Em uma visita à cidade de Carcassonne, em 15 de janeiro de 2019, Christophe Castaner desempenhou seu papel de ministro do Interior: “Não conheço nenhum policial, nenhum integrante das Forças Armadas que atacou os ‘coletes amarelos’; por outro lado, conheço policiais e integrantes das Forças Armadas que utilizam meios de defesa”. A frase arrancou uma gargalhada de Antonio Barbet. Aos 40 anos, ele vive perto de Compiègne, no departamento de Oise, onde ocupava até dois meses atrás um cargo como interino, no qual ganhava um salário mínimo. Presente no centro do movimento desde o início dos “coletes amarelos”, manifestou-se em Paris pela primeira vez no dia 24 de novembro. No fim da tarde, em uma rua então calma nas proximidades da Champs-Elysées, as forças da ordem lançaram uma arma, muito provavelmente uma granada de gás lacrimogêneo do tipo GLI-F4. O artefato explodiu no pé de Barbet. Dois meses depois, ele continua se movimentando com muletas, e seu contrato de interino não foi renovado.
Jornalista independente, David Dufresne registra de forma metódica, no Twitter, as violências policiais sofridas pelos “coletes amarelos” desde o início do movimento. No dia 19 de janeiro, na noite do ato X, ele já havia contabilizado 330, com imagens comprobatórias. Em uma obra sobre a manutenção da ordem, em 2007,1 ele retomou as palavras do ministro do Interior da época, Dominique de Villepin, sobre a doutrina hexagonal de manter os manifestantes a distância: “Essa visão de ordem pública faz parte do espírito francês”. Uma década depois, pesquisadores denunciam o “esplêndido isolamento” da doutrina francesa de manutenção da ordem, ainda baseada na repressão e surda aos métodos de diálogo e desescalada da violência, colocadas em prática em outros países europeus.2
Dissuadir as manifestações
Em seu relatório de dezembro de 2017 consagrado ao tema,3 o defensor Jacques Toubon retomou os princípios tradicionais. Empreendida por unidades especializadas – empresas republicanas de segurança (CRS) e esquadrões do Exército –, a manutenção da ordem se aplicaria a uma lógica de ação coletiva e hierarquizada. O uso da força não pode reprimir iniciativas individuais, exceto em casos de legítima defesa, e deve responder a princípios de “absoluta necessidade e gradação, assim como de reversibilidade”. A intervenção de unidades não especializadas, em particular empresas de segurança e intervenção (CSI), e as brigadas anticriminalidade (BAC) mobilizadas como reforço colocam em xeque esse esquema. “Geralmente sem formação em relação à doutrina e aos princípios de manutenção da ordem”, dizia o relatório, essas forças buscam interpelar e se comportam pelo contato, em vez de seguir os princípios de controle e distância.
Tal transformação decorre de uma decisão política. Nessas condições, o ferimento no pé de Barbet, assim como outras centenas de ferimentos graves e mutilações, em particular nos olhos e nas mãos, registradas desde o início do movimento dos “coletes amarelos”, não pode ser considerado acidente de autodefesa.
Em um relatório conjunto4 redigido em 2014, a Inspeção Geral da Polícia e das Forças Armadas lembrava que a França era – e permanece – o único país europeu a utilizar munições explosivas em operações de manutenção da ordem, notadamente as granadas de gás lacrimogêneo do tipo GLI-F4: “Os dispositivos que causam lesões por ondas expansivas produzidos com substância explosiva ou deflagrante são suscetíveis de mutilar e ferir mortalmente um indivíduo, enquanto aquelas de efeito sonoro intenso podem provocar lesões irreversíveis ao ouvido. […] Como se trata de um dispositivo pirotécnico, investidas na cabeça ou no tecido facial não podem ser totalmente excluídas”. O Estado, portanto, incorre esses riscos aos manifestantes com todo conhecimento de causa. No fim de novembro e início de dezembro de 2018, diversos advogados, entre eles o autor destas linhas, escreveram a Castaner e ao primeiro-ministro Édouard Philippe pedindo que essas granadas fossem banidas. Ainda aguardam uma resposta.
Utilizado milhares de vezes desde meados de novembro contra manifestantes, o “lançador de balas de defesa” (LBD) carrega um nome no mínimo eufemístico. Em 5 de julho de 2018, a Corte Administrativa de Nantes considerou o emprego dessa arma “perigoso” durante uma manifestação em 2007: um garoto de 16 anos que simplesmente estava próximo ao lançador de projéteis foi atingido, e o Estado, responsabilizado e condenado a pagar uma graúda indenização.5 Desde dezembro de 2017, o defensor julgava as características e condições de emprego do LBD “inadaptadas à utilização em operações de manutenção da ordem”. E concluía que “o artefato deve ser retirado do armamento das forças de segurança no âmbito de operações de manutenção da ordem”. Esse alerta foi novamente enviado em janeiro de 2019. O apelo teria sido inútil mesmo se aceito: em 2017, o chefe de polícia de Paris havia afirmado a Toubon que havia “decidido proibir o uso do LBD 40×46 nas operações de manutenção da ordem por sua periculosidade e seu caráter inadequado para esse tipo de contexto” – decisão sem nenhuma consequência prática.
Essas armas, assim como o comportamento às vezes inapropriado das forças da ordem, provocaram centenas de ferimentos aos “coletes amarelos”. O caráter excepcional desse balanço suscitou a cólera de vários manifestantes que, com frequência, saíam às ruas pela primeira vez na vida. Pode-se perguntar se a obstinação do governo em utilizar armas e técnicas que podem matar ou mutilar não se trata de uma estratégia deliberada para dissuadir cidadãos de se manifestarem.
Desde o início do movimento, Sandrine Pêcheur6 faz parte de uma concentração perto de sua casa, entre Douai e Valenciennes. Há quase quarenta anos, essa assistente maternal cria três crianças com o marido, vendedor em uma grande fábrica. Com os “coletes amarelos”, descobriu o sentido de um engajamento coletivo e político. No início de janeiro, deparou-se com a violência da polícia durante uma manifestação em Lille. Nenhum ferimento grave, mas sofreu os efeitos do gás lacrimogêneo e a nova convicção de que as forças da ordem podem ser realmente perigosas. No dia 12 de janeiro, ela retornou a Lille munida de óculos de mergulho, uma máscara e frascos de soro fisiológico. Mas não chegou em tempo de se juntar à manifestação: interpelada fora do cortejo junto a três companheiros, foi detida, levada para a delegacia de polícia de Lille e mantida em observação.
Motivo: participação em “um agrupamento, mesmo que temporário, caracterizado por um ou mais fatos materiais de violências voluntárias contra pessoas ou de destruição ou degradação de bens”.7 Esse delito foi criado pela lei de 2 de março de 2010, cujo redator é Christian Estrosi, deputado dos Republicanos, e visa combater “grupos violentos” em “bairros considerados vulneráveis”. Tratava-se de uma punição prévia ao cometimento de uma infração, partindo do postulado implícito de que jovens reunidos no espaço público não podem ter nenhuma outra intenção além de fomentar confusão.
Penas cada vez mais duras
Pouco utilizado durante anos, esse texto foi retomado por iniciativa do parlamentar Jean-Jacques Urvoas8 na época dos movimentos sociais contra a lei trabalhista, em 2016. Desde então, os procuradores da República perseguem manifestantes com esse caráter “prévio”, sem que tenham cometido nenhum ato de violência ou degradação. Com o movimento dos “coletes amarelos”, em particular no dia 8 de dezembro, o uso desse “delito de agrupação” tornou-se industrial, conduzindo a um número jamais observado de interpelações e detenções preventivas.
No fim de novembro, em uma circular especial sobre os “coletes amarelos”, o ministro da Justiça, Nicole Belloubet, convidou os magistrados a autorizar policiais a controlar e revistar qualquer indivíduo nos sábados de manifestação em Paris, em outras grandes cidades e nos eixos que conduzem a elas.9 O caráter arbitrário da imensa maioria dessas privações de liberdade aparece na comparação entre o número de interpelações e o número de condenações. Das 1.082 pessoas interpeladas na capital no dia 8 de dezembro, a grande maioria foi colocada em liberdade sem desdobramentos judiciários. Esses procedimentos abusivos não tinham outro objetivo além de impedir que os “coletes amarelos” exercessem seu direito de se manifestar.
Dois dias depois, em 10 de dezembro, Pierrick P.10 chega atordoado à audiência do tribunal de Paris. Depois de 48 horas de detenção, foi julgado – sozinho – pelo famoso delito de “participação de um grupo com objetivo de cometer violências ou degradações”. Vindo da Bretanha com quatro amigos, esse ex-trabalhador da indústria suína está parado desde um grave acidente ocorrido na fábrica em fevereiro de 2016. Para ele, assim como os outros, o movimento dos “coletes amarelos” é uma forma de clamar coletiva e politicamente sua cólera. Interpelado com seus amigos no dia 8 de dezembro, às 7 horas da manhã, em um estacionamento longe do oeste parisiense, onde se desenrolaria a manifestação, foi encontrado com material de proteção (notadamente um capacete e uma proteção para o torso que ele usa habitualmente para praticar motocross) e, em seu carro, um cassetete. Todos os cinco passaram o fim de semana detidos.
Enquanto os quatro amigos foram colocados em liberdade sem nenhuma consequência jurídica, ele compareceu sozinho e foi condenado em primeira instância a seis meses de prisão (a serem cumpridos se reincidir), apesar do delito de agrupamento supostamente ser uma intenção coletiva. Decidiu não apelar para não passar outra vez pela experiência traumatizante de comparecer diante de juízes. Se por um lado não foi proibido de se manifestar, por outro se recusa a participar das manifestações com medo de ser pego novamente. Atualmente, frequenta esporadicamente as concentrações perto de sua casa.
Ainda é cedo para analisar as estatísticas de condenações dos “coletes amarelos”. Contudo, há indícios de que as penas pronunciadas em Paris sejam cada vez mais duras. Os juízes não hesitam em pronunciar condenações de prisão em regime fechado e, de forma quase sistemática, proibições de entrada na capital por vários anos aos interpelados de outras regiões do país. Ao desequilíbrio social – magistrados julgando trabalhadores, empregados e desempregados – soma-se a segregação geográfica. Assim, não é raro escutar em uma audiência um procurador criticar os “coletes amarelos” por saírem de suas casas para se manifestar. Essa violência simbólica lhes nega implicitamente o direito de ir até a capital para participar das manifestações.
Essas condenações, obtidas graças ao uso extensivo do delito de agrupamento em detrimento do princípio de interpelação na forma estrita como figura do Direito Penal, desempenham de fato um papel de manutenção da ordem. Elas se apoiam na violência policial para acabar com a mobilização e impedir o exercício de direitos fundamentais. Mas, se a polícia e os tribunais imprimem medo, seus abusos reforçam também a raiva e a determinação desses neomanifestantes.
“Castaner mente!”, lança Barbet, olhando para o pé ainda dolorido. “Eu mesmo, que sou um dos primeiros feridos, criei uma página no Facebook exclusivamente gerida por atingidos11 e tento recolher testemunhos das vítimas.” Seu acidente, ou agressão, dependendo do ponto de visa, é para ele o início e um engajamento contra as violências policiais. E, se não pode se manifestar desde 24 de novembro, espera poder ir a Paris no dia 2 de fevereiro para participar de uma manifestação de “coletes amarelos” feridos que está ajudando a organizar.
*Raphaël Kempf é advogado da Ordem dos Advogados de Paris e defensor de vários “coletes amarelos”.