Compartilhar as responsabilidades
Estimado entre US$ 100 bilhões e US$ 150 bilhões por ano, o custo do combate aos efeitos das mudanças do clima consumirá algo entre 5% a 20% do PIB mundial. Se começarmos a enfrentar o problema desde já, poderemos reduzir esses valores para apenas 1%
Ao estabelecer, como ação voluntária, a redução de emissões de CO2 em um patamar entre 36,1% e 39%, o Brasil leva para Copenhague algo além de números a serem alcançados até 2020. O compromisso é uma evolução de paradigma nas negociações brasileiras junto à Conferência das Partes sobre o Clima, influenciando uma mudança de posição no processo de decisões. Nosso propósito é estabelecer um forte acordo político, um espaço possível e pragmático de negociação, tanto no grupo G-77, quanto entre os integrantes do Anexo I e do Protocolo de Kyoto, os países desenvolvidos que devem entrar com uma cota expressiva de reduções de emissões. De acordo com o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança Climática), o limite máximo de emissões previsto para o século XXI é de 1,8 trilhão de toneladas de CO2 equivalente1. Até 2005, já havíamos lançado 45 bilhões delas na atmosfera, ritmo que nos levará a estourar as previsões iniciais em 2030. Essa limitação nos conduz, sobretudo, à busca urgente de uma nova fórmula para abordar o delicado balanço emissões-desenvolvimento, estabelecendo como objetivo a ampliação de economias de baixo carbono.
Depois de termos participado direta e ativamente de várias rodadas de negociações, apostamos que o pessimismo de alguns e a indiferença de outros serão superados em dezembro. Antes do encontro, algumas nações, tanto desenvolvidas quanto em desenvolvimento, demonstraram ter evoluído no processo de negociações, inclusive anunciando propostas com números de redução de CO2. O quadro contribui para afastar o fantasma do fracasso e nos traz esperanças de que teremos bons resultados para a humanidade.
Tanto os grupos de negociadores instituídos pela Organização das Nações Unidas, que tentam, até a última hora, decidir os rumos do segundo período do Protocolo de Kyoto (AWG-KP), quanto aqueles que vão tratar da visão de longo prazo da Convenção do Clima (AWG-LCA) devem colocar sobre a mesa suas propostas, delimitando seus espaços de negociação, com prioridade para a solução dos principais impasses. É o mínimo que se espera. A expectativa é de que as discussões deixem o terreno do embate entre desenvolvimento e meio ambiente para um consenso sobre a urgência do desenvolvimento com a preservação ambiental. Uma solução a partir dessa visão atenderia tanto os interesses de economias robustas quanto o das menos abastadas no grupo dos países desenvolvidos e, ao mesmo tempo, colocaria em curso as medidas necessárias para que os países de economias sensíveis, no G-77, façam a sua parte na tarefa de salvar o planeta.
O caminho rumo a um modelo de MRV (formas de medir, reportar e verificar) não traria grandes entraves para países como o Brasil. Mesmo porque o Plano Nacional sobre Mudança do Clima, que completa um ano em dezembro, consagra o êxito do nosso sistema de monitoramento do desmatamento, nossa maior fonte de emissões. Nossos processos de mensuramento incluem os serviços de quatro satélites que vigiam a Amazônia em tempo real, gerando relatórios com grau elevado de confiabilidade. Tanto que já existem entendimentos com outros países florestais interessados em importar nosso know-how.
Números ainda preocupantes
Aliando o controle às ações integradas de forças de repressão ao desmatamento e degradação da Floresta Amazônica, reduzimos a área desmatada de 27 mil km², em 2004, para 7 mil km², este ano. É o menor desmatamento em 21 anos desde que começamos o monitoramento. Ou seja, no ano passado, foi desmatado somente um quarto, o recorde de queda para o período dos últimos dez anos. E mais, se tomarmos o maior desmatamento dos últimos 21 anos, vamos verificar que o de 2008 caiu quase 35%, saindo de 11 mil, em 1998, para apenas 7 mil km² em 2008, e pretendemos chegar em 2020 com, no máximo, 4 mil km² de área desmatada. Os números ainda são preocupantes, porém apresentam uma trajetória de queda inquestionável. Para assegurar que não haverá retrocesso, estamos implementando há quatro meses um programa de substituição das atividades econômicas que impliquem em derrubada da floresta. É a Operação Arco Verde, que já atendeu 200 mil pessoas que vivem na floresta Amazônia e dela retiram seu sustento, em geral, com atividades predatórias, que implicam na derrubada da cobertura vegetal e na sua mais nefasta consequência: a degradação. Boa parte dos 25 milhões de brasileiros, habitantes dos estados amazônicos, que representam mais de 63% de todo o nosso território, precisa de alternativas para a sobrevivência, já que, de toda forma, coibir o desmatamento é destruir empregos. Temos que transformar suas atividades predatórias em trabalho sustentável, levando tecnologia e recursos para a geração de empregos na exploração do enorme potencial econômico que representa a floresta em pé.
Cumprir nossas reduções voluntárias implica, ainda, em impor limites de emissões ao setor produtivo, com o desafio de fazer isso sem que a meta de crescimento do país, estimada em 6% ao ano, seja afetada. Tecnologias de produção de baixa emissão de CO2, que já existem no mercado, constituem a base que norteará esse esforço. Nosso Plano Nacional sobre Mudança do Clima prevê incentivos à aplicação e pesquisa de novos métodos, menos agressivos, de geração de riquezas. Naqueles setores que mais emitem, como agropecuária, siderurgia e energia, nossos números de redução de emissões ficarão entre 16% e 18%, com relação aos níveis de 2005, sem que isso afete o ritmo de crescimento da produção previsto para o período 2010/2020. A agricultura, que sempre privilegiou modelos de extensão, já conta com tecnologias eficientes de produtividade, que devem ter seu uso intensificado.
Assim, conteremos a demanda pela abertura de novas áreas destinadas ao incremento da produção, sem comprometer o crescimento da oferta de alimentos para o mercado interno e externo. O esforço no setor, destinado a reduzir suas emissões em 6,1%, será conseguido com o incentivo a ações como a recuperação de pastos, integração lavoura-pecuária (ILP), plantio direto, sistemas agroflorestais e a fixação biológica de nitrogênio. O governo tem avançado nas negociações com as siderúrgicas para que abandonem a madeira nativa como matéria-prima, e utilizem apenas a de áreas reflorestadas para a produção do que estamos chamando de “aço verde”. Estamos comprometidos com a expansão de nosso sistema hidrelétrico de geraç&
atilde;o de energia elétrica, um dos mais limpos do mundo, ao mesmo tempo em que ampliamos nossas exigências de compensação ambiental, obrigando os empreendimentos em termelétricas a plantar milhões de árvores.
Uma única ação de mitigação já nos assegurou, até agora, evitar o lançamento de 2,5 trilhões de toneladas de CO2 na atmosfera, caso fossem mantidos os patamares de crescimento da atividade exploratória da Floresta Amazônica entre 2004 e 2008, agravando o efeito estufa. Portanto, o sucesso do PCCDAm (Plano de Ação para o Controle e Combate ao Desmatamento na Amazônia), lançado há cinco anos, demonstra que já estamos no caminho certo, fazendo a nossa parte. A nível global, defendemos a inclusão de medidas como essa, voluntárias ou não, com ou sem financiamento externo, como NAMAs (National Appropriate Mitigation Actions). Por isso, entendemos que o registro de NAMAs proposto deve contemplar não só os tipos de ações previstas, mas também o resultado efetivo delas, excluindo os vínculos entre os dois.
Os avanços dos países em desenvolvimento na redução de suas emissões de gases-estufa não apresentam as características impositivas de metas protocolares, mas isso não nos parece impedimento para que sejam totalmente transparentes. Um exemplo são as ações previstas para a Fundo Amazônia, que já levantou U$1 bilhão em doações do governo norueguês, com aporte gradativo, ano a ano, vinculado à comprovação de redução do desmatamento medido. Programas como o de incentivo à produção de biocombustíveis e à utilização de energias renováveis, como a hidrelétrica e eólica, o recém-criado Plano de Prevenção de Queimadas e Desmatamento no Cerrado, cuja meta é reduzir em 40% o desmatamento desse bioma, e o “aço verde” são exemplos e justificam uma cobrança efetiva para que as nações desenvolvidas também façam a sua parte.
Estimado entre US$ 100 bilhões e US$ 150 bilhões por ano, o custo do combate aos efeitos das mudanças do clima consumirá algo entre 5% a 20% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial. Se começarmos a enfrentar o problema desde já, poderemos reduzir esses valores para apenas 1%. Esse é o motivo pelo qual as projeções econômicas têm incorporado, em escala cada vez maior, o custo e os riscos do aquecimento global. Desde a Revolução Industrial, que instaurou o modelo econômico baseado no carbono, o planeta já esquentou 0,7°C. Isso representa 35% do limite considerado aceitável até 2100, que é de 2°C. Se não frearmos as emissões a partir de agora, em 2030 teremos chegado a esse nível preocupante. Os números que se apresentam refletem o impacto sobre a oferta de energia, produção de alimentos associada a inundações, desertificação e outras mudanças inevitáveis e dispendiosas. De forma simples, é decidir gastar pouco agora ou ter uma despesa insuportável daqui a 40 ou 50 anos.
A Política Nacional sobre Mudança do Clima, crucial para o enfrentamento do aquecimento global pelo Brasil, aprovada em novembro pelo Senado, não só inclui nossos compromissos de redução, como sinaliza aos demais países integrantes da COP-15 um marco legal que reflete a internalização das medidas propostas. A nova lei nos abrirá, ainda, a possibilidade concreta de alavancar os recursos necessários à mitigação e adaptação, algo em torno de R$ 800 milhões por ano, com a criação do Fundo Clima, o primeiro do gênero no mundo. O novo mecanismo interno, pensado exclusivamente para financiar ações de combate ao efeito das mudanças climáticas, operará com recursos taxados sobre os lucros do setor do petróleo, destinados ao meio ambiente. E mais: a legislação proíbe a administração orçamentária a liberar o dinheiro para ser aplicado, já que prevê que não poderá ser contingenciado, ou seja, retido para gerar superávit. É o que chamamos aqui de dinheiro carimbado, aquele que vai mesmo ser utilizado para o que foi destinado. Quando o fundo estiver consolidado, nosso objetivo é aplicar 70% sobre o montante desses recursos no Nordeste, onde os biomas Caatinga e Cerrado deverão ser fortemente impactados pelo aquecimento global, com redução de mais de 1/3 da economia regional, o que poderá afetar a vida de 14 milhões de pessoas.
Financiando o verde
Há um consenso latente nas conversas sobre fontes de recursos na COP-15: as reduções de emissões nos países em desenvolvimento, voluntárias ou não, dependem de doações e mecanismos de financiamento públicos e privados que implicam na participação efetiva dos países desenvolvidos. Está é a cota deles, que exploraram a maior parte dos recursos naturais em seus territórios e continuam a emitindo os mesmos níveis, mesmo com seus mercados de consumo estabilizados, ameaçando a qualidade de vida no planeta como um todo.
Precisamos sair de Copenhague sabendo qual é o tamanho do esforço econômico que esses países estão dispostos a fazer para frear o aquecimento da Terra. Só isso já seria um grande avanço, mas também precisamos definir onde e de que forma serão aplicados esses recursos. Os mecanismos de mercado, mercado de carbono e REDD (Redução de Emissões para o Desmatamento e Degradação) não podem ser usados para que eles justifiquem o não cumprimento de suas metas, alegando investimentos fora de seu território. A redução das emissões dos países desenvolvidos em suas fronteiras é essencial para manter certo controle sobre o aquecimento, visto que eles respondem por 50% das emissões globais.
Há um debate acalorado, por exemplo, no que diz respeito ao REDD. Espera-se que a COP-15 possa definir um modelo consensual, que considere o REDD dentro de um mecanismo de mercado, pois há o receio dos países florestais de que isso limite o acesso a recursos provenientes de outras fontes, como doações de instituições de fomento e governos em cenários econômicos adversos. O uso de recursos de mercado, numa solução híbrida, poderia servir tanto para a redução do desmatamento, mantendo a floresta em pé, quanto para o incentivo a atividades econômicas alternativas. É importante também que REDDs e NAMAs sejam considerados separadamente. As regras ainda não são claras no que diz respeito a mecanismos de mercado. O desafio que se avizinha é evitar que, sob determinadas condições, eles se transformem em instrumentos para inflar metas dos países desenvolvidos. Defendemos que a utilização de mecanismos compensatórios (offsets, mercado de carbono) seja considerada apenas em ambientes onde se consiga garantias plenas de que seu emprego será destinado a assegurar a integridade ambien
tal planetária em sua totalidade e que promova o desenvolvimento sustentável. Enfim, sempre que ações de redução de emissões nos países que não têm isso como obrigação sejam propostas, que elas venham associadas à responsabilidade de os Estados desenvolvidos entrarem com apoio financeiro.
Decisões urgentes
Precisamos compartilhar a responsabilidade pelo planeta. Há espaço considerável nos mecanismos de mercado para que os países desenvolvidos complementem seus esforços domésticos, sem querer levar vantagem no que diz respeito ao desenvolvimento. As dificuldades em Copenhague são imensas, mas a necessidade de evitar adiamentos nas decisões ou mesmo o fracasso delas é imperativa. O tratamento diferenciado às situações diferenciadas de cada nação é o caminho mais rápido a ser percorrido. E as diferenças deverão ser consideradas tanto na relação entre os países do G-77 e países desenvolvidos quanto internamente em cada um dos grupos.
O Brasil, ao apresentar seu ousado compromisso de redução de emissões, ancorado numa queda do desmatamento na Amazônia em 80% até 2020, tendo como base os níveis decenais entre 1996 e 2005, parte de uma posição privilegiada. Mesmo signatários do Protocolo de Kyoto, não somos obrigados a nos comprometer com metas e ainda assim defendemos um acordo amplo na Convenção do Clima, em torno de números concretos. Recebemos críticas internas e externas por abandonar a comodidade proporcionada pelo fato de estarmos fora do Anexo I, e optamos por assumir a vanguarda na luta pela redução das emissões. Outros países, como a Coreia do Sul e a Indonésia, mesmo com compromissos mais tímidos que os do Brasil, aderiram à ideia e já apresentaram seus números, merecendo todo o nosso incentivo e apoio. Estamos lutando para que mais e mais integrantes da COP-15 reconheçam a necessidade urgente de medidas de combate ao aquecimento global e coloquem suas cartas na mesa de negociações. Temos a melhor chance de conseguir bons resultados agora, na Conferência de Copenhague. Uma confluência de fatores, como a iniciativa desses países, vem produzindo o efeito de desestimular posições de alguns em defesa do adiamento ou do abandono de um compromisso formal de metas. Até os Estados Unidos e a China, sob a pressão da opinião pública mundial, voltaram atrás em declarações contra a apresentação de metas, embora assumam números de forma ainda acanhada.
Existem, é claro, elementos que precisam ser considerados na COP-15, defendidos pelo Brasil como pré-requisitos para um bom acordo. Um deles é o reconhecimento do limite de 2°C para o aquecimento, preconizado pelo IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança do Clima). Em consequência, o nível de emissões previstas para o século não deve de forma nenhuma passar dos 1,8 trilhão de toneladas CO2. E, por último, é preciso que os países desenvolvidos assumam imensa responsabilidade pelo aquecimento global. Se o acordo, que certamente sairá da Conferência do Clima em Copenhague, atender a essas premissas, janeiro de 2010 será o ano em que começaremos, de fato, a dar garantias às futuras gerações de que um planeta mais saudável estará aguardando por elas.
*Carlos Minc é ministro do Meio Ambiente. Suzana Kahn é secretária de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente.