A Presidência da COP28 e o papel da liderança instrumental na agenda do clima
Além do interesse das potências, da sociedade civil e da atuação das empresas, cada vez mais se verifica que a liderança formal de uma COP pode influenciar as chances de acordo
Quando o sultão Al Jaber, CEO da Abu Dhabi National Oil Company (Adnoc), petrolífera estatal dos Emirados Árabes Unidos, foi anunciado em janeiro de 2023 como presidente da 28ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro do Clima (COP28), houve diversas repercussões por parte da comunidade internacional, sobretudo dos ambientalistas. O fato de se tratar de um representante do pujante setor petrolífero do país pareceu não fazer sentido com a necessidade de descarbonização das economias, tão defendida nas últimas COPs. No entanto, qual o papel da presidência em uma conferência multilateral?
A obtenção (ou não) de um acordo em qualquer agenda internacional depende de uma série de variáveis – em sua maioria externas à própria conferência/negociação em si. Se (como em 2015, em Paris) os dois maiores emissores históricos, Estados Unidos e China, assumem postura cooperativa, a chance de acordo é, sem dúvida, maior. Por outro lado, apenas a proatividade desses atores não garante um documento final robusto e inclusivo, como verificado na COP15.
Quais outros atores definem o que resultará do processo de negociação? Além do interesse das potências, da sociedade civil e da atuação das empresas, cada vez mais se verifica que a liderança formal de uma COP pode influenciar as chances de acordo (e sua natureza). As regras da (UNFCCC) especificam que a posição da presidência de uma COP é normalmente sujeita à rotatividade entre os cinco grupos regionais da ONU – África, Ásia, Europa Central e Leste Europeu, América Latina e Caribe e Europa Ocidental e Outros (Regra 22.1). Desde a criação desta convenção, uma tradição informal também foi desenvolvida, baseada em uma prática comum do sistema ONU: o local de uma COP usualmente rotaciona entre os grupos regionais, juntamente com a posição da presidência, que é eleita na abertura da conferência (em um rito pró forma, uma vez que a identidade do presidente é revelada até um ano antes) e o cargo é geralmente ocupado por um ministro da área ambiental/desenvolvimento.
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Essa dinâmica se mostra evidente no recente desafio diplomático que foi a definição da sede da COP29. Tanto a Bulgária como a Armênia foram vetadas pela Rússia por causa de divergências envolvendo o país com a União Europeia dado o contexto da guerra contra a Ucrânia. Desse modo, ficou com o Azerbaijão a responsabilidade de conduzir o evento, país com 75% de sua economia baseada na produção de combustíveis fósseis.
No caso específico da COP28, chama a atenção o perfil inusitado desse ator. Sultão Al Jaber, além de CEO da estatal Adnoc, é ministro da Indústria e Tecnologia Avançada dos EAU e enviado especial do país para as alterações climáticas, cargo que ocupa desde 2010 (com um breve intervalo entre 2016 e 2020). O que o distingue das demais presidências é seu perfil ligado ao mercado energético e sua posição abertamente contrária à eliminação de combustíveis fósseis como caminho para a diminuição de emissões de GEE. No dia 3 de dezembro, Al Jaber chegou a afirmar que que “não há ciência” indicando ser necessária uma eliminação progressiva dos combustíveis fósseis para restringir o aquecimento global a 1,5 ºC. Também afirmou que a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis não permitiria o desenvolvimento sustentável “a menos que se queira levar o mundo de volta às cavernas”. Antes do início da COP, comentários realizados durante live em 21 de novembro foram considerados “incrivelmente preocupantes” e “beirando o ceticismo climático”.
Quando o primeiro rascunho do texto final foi divulgado, houve uma reação imediata de alguns atores, sobretudo da sociedade civil, em razão da linguagem vaga do texto em relação à eliminação gradual de combustíveis fósseis. Passado esse momento, na semana que encerra a conferência, é razoável afirmar que o texto final da COP28, a despeito dos esforços de atores, como os pequenos Estados insulares e os protestos de uma sociedade civil cada vez mais presente e crítica, é reflexo dessa liderança cética e de um multilateralismo à deriva em um mar de lama e de interesses escusos.
Mariana Balau Silveira é professora do Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas e membro do Painel de Peritos da Convenção Quadro da ONU sobre as Mudanças do Clima.
Victor de Matos Nascimento é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da PUC Minas.