Como o homem mais rico juntou seus tostões
Ao contrário do mito do Tio Patinhas, que iniciou sua fortuna com uma única moeda, o megaempresário mexicano, dono no Brasil da Claro e de muitas coisas mais, já nasceu em berço de ouro. E acumulou mais de 67 bilhões de dólares graças às suas excelentes relações com os círculos do poder
Quando lemos os perfis do mexicano Carlos Slim, que inundaram a imprensa depois que ele entrou para o primeiro lugar na lista das maiores fortunas do planeta, temos a impressão de que seu modo de vida parece mais próximo do de um mexicano comum do que de um integrante do jet-set, grupo pelo qual ele “só tem desprezo”1. “Não há nenhum sinal de ostentação exagerada nesse apaixonado por beisebol, que não usa computador, foge de jantares da alta sociedade, prefere pimentas a caviar e, durante muito tempo, dirigia o próprio carro” 2. Tudo nele indicaria, portanto, “austeridade” e até “humildade” 3. Tudo… exceto os números.
Segundo a revista Forbes, a fortuna de Slim chegou a 59 bilhões de dólares na metade de 2007. Mas, para o Sentido Comun, um site mexicano de informação econômica 4, a Forbes estaria ainda longe do total, pois o “Rei Midas”, como também é chamado, teria aproveitado uma oportunidade na bolsa para ultrapassar os 67 bilhões de dólares, acumulando um crescimento de aproximadamente 740% desde 2000 5. Naquela época, ele detinha “apenas” a 33ª fortuna do mundo.
Porém, não dá para ter a medida exata do que representa toda essa fortuna sem colocá-la no contexto do México, onde 40% da população vivem com menos de dois dólares por dia. Com uma riqueza que ultrapassa um quarto do orçamento do governo, Slim conta com mais de 40% da capitalização total da Bolsa do México. Outro recorde absoluto: ele controla o equivalente a 8% do Produto Interno Bruto (PIB) do país 6, enquanto que, na comparação, a riqueza de John D. Rockefeller nunca ultrapassou 2,5 % do PIB americano.
Assim, o retrato de Carlos Slim como “filho de um pequeno comerciante” 7 talvez corresponda menos à realidade do que à forma como o capitalismo moderno se apresenta, por meio de “percursos exemplares” de joões-ninguém cujo sucesso viria recompensar a competência e o trabalho. Essas “trajetórias” têm, de fato, o dom de levar aos “menos ricos” (de quem se poderia temer que acabassem se cansando das desigualdades, que não param de crescer) a esperança de um dia “chegar lá”. A revista Le Point abre, aliás, um de seus (diversos) perfis de Slim nos seguintes termos: “Quem não sonha em acordar uma manhã fazendo parte da grande família dos milionários? Seja confiante, isso ainda pode acontecer com você. Os novos milionários em dólar brotam como cogumelos” 8.
Segundo a mitologia capitalista, é por meio dessas predisposições intelectuais excepcionais – freqüentemente perceptíveis desde a infância! –, que se explica o “segredo” da fortuna dos heróis modernos. Apesar de ser provavelmente bastante inteligente, Slim, de fato, não se diferencia tanto da grande maioria dos freqüentadores das “listas Forbes” 9 e talvez deva a fortuna menos ao amor pelos números do que… ao seu nascimento e às suas amizades políticas.
Nascido rico, em 1940, depois de o pai, imigrante de origem libanesa, ter feito fortuna no comércio e no ramo de imóveis durante a Revolução Mexicana 10, Slim tornou-se rapidamente uma das principais fontes de financiamento do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o México, sem concessões, de 1929 até 2000. O que não deixaria de lhe valer alguns favores em troca.
Em 1982, a queda do preço do petróleo desencadeou uma grave crise econômica no México. O presidente José López Portillo estatizou os bancos, não movido por uma súbita guinada socializante, mas com o intuito de “nacionalizar a dívida privada da oligarquia”11. No entanto, a elite tradicional se alarmou e liquidou seus ativos para abandonar o país o mais rápido possível. Sem passar pela mesma incerteza – afinal, seus amigos estavam no poder –, Slim aproveitou o pânico para arrematar algumas das empresas mais importantes, com um gosto especial por aquelas que vivem das encomendas estatais. Teria um belo lucro com elas. Assim, a Seguros de México, a principal seguradora do país, que ele comprou por 44 milhões de dólares, vale hoje 2,5 bilhões.
Mas foi graças a seu bom amigo Carlos Salinas de Gotari – eleito presidente em 1988 –, que a fortuna de Slim realmente decolou. No momento da “abertura econômica”, impulsionada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial (BM), Salinas, apesar de bastante condescendente em relação aos interesses transnacionais, procurou favorecer um capital autóctone capaz de resistir ao ataque das empresas americanas. Uma vontade menos “nacionalista” do que interessada em estabelecer ligações diretas com as futuras fontes de renda do país. Assim, o presidente beneficiou os maiores empresários com vista a atrair seus benefícios, ainda mais por ter chegado ao poder por meio de uma fraude eleitoral que não passou despercebida. Centenas de empresas estatais foram então vendidas, de preferência aos mais íntimos. De dois, em 1991, o número de bilionários mexicanos pulou para 24, em 1994, no final de seu mandato. O primeiro deles chamava-se Carlos Slim.
Em 1990, em parceria com a Southwestern Bell e a France Telecom, Slim comprou a empresa Teléfonos de México (Telmex), em circunstâncias mais do que problemáticas. Além do preço, que as autoridades mexicanas tiveram a delicadeza de manter em um nível bastante generoso (cerca de 2 bilhões de dólares por 20% do capital), as condições da venda pouparam a Slim os aborrecimentos da concorrência: “Enquanto países como o Brasil e os Estados Unidos dividiram seus monopólios estatais em diversas empresas, que fariam concorrência entre si, o México vendeu seu monopólio intacto, proibindo qualquer competição durante seis anos”, explica o Wall Street Journal 12.
Além disso, a Telmex foi agraciada com a única concessão de telefonia celular de envergadura nacional, enquanto suas concorrentes tiveram de se contentar com concessões limitadas a determinadas regiões. A companhia – que controla 90% das linhas fixas do país – é hoje a segunda sociedade latino-americana mais cotada na bolsa. Quanto à América Móvil – a filial encarregada de telefonia celular do Grupo Slim –, esta foi facilmente alçada ao quinto posto mundial do setor, com 70% do mercado mexicano e mais de 120 milhões de clientes em 15 países.
Mas o império do megaempresário não se limita apenas às telecomunicações. Quando acende a luz, coloca gasolina no carro, passa pelo caixa do supermercado, compra um disco, um livro ou uma barra de chocolate, fuma, viaja de trem, pratica esportes, assiste televisão, navega na internet ou usa papel higiênico, o mexicano médio está derramando seus “pesos” nos bolsos – profundos – de Slim. Seu conglomerado, o Grupo Carso, conta, efetivamente, com mais de 250 empresas, em setores tão diversos como cadeias de lojas de departamento (Sanborns), cigarros (Cigatam), minas e química (Frisco), estradas de ferro (Ferromex), cabos submarinos e tubulação em PVC (Condumex), plataformas de petróleo etc. Ou ainda o ramo dos computadores, no qual 3% da Apple, que Slim comprou – num golpe de sorte! – alguns dias antes do retorno de Steve Jobs ao comando da empresa, volta que provocaria uma alta de mais de 480 % no valor das ações. Presente na quase totalidade dos países latino-americanos – em especial no segmento das telecomunicações –, Slim teria recentemente decidido reforçar sua presença no setor agrícola, investindo e
m biocombustíveis no Paraguai.
No total, o Grupo Carso registra um faturamento que ultrapassa os 150 bilhões de dólares, emprega cerca de 120 mil pessoas, para os quais distribui folhetos conclamando a “aumentar a produtividade e reduzir os custos e as despesas” 13 – uma orientação devidamente colocada em prática. Enquanto se beneficia de um dos maiores crescimentos do planeta, o grupo dispensa a seus funcionários remunerações particularmente baixas, nas quais a parte relativa aos “bônus” ultrapassa freqüentemente 50 % do salário.
Dinheiro atrai dinheiro, o sucesso abre portas, o que, por sua vez, facilita o sucesso futuro. Assim, Slim joga bridge com Bil Gates (seu sócio), convive com os Rockefeller, o príncipe Charles, o ex-primeiro-ministro da Espanha Felipe González (seu lobista no mundo todo) ou ainda o ex-prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, cuja campanha financiou (assim como a da pré-candidata democrata Hillary Clinton).
Herança, conivências políticas e exploração de funcionários: somando tudo, o “segredo” da fortuna de Slim repousa menos sobre um talento especial do que sobre os tradicionais fermentos da acumulação capitalista. Não que se possa ver nele, porém, um conservador antiquado! Ao contrário. A grande linha de ruptura passa, segundo ele, entre “a modernidade e o arcaísmo, não entre a esquerda e a direita” 14. Assim, para a surpresa de alguns, Slim não esconde sua amizade com o presidente brasileiro Luis Inácio Lula da Silva, com quem compartilha críticas ao neoliberalismo15. Os defensores da abertura econômica se convertem facilmente em protecionistas, uma vez que seu monopólio esteja constituído.
No México, os interesses de Slim sobrepõem-se tranquilamente aos da nação. As tarifas cobradas pelo Grupo Carso ultrapassam as dos países vizinhos em 260% para conexões de internet, 312% para a telefonia celular e 65% para as linhas fixas, provocando, segundo o presidente do Banco Central mexicano, Guillermo Ortiz, um impacto direto sobre a “competitividade da nação” 16.
Seria preciso por tudo isto criticar o império de Carlos Slim? No México, ninguém se arrisca. Coluna vertebral da economia do país, o Grupo Carso tornou-se intocável. Com sua “generosidade”, o megaempresário tornou a classe política indulgente, financiando a totalidade dos partidos políticos, principalmente aqueles que se enfrentaram na última eleição presidencial 17. Também beneficiários de sua magnanimidade desde o começo dos anos 1990, os grandes sindicatos evitam qualquer crítica. E, do lado das mídias, o bom senso exige, no México como em outros lugares, que se evite irritar os anunciantes. Slim é o mais importante entre eles.
Para Andrés Oppenheimer, um dos editorialistas mais conhecidos da América Latina, criticar a fortuna de Slim é um ato vão. Seria preciso, ao contrário, “criar uma cultura de caridade que pregue que sejam louvados aqueles que dêem mais, como verdadeiros heróis” 18. Slim parece ter escutado essa “piedosa” exortação – com a ressalva explícita de que não pretende “distribuir sua fortuna a torto e a direito, como um Papai Noel” 19. Mas, em alguns anos, o magnata financiou 100 mil cirurgias, 70 mil pares de óculos, 150 mil bolsas de estudos e 15 mil bicicletas 20.
É só o começo. O filântropo anunciou querer investir 4 bilhões de dólares – um pouco menos de 7% do dinheiro que juntou ao longo dos sete últimos anos – em diversos projetos de caridade e educativos. O setor privado, diz ele, deve “engajar-se intensamente na formação de capital humano e físico”, a fim de formar uma clientela para os seus produtos. Questionado pelo Financial Times sobre a contribuição que poderia dar nessa área, ressaltou sua responsabilidade de fazer o México lucrar com a “experiência do empreendorismo, que pode permitir responder a desafios sociais que ultrapassam a política” 21. Em outros termos, trata-se de fazer com que o país seja gerenciado como uma empresa. Uma das suas, de preferência.
*Renaud Lambert é jornalista.