Clint Eastwood realmente mudou?
Ao tratar de temas caros ao conservadorismo, individualismo e violência norte-americanos, a longa trajetória do cinema de Eastwood, que conta cada vez com mais sucesso, é criticada por desconhecer ou ignorar as novas agendas contemporâneas, expressando uma visão saudosista e reacionária dos Estado Unidos
Com Gran Torino, sua trigésima realização, Clint Eastwood acaba de obter um dos seus maiores sucessos comerciais. Apesar de apresentado pelo ator/diretor como “um pequeno filme”, vindo depois de obras mais ambiciosas (A conquista da honra, Sobre meninos e lobos e A troca), essa nova variação sobre a violência, marco da sociedade americana, teve também unanimidade de crítica.
Toda essa complacência com um filme que não traz nada de novo à mitologia de Eastwood se explica por uma necessidade inconsciente de expiar o tempo em que víamos no ator californiano apenas um “fascista”, um “racista” e fiel partidário da autodefesa. Agora, com 78 anos, Eastwood plaina acima de toda a crítica e seus filmes são vistos como obras-primas dignas de figurar entre os clássicos do cinema americano.
Mas se vale elogiar a experiência do diretor e constatar seu inesgotável carisma, é possível também expressar algumas reservas sobre um cinema que, em 40 anos, não evoluiu muito em seus temas. Até poderíamos afirmar que depois de As pontes de Madison ele avançou em direção a uma abordagem mais melodramática. Mas não foi bem Eastwood que mudou, e sim quem fala de seus filmes: eles aceitaram sua visão saudosista e reacionária dos Estados Unidos.
Questionado, no ano passado, sobre Harry Callahan, o policial de São Francisco que interpretou em 1971 em Dirty Harry, filme de Don Siegel, Clint Eastwood não mudou uma vírgula em sua defesa do personagem: “Para mim, Harry era apenas um sujeito com raiva de um sistema que julgava ser corrompido e ineficaz. Confrontado com uma taxa de criminalidade galopante e preso no exercício de sua função pela burocracia e pela política indecente, ele acabou se comportando de maneira extrema”.
“Criminalidade galopante”, “preso pela burocracia”. Não é preciso ser cientista político para situar a origem desse tipo de discurso. O próprio cineasta a esclarece: “Era uma época em que a esquerda se preocupava, sobretudo, com o direito dos acusados. E cada vez mais pessoas se perguntavam qual era o direito das vítimas! Eu era um desses. Tanto que tinha certa simpatia pelo Dirty Harry”. O personagem, diga-se de passagem, era daqueles que abatia um criminoso esboçando um grande sorriso de satisfação.
Naquele tempo, uma parte da crítica se juntava a Pauline Kael, da New Yorker, na sua visão de um Eastwood “fascista”, enquanto outra parte, especificamente a revista Les Cahiers du Cinema, se unia à tese de que era preciso dissociar o ator do seu papel de tira individualista, adepto da rápida Magnum 44.
A publicação francesa se apoiava em suas primeiras realizações, como Perversa paixão e Honkytonk man, nas quais Eastwood compunha um personagem mais complexo, anti-herói, masoquista, amante de jazz e companheiro de marginais.
Inclinado para a direita por uma série de filmes que louvavam a autodefesa, como Desejo de matar, o sucesso o obrigou a parecer mais sociável nos anos 1980. Em 1983, em Impacto fulminante, Eastwood já era tão consensual que a violência do filme foi considerada como “cult”. No ano seguinte ele foi homenageado pelo filme Detetive, de Jean-Luc Godard.
Partidário de Ronald Reagan, o ator se elegeu prefeito de Carmel, Califórnia, em 1986. Em sua gestão ele se opôs a toda e qualquer intervenção estatal, buscando acentuar a característica local de “paraíso dos ricos”. Contudo, pouco se fala desse período de sua vida.
Obra previsível
Mais embaraçoso ainda que esse silêncio talvez seja a visão “idílica” que a crítica impõe sobre um cineasta julgado apenas pelo verniz romanesco das suas obras. Louis Skorecki, do Libération, foi um dos poucos que ousou colocar em dúvida o trabalho de Eastwood como diretor. Ao comentar o filme Coração de caçador, o crítico qualificou a película como “importante concorrente ao título de grande clássico com pequeno intelecto”.
De fato, Eastwood grava a maior parte do tempo com roteiros muito hollywoodianos, propostos a todos os “grandes nomes” comerciais do momento. Assim, Ron Howard poderia ter dirigido A troca; Steven Spielberg, As pontes de Madison ou A conquista da honra; e Os imperdoáveis parecia destinado a Francis Ford Coppola. São todas obras baseadas em clichês, em situações estereotipadas, com heróis concebidos para identificar-se com o grande público.
Dependente desses roteiros, Eastwood não se aventurou por caminhos muito transversos. Ele se contentou com o essencial, variando entre personagens de cowboy ou policial solitário à procura de vingança e redenção. Depois, optou pela evocação dos “destinos americanos”, como o de Charlie Parker, da boxeadora de Garota de ouro, ou dos portadores da insígnia distintiva de Iwo Jiwa em A conquista da honra. Uma obra fraca, mas coerente com sua obsessão individualista.
Em Gran Torino, um jovem asiático imita Eastwood, seu vizinho, até se tornar um “verdadeiro” americano. O diretor demonstra aí sua visão restrita de cidadania: não nascemos americanos, nós nos tornamos, por meio dos esforços que fazemos. Em todo cinema de Eastwood, o indivíduo é o rei e responsável por todos os seus atos.
Quando o diretor descreve um grupo, são algumas poucas pessoas lideradas por um homem que lhes transmite seu sonho, como Bronco Billy. Ele se nega a reconhecer que um indivíduo livre possa participar de uma ação de massa. Seus filmes jamais contam uma aventura coletiva.
Claro, é abusivo compará-lo a John Ford, como se faz com frequência. Eastwood não filmou Vinhas da ira ou Crepúsculo de uma raça. Seu parentesco com o idealismo de um Frank Capra é igualmente duvidoso. Eastwood nunca teria um personagem exaltando a fé na democracia, como em A mulher faz o homem. Para ele, os poderes públicos não protegem os fracos, mas representam uma parede, são sinônimos de burocracia e corrupção. Não é por acaso que em Poder absoluto, único filme em que há um papel de presidente dos Estados Unidos, este assassina sua amante.
Tampouco se trata de uma coincidência ele ter recusado o papel principal em Apocalypse now, de Francis Ford Coppola, e em Inferno sem saída, de Ted Post, onde há denúncias contundentes sobre a guerra do Vietnã.
Fazer de Eastwood o herdeiro dos cineastas idealistas da época de ouro hollywoodiana é esquecer que, até o fim de sua longa carreira, ele nunca confrontou as realidades americanas de seu tempo.
*Philippe Person é escritor.