Despejo pode gerar novo Massacre do Pinheirinho
Marcado para o próximo dia 17, a expulsão deve afetar mais de 2500 famílias que vivem no município de Sumaré. Duas decisões judiciais divergentes, a favor e contra, compõem o cenário de iminência do desastre.André Dal’Bó da Costa
Há quase quatro anos, em 22 de janeiro de 2012, a ocupação do Pinheirinho em São José dos Campos/SP – onde 1.500 famílias de baixa renda viviam desde de 2004 – foi brutalmente despejada. O evento, que ficou conhecido como “massacre do Pinheirinho”, tomou repercussão internacional, tamanha a gravidade dos atos praticados pelo Estado brasileiro contra os Direitos Humanos.
Quatro anos depois a história pode se repetir: está marcada para o próximo dia 17 de janeiro a Reintegração de posse da Vila Soma, ocupação localizada na região central da cidade de Sumaré onde atualmente vivem mais de 2.500 famílias ou aproximadamente de 10.000 pessoas. A ação de Reintegração desta área é considerada de altíssima complexidade, e se executada, além de desabrigar todas as famílias que não terão pra onde ir, poderá ser ainda mais desastrosa que o caso do Pinheirinho.
Neste período de contingência de um novo desastre, é fundamental lembrarmos em primeiro lugar que, segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, o Direito à moradia adequada é um direito humano universal, e que a nossa Constituição Nacional de 1988, considera a moradia um direito social fundamental, sendo competência da União, dos Estados e Municípios, promove-la. Em segundo lugar, ressalta-se que o direito a propriedade privada, artigo nº170 da Constituição, somente é efetivo se a mesma propriedade privada atender a uma função social.
Ambos os terrenos ocupados no Pinheiro e na Vila Soma, tem históricos muito semelhantes: os dois eram propriedades de massas falidas antes da ocupação, estavam abandonados à décadas e possuíam exorbitantes dividas acumuladas junto às fazendas federal, estadual e municipal. É mais que evidente portanto que nenhum dos dois terrenos cumpriam sua função social, estando ambos sujeitos a relativização da propriedade privada segundo nossa Constituição. Apesar disso, o judiciário brasileiro insiste em privilegiar – nestes e em muitos outros casos quase cotidianos em todo o Brasil – o direito à propriedade privada em detrimento ao direito social básico da moradia.
No Brasil a falta de moradia adequada, assim como a deficiência de outros direitos sociais básicos, é um problema histórico reiterado cotidianamente. Hoje, em todas as regiões metropolitanas brasileiras, uma família com renda mensal de até três salários mínimos, encontrará grande dificuldade para comprar uma casa própria no mercado formal ou fora dos programas públicos de habitação, que hoje produzem habitações de péssima qualidade em lugares longínquos. Ainda que esta mesma família de baixa renda opte pelo aluguel, terá então sua renda mensal gravemente comprometida para demais funções básicas, como transporte, alimentação ou saúde. Em Sumaré estamos falando de pelo menos 50% da população, que segundo o último censo IBGE, tinham renda mensal de até três salários mínimos, situando-se portanto na faixa de renda que necessita de apoio de alguma política de habitação, ou na sua ausência, habitará alguma forma informal de moradia, como as favelas, ocupações, as áreas de risco, os Pinheirinhos e as Vilas Somas de todo o Brasil.
Uma leitura mais atenta do processo histórico de formação da cidade de Sumaré nos mostra que a informalidade na produção habitacional pode ser considerada regra e não exceção: Sumaré possuía no ano de 2010, segundo o Plano de Habitação do Município, 5.833 domicílios habitados por 21.582 pessoas, originados por algum tipo de ocupação informal ou precária, e com algum tipo de irregularidade fundiária ou falta de infraestrutura básica, em sua maior parte autoconstruídas, em terrenos também irregulares. No mesmo ano estimou-se que pelo menos 2.554 famílias estavam em situação de ônus excessivo de aluguel.
Na busca de uma solução para o caso da Vila Soma, a mais de dois anos o Grupo de apoio às ordens de reintegração de posse (GAORP), órgão especializado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, criado após o massacre do Pinheirinho para evitar novas tragédias, vem se reunindo sistematicamente com a presença de membros de cargos decisórios dos governos federal, estadual, da polícia militar, da caixa econômica federal, entre outros. Os encaminhamentos adotados foram sempre unânimes, buscando-se uma solução pacífica e consensual que garantisse a realocação das famílias, como se comprovam pelas atas públicas das reuniões ocorridas nas datas de 22/06, 27/07, 14/09 e 30/11 de 2015. Apesar de todos estes esforços republicanos, a Prefeitura de Sumaré lamentavelmente se retirou das negociações.
Não bastassem os detalhes até aqui mencionados, a complexidade do caso da Vila Soma é ainda maior. Duas decisões judiciais divergentes compõem o cenário de iminência do desastre: uma, no âmbito privado, manda cumprir a reintegração; outra, na esfera pública, determina a sua suspensão.
De que lado está o Poder Judiciário brasileiro? Quer ele garantir a Constituição Federal e os direitos sociais básicos de muitos, ou manter o privilégio histórico de uma pequena elite proprietária de terras endividadas que não cumprem a sua função social? Definitivamente, a ocupação das propriedades de terra ociosas e endividadas – aquelas não cumprem sua função social – não podem mais ser tratadas como caso de polícia, mas sim como uma possibilidade de solução para o problema nacional histórico da falta de moradia adequada.
Faz-se urgente nos próximos dias que evitemos uma nova tragédia anunciada na história urbana brasileira. É preciso que a Reintegração de Posse da Vila Soma seja imediatamente suspensa e que todas as partes envolvidas no conflito reestabeleçam o diálogo, iniciado a mais de dois anos, até que se encontre um desfecho pacifico para este caso.
Convido vocês a participarem da campanha para suspensão imediata da reintegração de posse da Vila Soma. Envie um e-mail solicitando a suspensão para a Presidência da República:
[email protected]; [email protected]para o Governador de São Paulo: [email protected]; [email protected]; com copia para: [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected].
André Dal’Bó da Costa é Arquiteto Urbanista, mestre e doutorando na USP, e membro da Risco – [email protected]