Dados abertos governamentais na Web
Propostas para a gestão transparente da informação via internet, com amplo acesso e divulgação dos dados públicosCarlinhos Cecconi
Para algumas pessoas pode parecer estranho tornar disponíveis dados na web e permitir que terceiros, por vezes anônimos, possam usá-los e associá-los a outros dados, produzindo novos significados e utilidades. Para estas pessoas cabe tranquilizá-las: o conceito não se refere a dados privados ou confidenciais. O movimento dos “dados abertos” não pretende colocar ninguém em situações de risco. Dados abertos referem-se fundamentalmente a dados públicos.
A importância desse debate reside também no fato de que hoje as possibilidades de interações humanas propiciadas pelo avanço da tecnologia, principalmente o da internet e web, é muito além do que podíamos imaginar há pouco mais de dez anos.
A Web é um fenômeno bem recente entre nós. No Brasil, a internet começou seu crescimento exponencial em meados dos anos 1990. Pouco mais de uma década, portanto. Hoje, notícias econômicas já nos contam que no último dia das mães o computador ultrapassou todos os eletrônicos domésticos como intenção para presentes a serem adquiridos pelos filhos1. Estamos, nós e nossas mães, cada vez mais digitais.
A genial criação e junção de três simples tecnologias2 pelo inventor da Web, Tim Berners-Lee, propiciou um ambiente digital de documentos expostos, referenciados e vinculados. Aquilo a que nos acostumamos chamar de hiperlinks, normalmente difícil de explicar, mas muito fácil de usar. Uma página na web hiperlinka com outra, que hiperlinka com uma terceira e sucessivamente até chegar a sistemas de pesquisa que nos apresentam páginas com centenas ou milhares de hiperlinks para outras páginas contendo algo relacionado com o assunto pesquisado.
Apesar da web ser recente, já há algum tempo ela não é mais apenas essa enorme coleção (a maior, por enquanto, que a humanidade conseguiu chegar) de documentos hiperlinkados. Cada vez mais um endereço único deixou de ser uma simples página para se transformar numa composição de diversos objetos e dados que se inter-relacionam criativamente, como se fossem uma composição exclusiva.
Não é diferente com os governos e com as informações de interesse público. Também há pouco mais de uma década estamos acostumados a pesquisar dados públicos na Web. No Brasil, por exemplo, podemos pesquisar desde dados no IBGE3, dados de saúde a partir do portal Datasus4, educação5 e legislação6, dentre outros. Alguns portais possibilitam consultas a Diários Oficias, como por exemplo o da Imprensa Oficial no Estado de São Paulo7. Nós brasileiros também já estamos acostumados a acompanhar o resultado das eleições na internet.
É bastante útil ter acesso a todos esses dados, mas isto em si não os torna “dados abertos”. São fáceis de serem vistos e lidos na tela do computador segundo a ótica de quem os publicou, mas não é possível linká-los, desagregá-los, reprocessá-los e reaplicá-los buscando novas interpretações. A grande maioria das informações públicas na Web ainda é apresentada, mesmo quando em formatos abertos e padronizados, em modo legível apenas por pessoas.
Deve haver um jeito melhor de fazer isso. A resposta a essas indagações passa evidente por variáveis de recursos tecnológicos e financeiros, mas principalmente por decisões políticas.
Tecnologicamente a resposta é afirmativa, sim é bastante possível8. Pode-se inclusive baratear custos na aplicação e publicação de informações de interesse público. As decisões políticas acontecem na teia social e nela podemos dialogar e construir consensos.
Aprofundando o conceito
Dados Abertos Governamentais não são apenas a publicação de tabelas de dados legíveis apenas por pessoas, mas sim a publicação das informações do setor público na Web, compartilhadas em formato bruto e aberto, compreensíveis logicamente, de modo a permitir sua reutilização em aplicações digitais desenvolvidas pela sociedade.
Pretende-se, assim, promover reutilização e integração de dados, propiciando vários pontos de vista, e não apenas um. O movimento de publicação de dados abertos tem debatido esse conceito, de modo a melhor compreender seu alcance.
David Eaves, ativista do movimento governo aberto, ao participar da conferência de parlamentares “Transparência na era digital “ apresentou9 sua reflexão do que chamou de “as três leis do dado aberto governamental”. São elas:
“1. Se o dado não pode ser encontrado e indexado na web, ele não existe.
2. Se não estiver aberto e disponível em formato compreensível por máquina, ele não pode ser reaproveitado.
3. Se algum dispositivo legal não permitir sua reaplicação, ele não é útil.”
Mais preciso nas definições, os integrantes do OpenDataGov.org apresentaram a elaboração dos “Oito princípios dos dados abertos governamentais”10. Segundo estes, seriam considerados abertos os dados públicos que atendessem aos seguintes critérios:
“1. Completos. Todos os dados públicos estão disponíveis. Dado público é o dado que não está sujeito a limitações válidas de privacidade, segurança ou controle de acesso.
2. Primários. Os dados são apresentados tais como os coletados na fonte, com o maior nível possível de granularidade e sem agregação ou modificação.
3. Atuais. Os dados são disponibilizados tão rapidamente quanto necessário à preservação do seu valor.
4. Acessíveis. Os dados são disponibilizados para a o maior alcance possível de usuários e para o maior conjunto possível de finalidades.
5. Compreensíveis por máquinas. Os dados são razoavelmente estruturados de modo a possibilitar processamento automatizado.
6. Não discriminatórios. Os dados são disponíveis para todos, sem exigência de requerimento ou cadastro.
7. Não proprietários. Os dados são disponíveis em formato sobre o qual nenhuma entidade detenha controle exclusivo.
8. Livres de licenças. Os dados não estão sujeitos a nenhuma restrição de direito autoral, patente, propriedade intelectual ou segredo industrial. Restrições sensatas relacionadas à privacidade, segurança e privilégios de acesso são permitidas.”
Uma recente palestra de Tim Berners-Lee sobre Dados Abertos, realizada no evento TED, está disponível em vídeo11 com demonstrações de aplicações linkadas a dados publicados segundo esse conceito. O vídeo ilustra bem até onde pode chegar o uso de aplicações com dados abertos.
Baseado nesses conceitos e princípios alguns portais de dados abertos governamentais já são agrupados e publicados na web: Estados Unidos12, Inglaterra13, Austrália14, dentre outros são alguns exemplos. No Brasil algumas expectativas já acontecem. Um recente projeto de lei do executivo sobre acesso a informações defende a “gestão transparente da informação, propiciando amplo acesso e divulgação a ela”15.
Novos serviços gerados pela sociedade a partir dos dados abertos governamentais podem ser vistos na web16. No Brasil alguns projetos nascem em torno do movimento Transparência Hack Day, através de reaplicação e remixagem de dados públicos17.
Num ano eleitoral esse pode ser um bom mote para o debate com todos os candidatos. A transparência de um governo e de uma gestão se traduz também no compromisso e na publicação de Dados Abertos Governamentais. E também no entendimento de que o melhor uso dos dados abertos será dado pela sociedade.
Carlinhos Cecconi é assistente de projetos do Escritório Brasil do W3C.