COP29: rumo ao autoritarismo fóssil do Azerbaijão
As conferências do clima, nos últimos anos, ocorreram em países nada democráticos, repletos de problemas com relação aos direitos humanos e representando evidentes conflitos de interesse por suas matrizes recheadas de combustíveis fósseis
A cúpula climática COP29 das Nações Unidas ocorrerá no início de dezembro no Azerbaijão. A escolha do país para sediar a conferência foi mais um erro do modelo organizacional pouco criterioso das Nações Unidas. A ONU foi fundada para zelar pela paz global, cuja essência é o respeito aos direitos humanos. Não é o que se percebe no Azerbaijão.
Em setembro de 2023, as forças azeri recapturaram a região de Nagorno-Karabakh, controlada pela rival Armênia por quase três décadas. A região de absoluta maioria étnica armênia pleiteia sua liberdade há trinta anos e agora está sob um intenso êxodo de residentes, que temem um genocídio.
Nos dias de hoje a especialidade autocrática do Azerbaijão tem sido atemorizar e prender jornalistas e críticos ao regime autoritário, que já dura 21 anos. O presidente Ilham Aliyev é aliado de Vladimir Putin e a Rússia se recusou a aceitar a Bulgária como sede para a COP29, empurrando a conferência para o Azerbaijão.

Segundo o Washington Post afirmou em editorial em 19 de março, “Aliyev dirige uma máquina cleptocrática de lavagem de dinheiro que recompensa sua elite com as riquezas de petróleo e gás do país. Este é o terceiro ano consecutivo que o evento da COP será realizado em uma ditadura, depois do Egito, em 2022, e dos Emirados Árabes Unidos, em 2023”.
Matérias de diversos jornais europeus apontam o autoritarismo em vigor no Azerbaijão, com fechamento de jornais e TVs para sufocamento de opiniões críticas e independentes. A Toplum TV e a Plataforma para a Terceira República, que defendem uma transição para a democracia, foram acusadas de contrabando de moeda, fato comumente forjado para deter dissidentes políticos.
Nos últimos anos o governo do Azerbaijão jogou na prisão mais de noventa ativistas de direitos humanos, políticos da oposição e jornalistas.
Segundo matéria do Washington Post, “Khadija Ismayilova, editora da Toplum TV, uma das jornalistas investigativas mais respeitadas do Azerbaijão, ex-chefe do escritório de Baku da Radio Free Europe/Radio Liberty, ficou presa por um ano e meio em 2014 sob acusações espúrias de evasão fiscal e peculato depois de expor a corrupção no regime de Aliyev. Ela insistiu que o veículo não infringiu nenhuma lei”.
As denúncias de Ismayilova foram também reiteradas pelo Global Anti-Corruption Consortium. “A máquina de lavar dinheiro do Azerbaijão é uma complexa operação de lavagem de dinheiro e fundo de roubo que movimentou US$ 2,9 bilhões em um período de dois anos por meio de quatro empresas de fachada registradas no Reino Unido”. Entre os beneficiados pelo esquema figura Ali Nagiyev, responsável por combater a corrupção no Azerbaijão.
O projeto de investigação fez parte da colaboração iniciada pelo Organizad Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP) e pela Transparência Internacional. Envolveu veículos de comunicação de quinze países, como The Guardian (UK), Le Monde (França), Barron’s (Estados Unidos) e Tribune de Geneve (Suíça).
O Azerbaijão, com mais de 50% de sua economia baseada na indústria de petróleo e gás, além de ser um dos regimes mais repressivos de acordo com a Freedom House, possui a “área ecologicamente mais devastada do mundo”. A cidade de Sumqayit é um cemitério de produtos químicos a céu aberto apelidada de “Armagedom ecológico”.
O Azerbaijão não tolera protestos públicos e usa táticas para se legitimar como ecologicamente correto. Em 2023, Bill Laurence, um proeminente acadêmico australiano, denunciou que o Azerbaijão procurou professores no exterior para assinar artigo produzido pelo governo para legitimar o país na área ambiental. Este é o temor de ativistas ambientais, de que o fato de país sediar a COP29 vire mera propaganda para mascarar a realidade antiambiental do país.
Além de um território político minado pela influência do petróleo e gás, com corrupção comprovada, o Azerbaijão irá liderar a COP29, protagonizando claro conflito de interesses.
O coordenador da COP29, designado pela presidência, será o atual ministro dos Recursos Naturais Mukhtar Bahadur Babayev, que foi por longo período principal executivo da SOCAR, a companhia estatal de petróleo. Qualquer semelhança com o líder da COP28 nos Emirados Árabes Unidos, principal executivo da petrolífera ADNOC, Sultam Al Jaber, não é mera coincidência.
Enquanto isso, as autoridades continuam a manter na prisão Gubad Ibadoghlu, economista de 52 anos que frequentemente questiona por que os vastos recursos de petróleo e gás do Azerbaijão não foram investidos para tornar seu país mais próspero e democrático.
Ibadoghlu foi pesquisador do Instituto de Estudos Avançados de Princeton (Estados Unidos), bolsista Reagan-Fascell no National Endowment for Democracy e, mais recentemente, professor na London School of Economics and Political Science (Reino Unido).
A mídia internacional tem relatado sua luta por liberdade e salubridade. Preso injustamente em 23 de julho em Baku, sofre acusações falsas envolvendo dinheiro em espécie que a polícia “encontrou” em seu escritório.
Ibadoghlu descreve que as condições nos centros de detenção são atrozes e que seus problemas de saúde estão se tornando mais graves, incluindo diabetes e hipertensão e que as autoridades negaram seus pedidos de tratamento por um médico independente. Ibadoghlu disse acreditar que está sendo “tido como um exemplo para assustar os azeris que podem desafiar Aliyev”.
A pergunta gritante neste processo é: sendo o mecanismo de participação social um dos maiores elementos de pressão para estimular acordos climáticos, como será possível exercer, durante a COP29, este direito de controle social democrático em um país extremamente autoritário como o Azerbaijão?
A COP29 poderá estar fadada a um fracasso ainda mais preocupante do que o das conferências anteriores, considerando o quadro atual de estado de urgência imposto pela emergência climática.
A conferência prenuncia um palco de denúncias internacionais sobre violação de direitos humanos e perda do protagonismo multilateral para o avanço no combate às mudanças climáticas, especialmente quanto às escolhas dos países-sede, que estão colocando raposas para tomar conta do galinheiro.
Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam).