De olho nas licitações
Maringá tem uma das maiores rendas per capita do país. No início dos anos 2000, um grande esquema de corrupção foi descoberto em que US$ 57 milhões haviam sido desviados dos cofres públicos. Indignados, voluntários uniram forças para criar um observatório que acompanha a aplicação correta do orçamento na cidade
O que move um prefeito como o de Florianópolis a contratar, sem licitação, os serviços de uma empresa para construir uma árvore de Natal por R$ 3,7 milhões? A suspeita é de um superfaturamento superior a R$ 2 milhões! Nas ruas, os brasileiros buscam respostas para essa e outras mazelas que acompanham a rotina dos nossos representantes públicos. A “certeza da impunidade” e a “falta de vergonha na cara” estão entre as afirmações mais frequentes.
Certamente, as duas coisas andam juntas. Nos últimos anos, muitas Organizações não-governamentais (ONGs) nasceram Brasil afora para denunciar esse tipo de comportamento ligado ao poder público. Mas, no noroeste do Paraná, uma ONG fugiu dos padrões e está fazendo a diferença. Trata-se do Observatório Social de Maringá (OSM), que este ano ganhou o primeiro lugar em um prêmio das Nações Unidas que reconhece as “experiências em inovação social”. E olha que os paranaenses concorreram com outros 485 projetos de 33 países.
Mas o que diferencia o Observatório Social de Maringá de outras ONGs? Antes de responder diretamente a essa questão, é interessante lembrar como ele foi criado. Com 335 mil habitantes, Maringá tem uma das maiores rendas per capita do país. No início dos anos 2000, um grande esquema de corrupção foi descoberto, com superfaturamento nas compras, o que abalou a economia da prefeitura local, comprometendo sua capacidade de realizar investimentos. Foram desviados cerca de US$ 57 milhões dos cofres públicos – metade do orçamento anual da cidade.
Preocupado com o futuro, um grupo de voluntários sem filiação político-partidária decidiu formar a ONG Sociedade Eticamente Responsável (SER), que trabalharia pela disseminação de um sentimento de cidadania na população local, ressaltando a importância dos impostos e do controle dos gastos públicos.
Há seis anos, a SER promove palestras, seminários, apresentações teatrais e concursos nas redes de ensino, estimulando o interesse sobre a gestão pública. Em 2006, a SER criou o Observatório Social de Maringá, com o objetivo de trabalhar pela correta aplicação do dinheiro público na cidade. Conscientes da importância da ONG, a cidade se uniu em torno do projeto, reunindo empresários, funcionários públicos, profissionais liberais, entidades de classe e universidades.
Os voluntários do Observatório passam periodicamente por treinamento especializado em órgãos de controle e fiscalização de governo. A ONG tem um comitê gestor que se reúne semanalmente para discutir questões relacionadas ao controle dos gastos públicos. Em Maringá, as compras públicas são feitas através de licitação e a entidade acompanha o processo de seleção de empresas fornecedoras até a entrega final do produto ou serviço contratado.
Em três anos de acompanhamento, a ONG analisou 532 processos e descobriu que muitos dos produtos adquiridos pela Prefeitura estavam com preços acima do valor de mercado. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o anti-inflamatório Tenoxicam. O município pagava pelo remédio um valor quase 8 mil por cento superior ao preço praticado pelas farmácias.
Com o controle do Observatório, um conjunto de 64 medicamentos custou, em 2009, 40% menos do que havia sido pago em 2005. As mudanças geraram credibilidade aos processos de licitação na cidade, atraindo muitos empresários que antes se recusavam a participar, pois acreditavam que se tratava de um jogo de “cartas marcadas”. O aumento no número de participantes e a lisura nos processos fizeram que os preços das compras caíssem. Com as mudanças, dos US$ 300 milhões previstos em gastos da prefeitura em 2009, o controle pode ter gerado uma economia superior a US$ 100 milhões.
Esta é a grande diferença do Observatório Social de Maringá: ele acompanha todas as licitações, desde a elaboração de uma proposta, passando pelo processo de lances, até a entrega do produto. Com isso, garante a aplicação correta dos recursos. Dessa forma, o município pôde investir mais em áreas básicas. Nos últimos 36 meses, por exemplo, o investimento em capacitação de educadores e reforma de escolas cresceu em média 25% ao ano. Os depósitos da prefeitura passaram por reforma e o controle de estoque foi informatizado. Aumentou-se a verba para a segurança pública e para a prevenção de doenças. Foram criadas dezenas de Academias da Terceira Idade e hortas comunitárias. Antes do Observatório, a prefeitura investia, em média, de 1% a 3% do orçamento em ações sociais e de infraestrutura. No ano passado, chegou-se a 13%. Estamos falando apenas de verbas do município, do dinheiro arrecadado diretamente pela prefeitura, e não oriundo do governo federal ou estadual.
Cidadania e comportamento ético
Além da economia na aplicação de recursos da prefeitura, outra mudança provocada pelo Observatório Social é a conscientização da população sobre os seus direitos em relação ao Estado. A imprensa também está mais atenta a essas questões e os resultados obtidos chamaram a atenção de todo o Brasil. Pregando cidadania, educação fiscal e comportamento ético de todos os indivíduos, o exemplo do OSM já serviu como incentivo para o surgimento de instituições semelhantes em 41 cidades brasileiras.
Essas organizações trabalham de forma integrada, com suporte total por parte do Observatório Social de Maringá. Ou seja, começa a florescer no país uma nova esperança de dias melhores. Um projeto que não nasceu de nenhum governo. De nenhum grupo político e, por isso mesmo, tem grandes chances de mudar a realidade do Brasil. De combater a pobreza sem Bolsa Família, de melhorar o sistema de saúde sem criar uma nova CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), de promover melhorias na educação, nos serviços sociais de apoio às populações jovens e idosas, sem o aumento de impostos.
A própria ONU, ao premiar o Observatório Social, entendeu que, se o Brasil está entre as dez maiores economias do mundo, por consequência sua população deveria ter qualidade de vida. É um reconhecimento de que essa organização não tem caráter filantrópico e que não procura fazer o papel que cabe ao poder público. Pelo contrário, o Observatório luta para que o poder público cumpra o seu verdadeiro papel.
Se existe a certeza da impunidade e da falta de vergonha na cara, pelo menos há alternativas que podem blindar a aplicação dos recursos públicos. Em Maringá paramos com os discursos inflamados da sociedade contra a alta carga tributária. Paramos de lamentar a corrupção envolvendo homens públicos e começamos a ter atitude na correta aplicação dos recursos.
A carga tributária no Brasil é do tamanho que o país necessita para rodar a máquina. Porém, hoje está embutida nela cerca de 32% de corrupção. É dinheiro mal aplicado. Se acabarmos com o mau uso da verba pública, o Brasil passará a ser um dos melhores países do mundo. Somente a partir daí é que poderíamos sonhar com uma carga tributária menor. Vamos dar um passo de cada vez.
Queremos, com o Observatório Social, expurgar dos nossos noticiários escândalos como esse da árvore de Natal de Florianópolis. É um investimento que, com certeza, poderia ter um direcionamento mais justo.
*Dirceu Herrero Gomes é jornalista e escritor.