Mercado tenta monopolizar discussões na COP28
Para sociedade civil, falta discutir o que realmente importa: conservação ambiental, proteção da biodiversidade, recuperação dos rios e valorização dos povos e comunidades tradicionais
A presença de executivos de grandes empresas poluidoras – as maiores responsáveis pela crise climática – chama atenção nesta edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP28). A coalizão Kick Big Polluters Out, que reúne 450 organizações ao redor do mundo, contabilizou um número recorde de representantes do setor de combustíveis fósseis no evento, que têm usado o espaço da conferência para fechar negócios e até mesmo influenciar a decisão final da negociação global. São 2.400 “lobistas” presentes, alguns registrados como parte de delegações governamentais.
Mas não é só o setor de combustível que tem aproveitado a passagem por Dubai: setor financeiro, mineradoras e grandes indústrias de alimentos processados também têm aproveitados a oportunidade para vender o seu peixe contaminado e empacotado em plástico, e por um valor alto. Na segunda-feira (4), a empresa Vale esteve presente como painelista do debate sobre a Política Nacional de Transição Energética, no Pavilhão Brasil. A diretora de energia e descabonização da companhia falou sobre potencial do país, mediada pelo Secretário Nacional de Transição Energética e Planejamento do Ministério de Minas e Energia. O discurso revoltou os membros da sociedade civil que estavam presentes.
Thiago Guarani confrontou a empresa, destacando a questão do território indígena: “Vocês falam de transição energética, mas são vocês que ameaçam nossos territórios. Na prática, são as nossas vidas que vocês colocam em risco todos os dias. Lembrem-se do que fizeram com o Rio Doce.” Segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens, são oito anos de espera de 262 famílias que tiveram suas casas devastadas pela lama. Ainda não há prazo para elas receberem suas novas moradias. Até novembro passado, a organização contabilizava 55 pessoas que morreram aguardando resolução de seus casos, sem ver compensação pela tragédia irreparável. Apesar disso, o que a empresa apresenta na COP28 é a imagem de uma Vale responsável.
Conferência ou feira?
A presença de grandes poluidores também revolta Lourdes Nascimento, coordenadora geral da Rede Cerrado. Em ato da sociedade civil pela conservação da savana brasileira realizado no espaço da COP28, na última quarta-feira (6), a agricultora mineira declarou sua surpresa ao participar pela primeira vez de uma Conferência do Clima: “Achei que este fosse um espaço para construir estratégias para combater o desmatamento e o efeito estufa. Ninguém está falando das catástrofes [climáticas]. Será que eu que sou tão ignorante? Esse deveria ser um espaço para se discutir outras coisas que não o comércio”, criticou.
“Não cabe num espaço que se discute clima, tratar de mercado de carbono e de mineração. É uma comercialização”, ela complementa com estranhamento. Quando perguntada sobre o que gostaria de ver em pauta neste evento que reúne 50 mil pessoas diariamente, Nascimento responde rápido: “Queria que fosse discutida a recuperação das matas, o desmatamento zero, que os rios tivessem respeitados seus 30 metros de margem [de mata ciliar]. Eu fico sonhando que um dia vamos conseguir tirar os nossos rios das mãos de empresários e fazendeiros que não deixam a gente nem plantar uma muda.”
Balanço global
Outra que tem sido assunto nos espaços brasileiros é a petroquímica de origem brasileira Braskem. Protagonizando uma situação de emergência ambiental em Maceió, em que o solo está em processo de afundamento por consequência da exploração de sal-gema, a companhia cancelou a agenda que tinha na COP28. Até o momento, milhares de pessoas foram evacuadas de suas casas e o chão de bairros densamente povoados continua cedendo. O espaço da Confederação Nacional da Indústria (CNI) na Conferência é o local onde a maioria dessas companhias se reúnem. Localizado a muitos metros de distância do Pavilhão Brasil, onde a sociedade civil faz barulho, o espaço exibe programação extensa de sustentabilidade. Pelos próximos dias, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que representa o agronegócio brasileiro, realiza uma série de painéis no local, apesar do setor ser um dos mais responsabilizados por crimes ambientais no país.
Enquanto isso, há muitas expectativas sobre as resoluções desta edição, que serão apresentadas no texto final do Global Stocktake. Nesta semana, a UNFCCC (United Nations Framework Convention on Climate Change) apresentou um documento provisório resultante das negociações, que deve definir a ambição e a ação climática para os próximos anos, além de corrigir os rumos das metas nacionalmente determinadas (as famosas NDCs). Até o momento, as contribuições voluntárias dos países não seguram a temperatura no limite de 1,5ºC, que é a meta do Acordo de Paris. O desejo de especialistas e da sociedade civil é que esta seja de fato uma resolução efetiva e não demagógica. A versão final do balanço global será definida até o fim da edição da COP28, quando mais de 190 países chegarem a um consenso. Para lideranças de povos e comunidades tradicionais, o enfrentamento às mudanças climáticas só terá efeito quando as comunidades locais puderem sentar-se nas mesas de negociação. Mais povo, menos empresas.
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