Com a quarentena, “podemos ouvir o alô da Terra”, diz sismologista belga
Uma pesquisa do Observatório Real da Bélgica revelou que a nossa quarentena mundial mudou o ruído sísmico da crosta terrestre
Com milhões de pessoas ficando em casa para controlar a epidemia do novo coronavírus (Covid-19), o ruído captado no solo das principais capitais do mundo é muito menor. Em Bruxelas, a queda no nível de ruído é da ordem de 30% a 50%. É o que descobriu o sismologista belga Thomas Lecocq. Ele trabalha no departamento de Sismologia e Gravimetria do Observatório Real da Bélgica e faz pesquisas em sismologia, mineração de dados, ciências naturais e vulcanologia. Nesta entrevista, ele conta por meio de metáforas simples como é escutar a Terra agora. No fim da entrevista, Thomas nos convida a uma reflexão.

Foto Arquivo Pessoal: Thomas Lecocq
Você está trabalhando de casa agora, imagino?
Com certeza!
Na sua pesquisa, você fala em “sismologia social”. Não conhecia este termo…
Sim, eu o inventei! Nós podemos observá-la, por exemplo, quando há um jogo de futebol ou um concerto e as pessoas pulam juntas. E agora é toda a cidade (de Bruxelas) que parou. Isso é visível nos dados, e as pessoas não se dão conta disso. Então, eu queria algo que marcasse o aspecto social. Temos a impressão de estarmos sós em casa, mas estamos todos sós dentro de casa fazendo todos a mesma coisa – juntos.
E com isso vocês veem uma diferença, ou melhor, vocês escutam uma diferença no barulho registrado?
Na verdade, a medição que nós fazemos é da vibração do solo, mas está ligada ao ruído que escutamos. Em Bruxelas, do lado de fora, não escutamos mais nada. Há algum carro ou ônibus pontual, mas está tudo muito calmo. Quando os carros circulam, isso se transmite no solo e nós o escutamos. Antigamente escutávamos o bonde passando… Temos essas imagens, essas ondas que nos chegam, geradas por toda parte, pelo homem. E isso vale para todo lugar no mundo. Estou compilando uma lista de colegas, sismologistas profissionais e amadores, que demonstram isso ao redor do mundo… Gente de todo canto que confirma estar observando o mesmo que eu.
E como funciona o seu trabalho no dia a dia? Você escuta o ruído do solo por meio de aparelhos, é isso?
Nós registramos todos os pequenos movimentos da Terra, em permanência. Temos instrumentos por todo o país e no mundo inteiro. São milhares, dezenas de milhares de instrumentos em todos os cantos do mundo, que registram o movimento terrestre, para medir os terremotos. Verificamos o som do tremor, onde está localizado, se há uma falha que se mexe, se é perigoso, se vai haver um tsunami, se é um vulcão… Isso é a base. E depois de vinte anos, principalmente nos últimos dez, nós nos demos conta de que entre dois sismos, há um pedaço aqui (no gráfico), onde nada acontece. Mas na gravação, nós registramos também as pessoas, as ondas que vêm do oceano, as ondas que vêm de um vulcão, que não se trata de um terremoto, trata-se de ruído. E dessa cadeia de ruído, dessa cadeia de medição de ondas, podemos extrair informação.
Você considera mais fácil agora, que estamos todos de quarentena, ouvir se haverá um terremoto do que antes, quando estávamos na rua?
Sim. Os níveis são mais baixos e agora podemos medir pequenos tremores de terra. Gosto de colocar este exemplo: você está numa sala de concertos, sobre o palco, e o auditório está cheio de gente. Ou num estádio de futebol. Se todos estiverem quietos e alguém sozinho no fundo da sala disser “alô”, você vai escutá-lo. Mas se todo mundo estiver falando ao mesmo tempo, e essa pessoa no fundo da sala disser “alô”, você não vai escutá-la. É isso que está acontecendo. O ruído ambiente é menor, de 30% a 50%, e agora podemos extrair pequenas informações específicas. Podemos ouvir o “alô” da Terra, com os tremores de terra.

Gráfico: Observatório Real da Bélgica
E você tem ouvido muitos “alôs” da Terra nos últimos dias?
Sim! Nós temos tremores de terra menores que conseguimos registrar em algumas estações na Bélgica. Felizmente nem todas as nossas estações estão nas cidades. No caso da estação de Bruxelas, foi a cidade que cresceu. A estação estava no campo e o crescimento urbano a englobou. Temos duas estações na Bélgica que são melhores, felizmente. Ontem medimos nove explosões numa pedreira, ou seja, explosões para chegar na rocha e também explosões do Exército para destruir bombas da Segunda Guerra Mundial. Foi muito fácil fazê-lo, porque no momento o barulho humano é baixo.

Gráfico: Observatório Real da Bélgica
Vi os gráficos para a cidade costeira de Oostende e o ruído aparece mais alto do que no resto da Bélgica. Isso é do barulho do mar?
Na verdade, são das obras. Estão instalando novos aerogeradores para energia eólica. Normalmente costuma ser mais baixo.
E na Bélgica, há terremotos?
Há, mas poucos. Estamos numa situação parecida com a do Brasil, na verdade. Nós estamos longe das falhas das placas tectônicas, mas de vez em quando pode haver grandes sismos. Chama-se sismo intra-placa, considerado de baixo a moderado. Mas conhecemos, há muito tempo, um de magnitude 6 que fez muitos estragos. Foi em 1692, perto de Liège, Verviers, leste da Bélgica, e fez cair chaminés em Londres. Foi um grande terremoto.
Houve algum outro momento em que vocês tiveram a chance de escutar o “alô” da Terra como agora?
Este é um momento muito raro. Na Bélgica, raramente neva, mas quando neva, tudo fica bloqueado. Então, quando há 2 cm de neve sobre Bruxelas, fica mais calmo. Quando isso acontece, temos uma detecção melhor, porque o barulho diminui. De madrugada ou à noite, também é mais calmo. Mas observar isso toda hora, por todo lado, de maneira global, não. Nós nunca observamos isso antes. Acho que é a primeira vez na história da Sismologia que somos testemunhas de tal baixa da energia sísmica gerada pelos humanos.

Foto: Viviane Vaz
Você vê algo de positivo sobre tudo isso? Podemos tirar alguma lição?
Há dois pontos positivos. Do ponto de vista da Sismologia, temos uma melhor detecção, o sinal é melhor, menos poluído, temos um trabalho melhor. E de meu ponto de vista pessoal, temos uma prova de que quando todas as pessoas fazem, individualmente, a mesma coisa, juntas, temos um impacto forte sobre o meio ambiente. Então, pode ser a lição que podemos tirar e para refletir: que se nos unirmos para fazer outra coisa, não só contra esse vírus imundo, mas algo para construir outras coisas positivas, pode ser que consigamos.
Como numa orquestra, podemos fazer um “barulho” mais bonito?
Sim, temos que fazer um barulho mais bonito, todos juntos, pelo planeta. E isto vale para o ruído que escutamos, para a poluição do ar ou sobre o clima. Temos meios de agir, juntos. Sabemos disso, mas essa é a primeira vez que me dou conta através dos meus próprios dados de trabalho, que temos todos um impacto muito forte sobre o planeta.
Viviane Vaz é jornalista (Bruxelas).