COVID -19 – um vírus que perfura a retórica política
O historiador americano David Landes já havia apontado em sua obra “A riqueza e a pobreza das nações: por que algumas são tão ricas e outras tão pobres” (1998) que o aumento considerável da expectativa de vida nos dias de hoje se deve mais às conquistas na área preventiva e à disseminação dos hábitos de higiene do que a melhores remédios.
Na busca da sobrevivência, o coronavírus (COVID -19) desafia os sistemas comunicacionais. Tal qual o ser humano, o vírus busca continuar a existir, proliferar e comunicar. Sim, pode parecer bizarro, mas se concebermos a ideia de que a comunicação demanda por conexões, um vírus não estaria em situação diferente de todos outros seres vivos.
A comunicação está nas conexões neuronais requeridas pelos processos de aprendizagem, está na simples leitura de um texto ao estarmos aptos a decodificar os elementos que formam uma ideia.
Entretanto, até mesmo com a tecnologia do século XXI não somos capazes de eliminar a enorme quantidade de doenças causadas por vírus, bactérias, protozoários e fungos.
O que sempre solucionou foi saber como evitar ser contaminado. O historiador americano David Landes já havia apontado em sua obra “A riqueza e a pobreza das nações: por que algumas são tão ricas e outras tão pobres” (1998) que o aumento considerável da expectativa de vida nos dias de hoje se deve mais às conquistas na área preventiva e à disseminação dos hábitos de higiene do que a melhores remédios.
Ele destacou que, por muito tempo, o grande assassino foi a infecção gastrintestinal, transmitida dos dejetos às mãos, destas aos alimentos e ao aparelho digestivo; e esse inimigo invisível, mas letal, onipresente, era reforçado de tempos em tempos por micróbios epidêmicos. Informar e introduzir o hábito de lavar as mãos foi o mecanismo comunicacional mais eficaz.
Embora para o COVID -19 lavar as mãos não seja o suficiente, ampliar as práticas de higiene elimina o vírus por impedir a sua continuidade; rompe-se um processo comunicacional.
Quando comunicar?
A resposta é simples: se o novo coronavírus surgiu em dezembro de 2019 na cidade de Wuhan, na China, na mesma ocasião todos os países deveriam iniciar os investimentos comunicacionais, isso porque o objetivo de sobrevivência de um vírus pode ser plenamente satisfeito em tempos de deslocamentos globais. Não obstante, é possível que ele seja atenuado em épocas de hipervelocidade da comunicação.
“Estranhamente” no período de carnaval os principais canais de televisão do Brasil não davam destaque ao coronavírus. Aparentemente, a diluição das informações ao tamanho do vírus, possa ter ocorrido por ocasião dos investimentos que tinham que retornar aos patrocinadores.
Ironicamente seria uma informação privilegiada divulgar algo sobre o vírus. Quem ganharia seria a população e não as empresas.
Na lógica capitalista, como diria o personagem Jensen do filme Network (1976): “Há um vasto, entrelaçado, interatuante, multivariado, multinacional, domínio de dólares! É o sistema monetário internacional que determina a vida deste planeta! O mundo é um coligado inexorável determinado pelas imutáveis leis do negócio!”
Sim, negócios somados ao poder. Veja-se o caso do presidente brasileiro ao dizer que “Outras gripes mataram mais que essa”. Alguém que dispensa filtros ou porta-voz tem uma única característica boa, a de revelar mais rapidamente sua limitação uma subserviência da qual somos reféns.
Então, depois de sua viagem de visita a Donald Trump, tal qual a sombra do personagem do filme “O sétimo selo” de Ingmar Bergman, ele não apenas encontra a peste em seu país, mas depara-se com o risco de estar contaminado. Com qual jogo desafiará a mazela que ignorou?
Ademais, não será a sua petulância ou o gesto de bananas que responderá sobre a capacidade dos hospitais brasileiros em atender à população. Na antítese do capitão, o presidente é o primeiro nas evasivas de um governo à deriva.
Renato Dias Baptista é professor associado da Universidade Estadual Paulista. E-mail de contato: [email protected]