Direito à cidade, uma práxis para enfrentar os desafios atuais
A cidade é, entre outras coisas, um espaço político. Ou seja, está sujeito a disputas, debates e deliberações. Para além de argumentos fechados, o direito à cidade fornece perspectivas de desenvolvimento, a partir da teoria e da prática em toda a região, que contribuem para o avanço das múltiplas formas de construção dos espaços políticos da cidade. Leia o artigo do especial Cidades do amanhã
As cidades têm sido o epicentro da catástrofe promovida pelo coronavírus ao redor do mundo, e a América Latina, com uma alta taxa de urbanização e atravessada por uma trama de diversas desigualdades, não é uma exceção. A pandemia intensificou e reconfigurou as múltiplas crises sanitárias, sociais, políticas, econômicas, climáticas e ambientais, que são fortemente sentidas na região.
Embora seja verdade que o contexto da pandemia acentua os desafios da região, ele também tem sido um sinal de alerta sobre nossas prioridades e possibilidades para o futuro imediato, bem como em relação à uma perspectiva de longo prazo. A situação de emergência sem precedentes desencadeada pela Covid-19 evidencia a interdependência e a vulnerabilidade da vida, indicando a urgência de repensar nossas cidades e territórios a partir de uma escala de proximidade e uma ética do cuidado.
Há mais de meio século, o direito à cidade vem se construindo como um paradigma em constante movimento, se alimentando tanto de contribuições acadêmicas quanto de mobilizações, reinvindicações e propostas de organizações e comunidades ao redor do mundo.
Em uma época marcada pela crise e a incerteza sobre o futuro das cidades, a construção de paradigmas que facilitem a análise crítica da realidade, fornecendo ferramentas para sua transformação e, ao mesmo tempo, nos permitindo projetar um futuro de bem-estar comum, é essencial para o pensamento e a prática urbana.

Para contribuir com esse desafio, o Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso), por meio do Grupo de Trabalho de Desigualdades Urbanas e a Plataforma Global pelo Direito à Cidade organizaram o caderno de trabalho “O direito à cidade frente aos desafios atuais”, que tem como objetivo apresentar perspectivas políticas e sociais para avançar com a prática do direito à cidade na América Latina, a partir da perspectiva do enfrentamento às desigualdades urbanas e através de reflexões para serem utilizadas em iniciativas de sensibilização, formação e incidência por atores e organizações da região.
A publicação busca ampliar os significados de direito à cidade para aumentar sua capacidade de enfrentar os desafios atuais, através da leitura crítica da realidade da nossa região, partindo do reconhecimento da função social da cidade, um bem público comum socialmente produzido. Se trata tanto de um direito coletivo à cidade, assim como um direito na cidade a direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais, e também do direito aos ecossistemas que compõe a cidade e seu entorno rural.
Neste contexto, os textos apresentados no caderno abordam temáticas urgentes que se manifestam nas cidades contemporâneas, como a crise climática, as desigualdades de gênero, a violência racial, traçando conexões com os fenômenos de disputa pelo espaço, a produção do habitat e as configurações do território urbano. Desta mesma forma, nas vozes de autoras e autores de toda a região, as teorias clássicas do pensamento crítico urbano em geral, e do direito à cidade em particular, dialogam com correntes de pensamento crítico de outras disciplinas das ciências sociais, questionam problemas em andamento em diversas cidades, e trazem à tona práticas urbanas transformadoras que estão ocorrendo em diversas dimensões e geografias da América Latina.
A cidade é, entre outras coisas, um espaço político. Ou seja, está sujeito a disputas, debates e deliberações. Para além de argumentos fechados, o direito à cidade fornece perspectivas de desenvolvimento, a partir da teoria e da prática em toda a região, que contribuem para o avanço das múltiplas formas de construção dos espaços políticos da cidade e, em relação bilateral direta, da política dos espaços da cidade. Henri Lefebvre, em 1968 em seu livro seminal “O direito à cidade”, argumentou que “a cidade escreve e prescreve, ou seja, significa, ordena e estipula. O quê? É preciso refletir para descobri-lo”. Neste sentido, a publicação procura contribuir para uma reflexão que compreenda a cidade como um espaço e uma construção social em disputa por significados, organização e horizontes, baseados nos imperativos éticos de igualdade, diversidade e comunidade.
O conjunto de artigos do caderno, em uma lógica que reconhece que nosso futuro é atravessado pelas condições atuais e que somos capazes de prosseguir a partir delas, contribui para a construção do direito à cidade como um paradigma para entender nosso presente a partir de uma perspectiva crítica e transformadora e, de forma complementar, como uma práxis que combina teoria e prática libertadora, no sentido de Paulo Freire, como uma força motriz para enfrentar as exclusões e projetar um horizonte que estabelece suas bases através de resistência, na transformação que acontece nos territórios, comunidades e coletivos que apostam em cidades com todas as diversidades e sem desigualdades
Baixe o caderno clicando aqui e participe da série de webinários de lançamento, que contará com a presença de diversos autores e autoras.
Luis Bonilla Ortiz-Arrieta é economista e mestre em Estudos Políticos e Sociais Latino-Americanos. Pesquisador e coordenador da Série de Cadernos do Grupo de Trabalho de Desigualdades Urbanas do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso).