel Sharon, ela reagrupa os adeptos da anexação progressiva (“Israel deve conservar os blocos de colônias”) e os de uma expansão colonial “racional” (que conseguem bancar os bons-moços, ao lado dos colonizadores ideológicos, malvados e desinibidos). Posicionada sob a dupla bandeira da separação étnica e da privatização da economia, esta aliança não promete a paz aos israelenses, mas uma pacificação unilateral ligada a uma anexação parcial que desmembrará a Cisjordânia e dividirá a parte não-anexada em três enclaves cercados.
Se esta aliança foi formada recentemente na arena política (seus partidários não pertencem somente ao Kadima, o partido de Ariel Sharon e Ehud Olmert), ela construiu seus fundamentos econômicos e sociais bem antes, sobre as colinas da Cisjordânia. Ela reagrupa os colonos, os organismos de Estado que financiam as cercas, as empresas do ramo imobiliário e empresas high tech ? a velha e a nova economias. As colônias atualmente construídas ou estendidas à sombra do muro as expressam.
Bem além da ideologia
É precisamente porque elas não repousam somente sobre o fervor messiânico de colonos fanáticos, mas respondem também às necessidades sociais ? qualidade de vida para a burguesia, emprego e moradia para os menos favorecidos ? que estas colônias alargam a base social da movimento de colonização e reúnem outros interesses: verdadeiros oportunistas do muro, empresários, capitalistas e colonos de classes superiores à procura de uma melhor qualidade de vida em novos “guetos dourados”, longe dos pobres e protegidos dos palestinos [13].
As colônias judaicas não pararam de crescer durante os anos pós-acordos de Oslo. O número de seus habitantes mais que dobrou entre 1993 e 2000. Mas olhando mais de perto, este crescimento teve como principal palco algumas colônias importantes onde vivem moradores não “ideológicos”: imigrantes da Rússia ou da Etiópia ali instalados pelas autoridades, habitantes de subúrbios pobres desejando viver melhor e famílias numerosas ultra-ortodoxas à procura de moradia subvencionada. Essas pessoas só se juntaram ao projeto colonial no fim dos anos 90, a contragosto, empurradas pelas privatizações e o rápido desmantelamento do Estado de Bem-estar Social em Israel. Modi’in Illit e Betar Illit reúnem sozinhas mais de um quarto dos colonos da Cisjordânia, a maior parte judeus ultra-ortodoxos. Enquanto as outras colônias desfrutam de um status sócio-econômico superior à média israelense, estes dois últimos são as mais pobres comunidades judaicas [14].
Como um especialista explicou a um jornalista em setembro de 2003, foi a crise da moradia em Israel que estimulou estas famílias a se instalarem ali: “A situação delas era tão desesperadora que estavam prontas a ir onde quer que fosse.” E o porta-voz do conselho de colonos de Modi’in Illit sustenta: “Mesmo que não tenham vindo aqui por razões ideológicas, não renunciariam a suas casas assim tão facilmente [15]”. Assim se transformam pessoas em colonos, mesmo contra sua vontade. O prefeito de Betar Illit confessou ao mesmo jornalista que os ultra-ortodoxos são enviados aos territórios ocupados contra sua vontade para os transformar em “bucha de canhão”. Agora que o muro está próximo, os colonos de Modi’in Illit e de Betar Illit poderão ali depositar suas esperanças ? esperando dele a segurança desejada e identificando-se de repente com a empreitada da expulsão dos Palestinos.
Mas se a extensão das colônias se alimenta da erosão dos direitos sociais em Israel, os con