Contra a “equidade”
Sob a justificativa de poupar o resto da sociedade de gastos desnecessários, o primeiro-ministro britânico decidiu aumentar as taxas de matrículas nas universidades. Sua próxima etapa é conhecida de antemão; os Estados Unidos já passaram por essa experiênciaSerge Halimi
Na época em que vivemos, os liberais se preocupam com os pobres. No Reino Unido, por exemplo, o primeiro-ministro David Cameron, inspirado por seu predecessor trabalhista Tony Blair, quer aumentar maciçamente as taxas de matrícula na universidade. Isso supostamente deveria se tratar de uma medida social. Objetivo? Não cobrar do conjunto dos contribuintes o financiamento dos estudos superiores dos que, em sua maioria, provêm das camadas sociais mais favorecidas. O Estado realiza uma economia; os pobres dispõem de bolsas. Há três anos, na França, o editorialista Jacques Julliard já alertava que “a gratuidade é uma subvenção aos ricos que mandam seus filhos para a universidade”. Fazer pagar taxas elevadas constituiria, então, uma reforma igualitária…
A magnitude dos déficits públicos permite estender essa lógica ao conjunto dos benefícios sociais, colocando em questão seu caráter universal. Os programas de redistribuição de renda, para começar. “Para além de certa faixa [de renda], não dá para perceber o efeito da bolsa. Aqui, o dinheiro do Estado é gasto em vão”, reiterou o ex-ministro da Juventude, Educação e Pesquisa (2002-2004), o direitista Luc Ferry, cuja posição foi repetida pelo ex-primeiro-ministro socialista Laurent Fabius (1984-1986).
Em seguida vem a cobertura do sistema de saúde: evocando seu pai, “hospitalizado por 15 dias em serviços de ponta”, Alain Minc – conselheiro do presidente francês Nicolas Sarkozy que, no entanto, é próximo da líder do Partido Socialista Francês, Martine Aubry – fingia estar ofendido com o fato de “a comunidade francesa ter gastado 100 mil euros para cuidar de um homem de 102 anos […]. Será preciso se questionar para saber como nós recuperamos os gastos médicos com os muitos idosos envolvendo seu patrimônio ou o de seus herdeiros. Caberá ao programa socialista de propô-lo”.
Por fim, é a vez das pensões dos aposentados: a revista semanal liberal The Economist lamentou que George Osborne, ministro das Finanças britânico, não tivesse sistematizado seu ataque “contra o princípio do universalismo próprio do sistema social. Ele poderia, por exemplo, ter visado os benefícios custosos concedidos aos aposentados independentemente de suas rendas.”
Assim, os liberais parecem se preocupar com a “equidade” da redistribuição depois de terem diminuído a progressividade do imposto… Sua próxima etapa é conhecida de antemão; os Estados Unidos já passaram por essa experiência: nos sistemas políticos dominados por classes médias e superiores, a amputação dos serviços públicos e benefícios sociais se torna uma brincadeira de criança quando as camadas sociais mais privilegiadas param de aproveitá-los. Elas avaliam, então, que essas vantagens alimentam uma cultura de dependência e da fraude; o número de beneficiários se reduz; uma verificação rigorosa é imposta. Conceder benefícios sociais sob condição da falta de recursos é programar o desaparecimento deles.
Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).