As transformações graduais na gestão da Petrobras
Primeiro plano estratégico da gestão Jean Paul Prates expressa as atuais contradições e disputas em torno do papel da Petrobras
A Petrobras aprovou, em 23 de novembro de 2023, o seu novo Plano Estratégico para o período 2024-2028+. Envolto de grandes expectativas, o primeiro plano estratégico da gestão Jean Paul Prates expressa, em grande medida, as atuais contradições e disputas em torno do papel da Petrobras no desenvolvimento industrial brasileiro.
O principal objetivo anunciado no PE 2024-2028+ foi “preparar a Petrobras para o futuro e fortalecer a companhia iniciando um processo de integração de fontes energéticas essencial para uma transição energética justa e responsável”, mas esse propósito segue limitado pela preservação de um foco na rentabilidade de curto prazo, “disciplina de capital” e um “compromisso” de controle do endividamento, a exemplo do que foi observado em gestões anteriores.
A atual gestão já concretizou mudanças importantes no rumo da companhia ao longo de 2023, dentre as quais destacamos: a) a mudança em sua política comercial para o diesel e gasolina, gerando maior flexibilidade e capacidade de mitigar os efeitos da volatilidade internacional dos preços no mercado interno; b) o aprimoramento da Política de Remuneração aos Acionistas; c) a reforma do Estatuto Social; e d) a solicitação para renegociar os Termos de Compromisso de Cessação do refino e gás celebrados com o Cade. Contudo, é preciso avanços mais estruturantes, que conduzam um projeto de empresa integrada verticalmente, eficiente, alinhada ao interesse público, capaz de valorizar sua força de trabalho e indutora da transição energética e justa.
Os investimentos totais previstos no PE 2024-28+ orientam-se, principalmente, para três aspectos: (i) manutenção dos níveis de produção de óleo e gás natural – seu driver de geração de valor; (ii) ampliação da infraestrutura de escoamento de gás natural no país; e (iii) avanço no incremento da capacidade e eficiência do atual parque de refino da estatal. A diversificação de seu portfólio em direção a novas rotas tecnológicas e energias de baixo carbono será “gradual” e “crescente”, isto é, em velocidade ainda insuficiente para responder aos desafios estratégicos e de longo prazo da Petrobras e do Brasil.
O PE 2024-28+ projeta um total de US$ 102 bilhões em investimentos (CAPEX) para o quinquênio, crescimento de 31% em relação ao plano anterior (PE 2023-27). Desse total, US$ 91 bilhões (ou 89,2%) correspondem a projetos em implantação e outros US$ 11 bilhões (ou 10,8%) a projetos em avaliação. Da carteira de investimentos em avaliação, US$ 6 bilhões destinam-se a projetos de energias de baixo carbono e os outros US$5 bilhões aos segmentos de Refino, Transporte e Comercialização (RTC).
Para o ano de 2024, o volume total de investimentos projetados é de US$ 18,5 bilhões, com 94% do valor já compromissado, o que reflete apenas a atualização monetária do valor previsto no plano anterior para o corrente ano (US$ 18 bilhões) e indica que não haverá antecipação de contratos e investimentos.
O gradualismo na gestão e diversificação do portfólio no período 2024-2028+ é evidenciado pela concentração, ainda que menor que no plano anterior, de 72% dos investimentos totais no segmento de exploração e produção (E&P), core business da companhia. Ganharam espaço no PE 2024-28+ os segmentos de RTC – aos quais serão destinados 16% do CAPEX total, cinco pontos percentuais acima do observado no PE 2023-27 – e Gás & Energia (G&E), cuja participação sai de 2% para 9% dos investimentos projetados. Os “projetos transversais de baixo carbono”, que representavam 6% dos investimentos previstos no PE 2023-27, concentraram em média 11% no atual plano, saindo de 6% em 2024 para 16% em 2028.
No segmento do E&P, os investimentos projetados no PE 2024-28+ são de US$ 73 bilhões, crescimento de 12,8% em relação ao PE 2023-27. Novamente, os investimentos se concentram nas atividades de desenvolvimento da produção em águas profundas e revitalização de campos maduros, sem antecipação do cronograma de entrada de novas plataformas, o que não altera a curva de produção da companhia projetada até 2027. Além disso, não há qualquer menção de investimentos na produção onshore (em terra), atividade relevante para a região Nordeste do país. O plano também não garante a aplicação de uma política de conteúdo local nas plataformas contratadas.
Os investimentos no segmento exploratório seguem representando 7% do CAPEX total e alcançam o montante de US$ 7,5 bilhões, crescimento de 29,3% em relação ao plano anterior. No entanto, mais uma vez, o plano de negócios concentra seus investimentos nas Bacias do Sudeste, área rentável do pré-sal, e na Margem Equatorial, sem especificar a bacia. Dessa forma, a Petrobras segue fechada para estudos exploratórios em áreas alternativas no Brasil, tais como a Margem Leste Brasileira, continuidade geológica com a Bacia de Sergipe e Alagoas e que já tem grandes descobertas de gás em águas ultra profundas.
No segmento do Refino, Transporte e Comercialização, o volume total de investimentos previstos para o quinquênio é de US$ 17 bilhões, dos quais US$5 bilhões estão na carteira de avaliação. O objetivo anunciado para esse segmento é de ganho de eficiência operacional e ampliação da capacidade produtiva, sobretudo por meio da conclusão do Trem 2 da RNEST (PE), “revamps” das unidades atuais e construção de novas unidades de diesel (HDT) em cinco refinarias (REVAP, REGAP, REPLAN, RNEST E GASLUB).
A projeção da companhia é de um incremento de 225 mil barris por dia (bpd) na capacidade de processamento de petróleo e aumento de 290 mil bpd na produção de diesel até 2029. Esse incremento da capacidade de produção de derivados contribui para a redução da dependência estrutural de importações e pode ser suficiente para a situação atual de baixo crescimento da demanda por esses derivados, mas não supera os gargalos na oferta doméstica, sobretudo, se houver crescimento acelerado da economia brasileira.
A Petrobras também reafirmou o seu retorno ao segmento de fertilizantes, tal como anunciado em agosto por seu presidente, destacando os planos de retomada da operação da ANSA no Paraná, e de conclusão das obras da UFN III no Mato Grosso do Sul. Porém, não apresentou prazos e metas para essas ações. No ramo petroquímico, sem oferecer detalhes, a Petrobras alterou o plano anterior e admitiu estudos para investimentos e aquisições no setor.
O segmento de Gás & Energia (G&E) tem previsão de investimentos totais de US$ 9 bilhões até 2029, dos quais US$ 6 bilhões estão em processo de avaliação. Se concretizados, isso significaria um aumento de 4,7 vezes em relação ao PE 2023-27 do CAPEX projetado nesse segmento. O foco anunciado pela Petrobras no G&E é de ampliar a infraestrutura de escoamento e oferta de gás natural, principalmente, a partir do pré-sal, mantida a sua capacidade produtiva instalada.
Dentre os projetos anunciados, destacam-se três projetos: (i) o gasoduto ROTA 3, na Bacia de Santos, com previsão de entrar em operação em 2024; (ii) o Projeto Raia (BM-C-33), na Bacia de Campos, que deve operar a partir de 2028; e (iii) o gasoduto do projeto SEAP (Sergipe Águas Profundas), cuja previsão de operação é para 2029. Juntos esses projetos ampliarão a capacidade de movimentação de gás natural no Brasil em cerca de 52 milhões de metros cúbicos por dia até 2029.
Em relação aos “projetos transversais de baixo carbono”, o PE 2024-28+ concentra seus investimentos previstos em projetos de geração eólica e solar (US$ 5,5 bilhões). Para os processos de descarbonização de suas operações estão previstos US$ 3,9 bilhões e para projetos de P&D cerca de US$ 700 milhões. Destaca-se também o baixíssimo montante de US$ 300 milhões de investimentos destinados à cadeia do hidrogênio, à captura e sequestro de carbono e à possibilidade de investimentos em startups, fundamentais para que a companhia se posicione nesses segmentos.
Em síntese, o PE 2024-28+ ainda se restringe a uma visão estratégica de curto prazo de apenas cinco anos e reflete as disputas tanto no interior da governança da estatal como externas a ela. É necessário avançar na construção de um plano estratégico de longo prazo, preocupado com o futuro operacional e financeiro da companhia, que considere os diversos públicos de interesse da estatal e reaproxime a companhia de um projeto de desenvolvimento nacional soberano do ponto de vista industrial, tecnológico e energético, elementos essenciais para que a Petrobras se posicione como protagonista de um processo de transição justa no Brasil.
O presente texto é o primeiro de uma série de cinco artigos elaborados pelo Ineep sobre o PE 2024-28+. Os próximos três artigos desta série analisarão com mais profundidade os aspectos centrais da estratégia de negócios da Petrobras nos segmentos de exploração e produção (E&P), de Refino, Transporte e Comercialização (RTC), e de Descarbonização, Gás e Energias de Baixo Carbono. Por fim, o último artigo, traz uma análise das potencialidades e desafios da indústria de óleo gás no contexto global de transição energética, além de abordar as especificidades da estratégia da Petrobras nesse cenário.
Mahatma Ramos e Ticiana Alvares são diretores técnicos do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).
Falta concorrência sadia, “destributar” a cadeia: projetos, engenharia, indústria, insumos, força de trabalho, formar preços em reais. Falta restringir a exploração perdulária. Falta cada CNPJ cumprir sua missão ao país e não `a sua matriz