A ênfase na descarbonização e a lacuna do hidrogênio
Apesar da criação de uma nova diretoria executiva de Transição Energética e Sustentabilidade, os projetos do setor não têm avançado
O Plano Estratégico da Petrobras de 2024-2028 aborda tópicos importantes sobre a transição energética em sua última seção, intitulada “Descarbonização, Gás e Energias de Baixo Carbono”. Destacam-se, por exemplo, iniciativas para a redução das emissões de gases tanto no setor de exploração e produção quanto no de refino; ações para ampliar a captura e o armazenamento de carbono; projeções de expansão da produção de energia eólica onshore e offshore; e maiores investimentos no Programa BioRefino. Já em relação ao hidrogênio de baixo carbono, o Plano se restringe a investimentos em pesquisa e desenvolvimento e não prevê a produção de hidrogênio verde e azul em escala comercial.
De acordo com o plano atual, a carteira de investimentos em implantação está na ordem de US$ 91 bilhões, dos quais, US$ 73 bilhões se referem à exploração e produção e US$ 11,5 bilhões são para projetos relacionados ao gás e energias de baixo carbono. Nesse último segmento, a Petrobras prevê investir US$ 3,9 bilhões na descarbonização de suas operações, que se divide em US$ 2,9 bilhões para ações de mitigação de emissões e US$ 1 bilhão para o Fundo de Descarbonização. Além disso, estão previstos US$ 5,5 bilhões de investimentos em energias de baixo carbono e US$ 1,5 bilhão em biorrefino. Finalmente, a companhia pretende gastar US$ 700 milhões em pesquisa e desenvolvimento. Dessa forma, estima-se um aumento percentual de investimentos em baixo carbono em relação ao CAPEX total da empresa: 6% em 2024, 10% em 2025, 12% em 2026, 13% em 2027 e 16% em 2028.
Paralelamente ao Plano Estratégico da Petrobras, no cenário doméstico, existe uma mobilização por parte do governo federal e do Congresso Nacional para fortalecer políticas que propiciem o avanço das iniciativas de transição energética. Isso se reflete em propostas legislativas como o projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil, o projeto de lei que regulamenta o aproveitamento de potencial energético offshore e o projeto de lei chamado de Combustível do Futuro, que prevê medidas para descarbonizar a matriz energética de transportes e incrementar a eficiência energética de veículos.
A proposta da nova política industrial – um plano de ação a ser colocado em prática entre 2024 e 2026 – estabeleceu o eixo “Bioeconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas para garantir os recursos para futuras gerações” como uma de suas seis missões. Apesar de não ser diretamente citada, a Petrobras se relaciona com as três premissas do plano da Nova Indústria Brasil (NIB): a) o fortalecimento da indústria é chave para o desenvolvimento sustentável do Brasil; b) o país enfrenta uma desindustrialização precoce e acelerada e sua reversão é fundamental para o aumento da complexidade e diversificação produtiva; c) a concentração das exportações em produtos de baixa complexidade tecnológica limita os ganhos das trocas comerciais.
Embora haja uma perspectiva positiva acerca do avanço de políticas sobre transição energética e dos investimentos em baixo carbono, dos US$ 5,5 bilhões destinados a novas energias que foram citados anteriormente, apenas US$ 300 milhões destinam-se ao hidrogênio, aos mecanismos de captura de carbono e ao Corporate Venture Capital. Ou seja, o hidrogênio compõe uma fatia ainda menor desse valor, o que representa uma lacuna importante na estratégia da Petrobras.
Estudo recente divulgado pela Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena) sugere que países em desenvolvimento priorizem a indústria local em suas políticas de incentivo ao desenvolvimento do mercado de hidrogênio de baixo carbono. Atualmente, as refinarias de petróleo respondem por cerca de 75% do consumo anual de hidrogênio de origem fóssil no Brasil, e seriam, portanto, o segmento mais propenso a promover uma rápida substituição pelo hidrogênio de baixo carbono. Nesse sentido, é notável a pouca importância dada ao hidrogênio verde no Plano Estratégico 2024-2028, tendo em vista que apenas estão descritos genericamente alguns objetivos a serem atingidos em pesquisa e desenvolvimento e alguns projetos de hidrogênio verde e azul. A não definição de metas para produção e consumo de hidrogênio verde impacta negativamente no ritmo do desenvolvimento do mercado desse combustível.
Essa lacuna destoa da atuação externa do Brasil, que assinou um acordo de cooperação com a Alemanha para produzir esse combustível, assegurou um investimento de até R$ 10 bilhões da União Europeia para o mesmo fim, e firmou – durante a COP 28, com mais 36 países – uma declaração para o fortalecimento do mercado de hidrogênio verde. Nesse sentido, a Petrobras, nos próximos anos, precisa concentrar mais esforços e delinear estratégias detalhadas sobre seus planos para o desenvolvimento e produção desse combustível.
Por outro lado, no setor de energia eólica offshore, a Petrobras pretende investir US$ 5,2 bilhões (que compreendem também o setor de energia solar). A empresa estima incrementar 5 gigawatts (GW) na capacidade de geração de energia renovável até 2028, o que contribui para seguir elevando a produção global de energia eólica e solar. Somente em 2023, houve um aumento de 50%, atingindo 510 GW, que foi capitaneado principalmente por Brasil, União Europeia, Estados Unidos, China e Índia. Na esteira da atuação da Petrobras, o governo brasileiro também tem procurado ampliar sua presença em foros internacionais desse segmento, cujo maior exemplo foi a adesão à Aliança Global de Eólicas Offshore no âmbito da COP 28, em dezembro de 2023. Com aproximadamente 26 GW de capacidade instalada em seus parques eólicos, espera-se que, ao participar da aliança, o Brasil aprofunde suas ações de transição energética.
Mesmo que o país já possua uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo e que a Petrobras tenha estipulado um aumento gradual de investimentos em energias renováveis, a entrada na cadeia produtiva do hidrogênio verde pode acelerar o processo de transição energética e fortalecer ainda mais a posição brasileira em foros internacionais sobre meio ambiente e descarbonização da economia global.
Diante das iniciativas do governo federal e do Congresso Nacional em curso – como a NIB e os projetos de lei em discussão –, apresenta-se um momento propício para o alinhamento da estratégia da Petrobras a essas medidas. Apesar da criação de uma nova diretoria executiva de Transição Energética e Sustentabilidade, os projetos do setor não têm avançado, tendo em vista as divergências dos atores que compõem a estrutura de governança. Por um lado, há aqueles que defendem a priorização de investimentos em exploração e produção de petróleo. Por outro, há os que defendem o avanço em novas rotas tecnológicas, focando em ações de transição energética. É hora de a empresa assumir um papel de liderança nesse setor, realçando o hidrogênio verde como um dos elementos centrais dos seus futuros planos estratégicos, atribuindo-lhe maior destaque.
André Leão é pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) e doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ).
André Tokarski é pesquisador do Ineep e professor do Programa de Mestrado em Direito Constitucional Econômico da UNIALFA.
Concordo plenamente com as questões levantadas pelos autores.