Como esquecer da vitória do povo e da democracia brasileira?
Lula venceu Bolsonaro em uma eleição que colocou o povo brasileiro a escolher entre a continuidade de um projeto autoritário de país e a retomada da construção da nossa democracia
Desde 2013, o povo demostrava sua insatisfação. Um movimento ganhou as ruas e não havia coesão entre grupos e entre o que gerava tal insatisfação. Todos sempre soubemos que as manifestações não foram por 20 centavos de aumento em passagens de ônibus, mas não sabemos definir com clareza os anseios de quem ia as ruas.
O bolsonarismo germinou desde então com amplo apoio de diversos os setores da sociedade. Apoiadores do (pseudo)conservadorismo brasileiro encontraram em Bolsonaro, o líder popular que garantiria seus interesses contra a esquerda, no poder desde 2003. Grande parte da imprensa e as redes sociais tiveram papel fundamental em ajudar a eleger um governo que fez crescer uma máquina de fake news e ajudou a criar e/ou ressuscitar inimigos imaginários do povo brasileiro, como o comunismo, a mamadeira de piroca nas escolas e a “venezualização” do país. Grande parte da população foi tomada pelo medo e acreditou em um famigerado discurso estapafúrdio e funesto de iluminados da extrema direita que nunca encontrou respaldo na realidade.
Veio o golpe do poder pelo poder em 2016 e Dilma perdeu a presidência para o vice Michel Temer. Nos dois anos seguintes, agitadores de plantão e oportunistas, como os lideres do MBL, encontraram em Bolsonaro seu líder a garantir vitórias e interesses escusos a partir de 2018. Frases racistas e de cunho fascista do presidente e de seus asseclas foram ignoradas, relativizadas e suavizadas.
Após Bolsonaro assumir, parte dos apoiadores decepcionou-se com o desgoverno, com a truculência, o linguajar pobre e medíocre. Parte dos apoiadores começou a desembarcar da nau fascista de deslumbrados. Não estou exagerando. Como esquecer o gesto de cunho racista do assessor de assuntos internacionais durante uma fala do presidente do Senado? Como esquecer que o secretário especial da Cultura, Roberto Alvim, fez um discurso semelhante ao do ministro de Adolf Hitler da Propaganda da Alemanha Nazista, Joseph Goebbels, antissemita radical e um dos idealizadores do nazismo?

O pior ainda estava por vir: a pandemia em pleno governo Bolsonaro. Como esquecer de vê-lo imitando pessoas com falta de ar, como uma adolescente desmiolado? Como esquecer das frases como “Chega de mimi”, “Não sou coveiro”? Como esquecer das centenas de milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas? Como esquecer da CPI e das descobertas acerca de corrupção sobre vacinas que foram compradas a preços exorbitantes? Como esquecer do descaso e da falta de respeito com as famílias das vítimas de Covid?
E então, em meados de 2022, as campanhas começaram. E nem os mais pessimistas esperavam tanta baixeza e crueldade. Como esquecer o orçamento secreto, e todo tipo de jogo sujo para conseguir votos em todos os estados da nação. Como esquecer a avalanche de fake news despejada com novos inimigos imaginários como o banheiro unissex e a famigerada ideologia de gênero. Como esquecer que cristãos católicos e evangélicos atacaram padres e pastores em nome de uma liberdade pagã.
Eis que chega o dia 30. O dia do derradeiro pleito. Lula venceu Bolsonaro em uma eleição que colocou o povo brasileiro a escolher entre a continuidade de um projeto autoritário de país e a retomada da construção da nossa democracia recém conquistada na década de 1980.
Como esquecer que Lula foi o primeiro candidato com mais de 60 milhões de votos a derrotar o presidente em exercício? Como esquecer das imagens das multidões celebrando a vitória em todos os cantos e capitais do país? Como esquecer da alegria no rosto daqueles que sofreram com todas as atrocidades do desgoverno bolsonarista por quase quatro anos?
Como esquecer das frases ditas por Lula em uma avenida Paulista tomada por uma multidão na noite do já eternizado dia 30 de outubro de 2022?
“E graças ao povo brasileiro, a quem eu quero agradecer de coração. O povo que votou em mim, o povo que votou no adversário. Quem foi para a urna. Quem se dignou a cumprir com seu compromisso civilizatório de cidadania. Eu quero dar os parabéns.
Neste 30 de outubro histórico, a maioria do povo brasileiro deixou bem claro que deseja mais e não menos democracia. Deseja mais e não menos inclusão social e oportunidades para todos. Deseja mais e não menos respeito e entendimento entre os brasileiros. Em suma, deseja mais e não menos liberdade, igualdade e fraternidade em nosso país”
Chegamos ao final de uma das mais importantes eleições da nossa história. Uma eleição que colocou frente a frente dois projetos opostos de país e que hoje tem um único e grande vencedor: o povo brasileiro. Esta não é uma vitória minha, nem do PT, nem dos partidos que me apoiaram nessa campanha. É a vitória de um imenso movimento democrático que se formou, acima dos partidos políticos, dos interesses pessoais e das ideologias, para que a democracia saísse vencedora”.
Como esquecer do dia 30 de outubro de 2022? O dia em que a esperança e o amor de um povo venceram o ódio!
Vinicius Ruiz Albino de Freitas é doutor em Ciências Sociais e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp).