Crescimento sem ortodoxia
A economia nipônica ressurge. Surpresa: a causa principal é a adoção de culturas econômicas opostas às sugeridas pelo neoliberalismoSanford M. Jacoby
Japão: o regresso? As despesas das famílias estão mais estáveis e as condições do emprego mais favoráveis. Primeira vez em quinze anos, a Toyota prevê contratar três mil pessoas. O grupo está a ponto de ultrapassar a General Motors e se tornar o primeiro construtor mundial de automóveis. As companhias financeiras e de serviços não ficam atrás. O arquipélago não via um crescimento econômico assim rápido desde o final dos anos 1980.
A retomada começou há quatro anos, mas numerosos observadores estrangeiros ainda não reconheceram a realidade. Talvez prefiram, em uma espécie de alegria maligna, falar das desgraças desse país. Talvez essa retomada pareça controversa ou mesmo quimérica, porque vai contra a “sabedoria” convencional.
De 1990 a 2001, o Japão viveu um marasmo. Os especialistas atribuíram a causa disso a sua forma particular de capitalismo. Acusavam os seus mercados de serem excessivamente controlados e protegidos pelo governo, os seus atores econômicos de terem falta de espírito empresarial, as suas empresas de serem hostis às demissões e de não se interessarem o suficiente pelos acionistas. Durante esse período, a economia norte-americana surfava na crista da onda. Para os especialistas, os japoneses tinham apenas um caminho a copiar: o dos Estados Unidos. Os remédios propostos para relançar o crescimento nipônico continham exatamente os mesmos ingredientes que se supõe terem erguido a economia norte-americana nos anos 1990: desregulamentação, empreendedorismo, papel preponderante dos dividendos e do valor “líquido”.
Novos papéis para o Estado
Apesar da arrogância desses mensageiros, certos japoneses tomaram a mensagem seriamente. Em especial os governos de Junichiro Koizumi e os seus antecessores, que avançaram no rumo da desregulamentação e da privatização de setores como telecomunicações, transportes, energia, finanças e, mais recentemente, o correio. No entanto, o Japão não teve a mesma abordagem que os Estados Unidos e seria mais justo falar de “re-regulação”, de acordo com a expressão do pesquisador de ciência política Steven Vogel [1]. O Estado continua a intervir para estabilizar as novas configurações do mercado.
Esforços privados, mas também públicos, foram realizados para incentivar a criação de empresas de elevada tecnologia e para criar um mercado de capital de risco. A imprensa incensou jovens empresários, como Masayoshi Son, dirigente do Softbank, e Takefumi Horie, do Livedoor (ler texto nesta edição). Abriu-se a porta para um capitalismo mais selvagem. Se, no passado, era socialmente indecente para empresas nipônicas lançarem-se em aquisições hostis, no final dos anos 1990 apareceram os predadores, como Yoshiaki Murakami, que dirigiu um fundo de investimento especializado na aquisição de ações unicamente para aumentar os benefícios dos acionistas.
Por fim, o governo Koizumi alterou a legislação comercial para facilitar ? mas não impor ? a “governança da empresa” no mais puro estilo norte-americano, que coloca os acionistas no centro da sociedade. Novas disposições permitiram aos detentores de capitais emitir títulos ou opções de compra de ações e adotar um sistema de diretores independentes da empresa como no modelo dos EUA.
Contudo, um bom número de grandes empresas nipônicas mostrou pouco entusiasmo em relação a essas mudanças, atribuindo o fraco crescimento do país a erros de políticas governamentais, como a falta de vigor com a qual a crise bancária foi resolvida e a excessiva política de rigor monetário prosseguida pelo Banco do Japão. Por muito tempo essas dúvidas exprimiram-se a meia voz. Mas o tom da dissidência subiu após 2001, quando a economia norte-americana foi tocada por escândalos como o da Enron e a bolha financeira estourou. Mais ou menos neste momento, a economia japonesa emergiu da crise.
Um modelo empresarial distinto
Proprietários como Fujio Mitarai, o antigo presidente da Canon, ou Horoshi Okuda, presidente de Toyota, recusaram a idéia de que haveria apenas uma única maneira ? norte-americana ? de organizar a economia. Pelo contrário, Canon e Toyota continuaram a reservar os conselhos de administração das empresas a profissionais, pagar os líderes modestamente e limitar as dispensas de pessoal [2]. De acordo com Mitarai, “a vantagem do emprego para sempre se deve ao fato de os empregados absorverem a cultura da empresa durante a sua carreira. Por conseguinte, desenvolvem um espírito de equipe ? a vontade de proteger a marca da sociedade e de se superar para vencer as crises. Penso que esta prática do emprego é condizente com a cultura japonesa e representa a nossa principal vantagem para tentar sobreviver à concorrência mundial” [3].
O que Mitarai quer sublinhar é que a Canon quer tirar vantagem da sua diferenciação frente aos concorrentes mundiais ? a particularidade (“marca”) dos seus produtos e a estrutura subjacente da empresa que permite produzi-los. Embora o argumento possa despertar ceticismo, é fato que grupos como a Canon e a Toyota são sensíveis às normas sociais e procuram tirar o melhor partido disso. As grandes firmas nipônicas vêem-se mais como comunidades do que como propriedade dos acionistas. Esta comunidade compreende os acionistas, é óbvio, mas também os empregados, os clientes, os fornecedores e os credores. Antes de maximizar o valor “líquido” ? credo americano ? os proprietários pretendem equilibrar o interesse comum da comunidade, a fim de assegurar o sucesso da empresa no longo prazo.
Esse modelo de empresa não é perfeito, mas é necessário. Durante os anos 1990, enquanto o crescimento girava em marcha lenta, os grandes grupos adaptavam-se à estagnação dos pedidos reduzindo as contratações — o que, como na Europa, fez pesar a carga do desemprego sobre os jovens. Além disso, o modelo não incentivava um nível elevado de risco e espírito empresarial capaz de criar novas sociedades para lançar novos produtos. Os japoneses têm, antes, tendência de desenvolver essas inovações dentro das sociedades existentes. Preferem, igualmente, trabalhar para melhorar permanentemente a qualidade e a eficácia dos seus produtos ? um fenômeno facilitado por um elevado nível de formação dos assalariados e uma estratégia concebida a longo prazo.
Comunidades, criação e eficiência
Do mesmo modo, em vez depender do capital de risco para criar empresas, as firmas reinvestem os seus lucros em sociedades criadas por enxameação ? essencialmente firmas novas estabelecidas pelas antigas ? e pesquisa. De acordo com a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2005 o Japão estava na altura dos países industriais avançados por sua taxa de pesquisa e desenvolvimento [4]. Enquanto a sua população (130 milhões de habitantes) representa menos da metade da dos Estados Unidos, o país se coloca na segunda posição após os norte-americanos e antes da União Européia, em relação ao número de patentes requeridas. Sua produtividade em matéria de inovações excederia largamente a dos Estados Unidos ou da União Européia, se a estimativa fosse fundada sobre o número de invenções per capita.
O Japão não opôs um concorrente viável ao Ipod (o tocador de mp3 do grupo norte-americano Apple), mas poucas pessoas percebem que 70% dos materiais semicondutores provêm do arquipélago. Este não possui grandes marca de telefonia celular, mas as que vêm da Finlândia, dos Estados Unidos e da Coréia do Sul são recheadas de componentes japoneses. Quanto a isso, o Silicon Valley, nos Estados Unidos ainda não se restabeleceu da sua implosão de 2001.
Um pequeno grupo de empresas japonesas certamente procurou imitar as práticas norte-americanas. No entanto, os desempenhos recentes de Sony, líder desse grupo, não atingem os de firmas tradicionais, como a Canon e a Toyota. Esse resultado não se sustenta pelo modelo baseado no valor líquido. Do mesmo modo, a detenção, em janeiro de 2006, de Takefumi Horie por desvios financeiros deu um golpe aos que faziam o mesmo papel de empresário arrogante e agressivo, necessário para voltar a dar vitalidade ao país. A reputação do primeiro ministro Junichiro Koizumi, um dos seus principais partidários, sofreu igualmente, no episódio.
Cansados das (contra-)reformas
O Japão atual não se assemelha ao de 1990. Sua economia é menos regulamentada e mais aberta que anteriormente. No entanto, as suas principais instituições econômicas, tanto no nível do mundo dos negócios quanto no do Estado, mudaram pouco. As reticências diante das mudanças não são prerrogativas dos lugares privilegiados, como os conselhos de administração das empresas ou os escritórios ministeriais. O japonês médio está cansado das reformas que levam a níveis de risco e de desigualdade sempre mais elevados. O país se orgulha da sua coesão social. Embora tenha enfraquecido em relação às décadas do pós-guerra, ela permanece mais forte que a existente no mundo anglo-saxônico, como testemunha a desigualdade dos rendimentos.
Se a retomada japonesa não é devida a uma mudança institucional profunda, a que atribuí-la? À China, que se tornou o primeiro parceiro comercial, à frente dos Estados Unidos, e que representa um fator importante dessa recuperação. Há também outras razões. As empresas investem em toda a Ásia e desenvolveram novas relações comerciais, principalmente com a Índia. Outro fator: a confiança reencontrada dos consumidores e o otimismo dos investidores (que John Maynard Keynes chamava de “os espíritos animais”), que se auto-alimentam e geram o crescimento. Sem esquecer das fusões bancárias pilotadas pelo governo, que colocaram de pé o setor financeiro; uma política monetária menos rigorosa dirigida pelo diretor do Banco do Japão, Toshihiko Fukui, que prosseguiu, até às últimas semanas, em uma política de taxas de juro zero.
Uma constatação se impõe: os especialistas tendem a subestimar a importância, para o crescimento, de medidas macroeconômicas apropriadas, como a política fiscal dos Estados Unidos nos anos 1990 ou a política monetária atual do Japão. Inversamente, perderam-se, procurando um conjunto ótimo de soluções no nível das “micro” instituições como a estrutura das firmas (como tudo que está ao redor da governança) ou das indústrias (como a lei antitruste…).
Dado que a economia norte-americana conhecia o crescimento mais rápido nos anos 1990, infelizmente deduziram que esta abordagem do capitalismo representava a melhor solução para os problemas que a globalização colocava às economias industriais avançadas. Mas com um pouco de sorte, pode-se pensar que est