Como a Europa recebe o outro
Um panorama das políticas adotadas pelos países europeus para controlar a entrada de estrangeiros em seu território, e para reconhecer (ou não…) seus direitos políticos e culturaisCláudio Bolzman, Manuel Boucher
A segunda lei Sarkozy, em debate no parlamento francês, não é fenômeno isolado na Europa. Assim como a França, outros Estados da União Européia começaram a modificar suas políticas migratórias. Conforme ressalta o pesquisador sueco Tomas Hammar, elas envolvem dois aspectos contraditórios: a immigration policy, isto é, a regulação do fluxo e o controle dos imigrantes e estrangeiros; e a immigrant policy, que trata da vida dos imigrantes residentes, seus direitos e sua participação na vida política e social: enfim, tudo a que se dá o nome de integração [1]. A primeira leva em conta principalmente os interesses dos países receptores; a segunda, as necessidades dos imigrantes. Uma, visa o controle de estrangeiros; a outra se ocupa de sua participação. Historicamente, políticas de imigração de viés liberal foram acompanhadas de políticas de integração restritivas, especialmente no pós-guerra. Por outro lado, políticas de imigração de caráter restritivo resultaram em políticas de integração mais abertas.
A novidade, na França, Holanda e outros países, é que o afrouxamento das condições de entrada no território nacional, ao menos para os imigrantes com menos estudos, está sendo acompanhado por com exigências crescentes em matéria de integração. Foram instaurados “contratos de recepção e integração”, que, se desrespeitados, podem resultar em punições. Torna-se obrigatório o aprendizado da língua do país anfitrião. Embora os Estados europeus estejam cada vez mais de acordo em seus receios com relação aos imigrantes (e ainda que preferissem selecioná-los fora das fronteiras da União Européia…), há divergências entre as políticas de integração, que vão desde a concessão de cidadania plena até sua total recusa. Alguns são favoráveis à participação dos imigrantes; outros, os condenam a uma precariedade estrutural [2].
Muitos termos para nomear o diferente
Tudo depende, acima de tudo, da maneira como cada país percebe o fenômeno migratório, se deseja ou não a chegada de novos imigrantes e se pretende que permaneçam a longo prazo (definitivo ou provisório). Essa percepção implica ainda objetivos ? demográficos, econômicos, humanitários, e de segurança — que as autoridades perseguem, bem como a concepção de Estado-nação predominante.
A socióloga francesa Dominique Schnapper esclareceu: a visão que cada país tem de imigração tem origem nos desafios históricos e políticos através dos quais se formou a nação. Disso decorre a diversidade de vocabulário: para os alemães, trata-se sempre de estrangeiros; para os britânicos, de minorias raciais (usou-se, durante muito tempo, negro para designar tanto jamaicanos quanto índios); para os holandeses e suecos, de minorias culturais; para os franceses, de imigrantes e depois de nacionais ou cidadãos.
Através das palavras e do discurso da vida social, expressa-se o caráter do relacionamento com o outro, a tradição de integração nacional e suas modalidades, a concepção de cidadania. Não seria possível entender as formas de relacionamento com o estrangeiro imigrado sem levar em consideração o jacobinismo francês, ligado a uma concepção de nação cujas origens remontam à idade média, e que a universalidade racionalista dos revolucionários reforçou; sem levar em conta o multiculturalismo social britânico, fruto da história de democracia parlamentar que por muito tempo admitiu a representação de grupos e classes na vida pública; a tradição liberal dos Países Baixos e da Suécia, que adotam políticas de emancipação das minorias; a história da Alemanha e o sentimento ainda existente de “povo alemão” (deutscher volk) enquanto entidade étnico-linguística [3].
A vontade de harmonizar o tratamento da imigração e do direito de asilo deve adaptar-se a modelos de integração singulares [4]. O que predomina na Suécia restringe a admissão de imigrantes não europeus, mas favorece uma cidadania multicultural para os imigrantes residentes. À diferença de outros Estados, essa política, bastante consensual, estabelece a diversidade cultural, a cooperação e a solidariedade como valores centrais da sociedade e estabelece o tratamento dos imigrantes a partir desta base de igualdade. Este princípio não impede, no entanto, o reconhecimento de suas particularidades culturais: as autoridades encorajam a organização de comunidades e a manutenção da língua de origem. Os estrangeiros gozam de direito de voto nas eleições locais e sua naturalização é facilitada; as discriminações são combatidas. Mas alguns denunciam o risco de fechamento das comunidades estrangeiras em si mesmas, uma espécie de clientelismo étnico face ao Estado social e às formas de etnização da vida política e social.
Na Holanda, integração ameaçada
A Holanda tinham elaborado um modelo bastante similar, com base em outras realidades sócio-históricas. Essa sociedade funciona há muito baseada na “pilarização”: o Estado delegava às igrejas a administração de parte considerável dos negócios públicos e culturais. O país gerou um importante fluxo migratório, vindo de suas ex-colônias, e favoreceu a abertura das instituições oficiais para que os imigrantes pudessem ter acesso a elas. Mas a erosão do consenso sobre a imigração, as pressões dos movimentos xenófobos e o debate crescente sobre a identidade nacional provocaram uma reversão desta tendência. Amsterdam adotou medidas impositivas de assimilação, como a obrigação de assinar “contratos de integração”. As provas de assimilação condicionam agora os direitos civis dos imigrantes.
Mais do que a Holanda, o Reino Unido teve um importante fluxo migratório vindo de suas ex-colônias, apesar dos esforços do governo local para restringir a chegada de pessoas não-brancas. A socióloga francesa Daniele Joly (que trabalha há trinta anos no Reino Unido) classificou a prática como “discriminação racial institucionalizada [5]”. Em matéria de integração, esse país também elaborou gradativamente uma política fundada no reconhecimento do multiculturalismo. Sensível à diversidade cultural, o Reino Unido hesita em considerar os imigrantes parte integrante da nação. Londres até mesmo aboliu o direito de solo do sistema de cidadania, e não mais a concede aos egressos de colônias e protetorados. Os imigrantes e seus descendentes são considerados minorias étnicas desfavorecidas que o Estado deve se esforçar em integrar. Isso não impede a codificação étnica, que faz parte até mesmo dos formulários de recenseamento. Para garantir o respeito à igualdade, mecanismos combatem as discriminações e o racismo. O fato de serem consideradas entidades reais favorece certamente a capacidade de organização, negociação e mobilização dessas comunidades. Mas, sob a máscara do multiculturalismo, acentua-se consideravelmente o risco de uma institucionalização de uma posição de inferioridade socio-econômica.
Suíça: “assimilação não-participativa”
Não sendo membro da União Européia e sem uma tradição colonial, a Suíça propõe uma “assimilação não participativa”. Preconizando uma concepção étnica de nação, simbolizada pelo direito de sangue, a Suiça considera os imigrantes simples mão de obra. Esse são cidadãos não pluridimensionais, mas socioeconômicos: produtores, consumidores, cotistas e contribuintes [6]. Apesar de o voto municipal ter sido concedido a estrangeiros de alguns cantões, os direitos políticos permanecem inseparáveis da nacionalidade, ela mesma muito difícil de ser conquistada, mesmo para segunda e terceira geração. Votações populares colocaram em xeque as tentativas de simplificar a naturalização. Muitos descendentes de estrangeiros que jamais moraram em outro país continuam sendo considerados estrangeiros.
Por muito tempo paises de emigração, a Espanha e a Itália tornaram-se, em poucos anos, paises de imigração. Devida a suas necessidades econômicas, eles desenvolveram inicialmente políticas de admissão com forte viés liberal, mas não políticas de integração. Grandes setores da economia aproveitaram-se do fato de muitos imigrantes não terem situação regularizada. A mão de obra clandestina feminina é atualmente um paliativo para o déficit de estruturas públicas para a infância e terceira idade. A gradativa conscientização a respeito do caráter estrutural da imigração levou à adoção de medidas de regularização periódica de imigrantes ? a mais recente ocorreu na Espanha, em 2005. Contestada pelas correntes xenófobas em expansão, essa política permitiu aos imigrantes não-europeus estabilizar sua situação sócio-econômica e oficializar seus direitos civis, principalmente no reagrupamento familiar.
Os quatro eixos do debate
No debate sobre a integração, um primeiro ponto, que envolve a relação entre os direitos culturais e os outros direitos da cidadania, revela profundas divergências entre os Estados, partidos políticos e especialistas. A questão fundamental é a relação igualdade/diferença. Alguns julgam que a manutenção de uma identidade cultural específica aumenta a distância entre a comunidade de imigrantes e a comunidade nacional, impedindo a primeira de exercer outros direitos da cidadania. O exercício da cidadania plena fica assim condicionado à assimilação cultural [7]. Outros entendem que a igualdade de direito implica aceitação de diferenças culturais [8]. A exigência de assimilação camuflaria a recusa de acesso a outros direitos.
Um segundo ponto envolve a relação de direitos políticos e nacionalidade, isto é, os laços formais do migrante com o Estado-nação. A concepção dominante não reconhece às pessoas classificadas como estrangeiros os mesmos direitos que aos nacionais, já que elas pertencem a uma outra comunidade política que não saberia participar, ao menos formalmente, da formação da vontade geral. No fundo, a cidadania política ? como constata Aristide Zolberg [9] confunde-se com a nacionalidade e exclui os “outros” da igualdade de direitos. Mas a internacionalização crescente e o número cada vez maior de pessoas residindo em outro país que não aquele de que são nacionais levam a uma proposta de dissociação moderada dos direitos políticos e de nacionalidade, ao menos no âmbito local. Instâncias supranacionais, como a União Européia, já dilatam a cidadania local ? beneficiando os provenientes de Estados-membros.
O terceiro ponto trata do processo de globalização, que põe em questão certo número de direitos sócio-econômicos de toda a população. Essa limitação da cidadania social pode levar uma parte dos residentes, conforme mostra Andréas Wimmer [10], a delimitar áreas de onde os imigrantes serão excluídos, bens coletivos pertencentes, segundo eles, unicamente aos nacionais. É a lógica da “preferência nacional”. Outra parte privilegia a defesa global dos direitos: para estes, a exclusão dos migrantes poderia preparar a exclusão de outras categorias [11].
O quarto ponto aborda os limites de acesso aos direitos civis nas sociedades democráticas. Em geral, considera-se que o Estado soberano pode, em seu interesse, restringir o exercício das liberdades fundamentais para os estrangeiros. Os oponentes dessa teoria argumentam que as políticas de imigração , ao desrespeitar os direitos civis, negam os direitos humanos mais elementares, introduzindo uma hierarquização entre os seres humanos [12].
Embora as formas de tratar a imigração e a integração sejam diversas no continente, a União Européia tem trabalhado no sentido de harmonizar a política dos Estados membros nessa matéria. Isso tem sido feito segundo duas lógicas: de uma parte, a que privilegia a segurança; de outra, a que favorece o anti-racismo e anti-discriminação. Mas o aumento da mobilidade e dos fluxos migratórios, que causam um aumento de diversidade humana e de sua visibilida