Divisão e primavera sindical?
Que motivos levaram uma parte do sindicalismo norte-americano a romper com a AFL-CIO e formar uma nova coalizão. Quais as possibilidades de ela estimular o ressurgimento das lutas por direitos sociaisRick Fantasia
De que maneira o movimento sindical se mobiliza para enfrentar a crise que o atinge? Dividindo-se… Ainda que seja difícil compreender como um movimento dividido poderia responder com mais eficiência aos ataques a que está submetido. Mas é no que acreditam os fomentadores de uma coalizão, a “Change to Win” (Mudar para vencer), que reúne sete dos sindicatos mais importantes dos EUA, representando seis milhões de trabalhadores. No último mês de setembro, eles deixaram a American Federation of Labor — Congress of Industrial Organizations (AFL-CIO), censurando-lhe uma incorrigível inércia burocrática. Envelhecimento das estruturas, incapacidade para sanar as finanças, falta de estratégia para combater a perda de adesões: nada parecia mudar na AFL-CIO [1].
O grupo dissidente é dirigido por Andy Stern, presidente da Service Employees International Union (SEIU, sindicato do setor de serviços) — uma estrutura com 1,8 milhão de membros, o que a torna a mais importante do país. É também o sindicato cujos efetivos crescem mais rapidamente. Concentrado especialmente no setor da construção civil (que inclui limpeza e jardinagem), da saúde e das administrações, o SEIU sempre serviu como vanguarda para os esforços destinados a transformar a AFL-CIO em organização disciplinada e coordenada, capaz de promover campanhas de recrutamento vigorosas.
Paradoxalmente, esta era também uma das prioridades do presidente da AFL-CIO, John Sweeney, quando ele foi eleito para comandar a confederação sindical em 1995. Sweeney, ele próprio ex-presidente do SEIU, havia conquistado o poder prometendo reformar a associação que ele iria dirigir. A promessa foi mantida em parte, pelo menos no início. A AFL-CIO, de fato, fez do recrutamento de novos membros uma de suas prioridades. Nos Estados Unidos, a questão do tamanho é decisiva. Por um lado, porque as eleições de certificação devem ser feitas no próprio local de trabalho e a dificuldade para consegui-lo é tamanha que se necessita de uma participação ativa do sindicato da categoria. Além disso, porque as organizações que dispõem de uma base militante sólida têm um poder de negociação aumentado em seu setor, o que torna sua utilidade mais visível e aumenta sua capacidade de atrair novos membros. Enfim, porque o poder político dos sindicatos, nos Estados e em Washington, é proporcional a seu número de adeptos.
A AFL-CIO se limitou a lançar campanhas de recrutamento. Ela também tentou redinamizar as dezenas de coletivos sindicais locais, os “central labor councils”, que procuravam articular as diversas organizações operárias de uma cidade, de um condado ou de uma região, com a finalidade de opor, como antigamente, ao poder de uma direção de empresa, a solidariedade dos assalariados de toda uma região. Sob o impulso de Sweeney, a AFL-CIO afastou-se, enfim, do nacionalismo de Guerra Fria que a havia caracterizado por muito tempo, em benefício de um posicionamento mais social-democrata, crítico das práticas neo-liberais e da teologia do mercado.
O problema é que os cerca de 60 sindicatos profissionais que compõem a AFL-CIO dispõem todos de uma autonomia substancial. Não é fácil levá-los a colocar as reformas em prática
O drama de Sweeney e as diferenças da “Change to Win”
Mas o problema de Sweeney é que os cerca de 60 sindicatos profissionais que compõem a AFL-CIO dispõem todos de uma autonomia substancial. Não é fácil levá-los a colocar as reformas em prática. No máximo, consegue-se incitá-los a dedicar mais tempo, energia e dinheiro ao recrutamento de novos membros e à construção de um movimento operário mais poderoso. No entanto, mesmo aí as coisas são menos simples do que parecem. Para muitos dirigentes sindicais, é melhor investir os meios de que dispõem na obtenção de novos “serviços” destinados aos membros ativos (que são, afinal, os que garantem ou não sua reeleição) que dedicar recursos preciosos para tentar recrutar novos membros.
Uma escolha deste tipo não leva a um sindicalismo dinâmico e participativo. A imaginação, que já foi um traço marcante do movimento operário norte-americano, foi sufocada por uma burocracia sindical capaz de desencorajar a eventual criatividade dos dirigentes, assim como de combater qualquer tentação radical da parte deles. Freqüentemente os dirigentes dos sindicatos caracterizam-se também por um espírito pouco propício à constituição de alianças.
Os sete sindicatos fundadores da coalizão “Change to Win” são bastante distintos. Eles compreendem os Teamsters (que incluem agora outras profissões além de transportadores viários); “Unite Here” (Unidade), um conjunto de trabalhadores da área têxtil e de empregados do setor de hotelaria e restauração; a Laborers Union (trabalhadores da construção civil); a United Food and Commercial Workers (empregados de supermercados e outros comércios de varejo); a Carpenters Union (carpinteiros e marceneiros); a United Farm Workers (UFW, sindicato dos operários agrícolas que ficou famoso na Califórnia graças a Cesar Chavez); e por fim o SEIU, que recruta especialmente empregados das administrações, da saúde e dos serviços sociais.
No plano político, algumas destas estruturas estão situadas à esquerda (SEIU, Unite Here, UFW); outras são mais centristas (UFCW) e algumas ainda mais conservadoras (caminhoneiros, marceneiros). A matriz de sua união não é principalmente de ordem ideológica. Em termos de militantismo, ainda que alguns destes sindicatos tenham estado na vanguarda de campanhas de recrutamento (SEIU, UNITE HERE, UFCW), os outros se contentaram em anunciar que esta seria uma de suas prioridades
É um programa de ação que visa voltar mais o sindicalismo para ao exterior, a fim de lhe insuflar novas forças que sedimentem a nova coalizão. A nova presidente do “Change to Win”, Anna Burger, ex-tesoureira da SEIU, insitiu no fato de que “o trabalho de recrutamento deveria ser inteligente, estratégico e constituir nossa Estrela Polar. […] Focando nossos recursos onde estão nossos interesses, nós dedicaremos três quartos deles a uma cruzada em território desconhecido”.
Nos últimos anos, algumas das estruturas reunidas na “Change to Win” obtiveram sucesso no front do recrutamento. É o caso do setor de serviços, com as mulheres e os imigrantes
Surgem as primeiras vitórias
O plano de conjunto visa concentrar o poder financeiro considerável de algumas destas organizações em indústrias ou segmentos escolhidos previamente. E, nos setores onde diferentes profissões são representadas, organizar campanhas reunindo os diversos sindicatos. As estruturas que constituem a “Change to Win” não se comprometem levianamente. Nestes últimos anos, algumas obtiveram sucesso no front do recrutamento. É o caso particular do setor de serviços, com as mulheres e os imigrantes. Alguns sindicatos deixaram a AFL-CIO depois de avaliarem que não era mais possível agir no interior de uma estrutura tão pouco organizada, onde coexiste uma infinidade de corpos de profissões, com culturas fechadas sobre si mesmas. As rivalidades são também numerosas demais, entre sindicatos que às vezes concorrem entre si, fazendo recrutamentos em setores alheios. O racha tem por objetivo criar uma organização mais dinâmica, menos sobrecarregada pela justaposição de estruturas idênticas, mais centralizada.
Em todo movimento que tende a ser centralizador, a questão da participação democrática é rapidamente colocada. A SEIU, em particular, foi objeto de críticas severas neste ponto. À esquerda, ela foi censurada por ter recorrido com muita facilidade ao aparelho sindical para impor sua estratégia, em vez de encorajar a participação e a iniciativa dos sindicalizados de base. A própria existência de censuras deste tipo destaca a evolução progressista do sindicalismo norte-americano desde a chegada de Sweeney ao comando da AFL-CIO.
A SEIU de fato organizou companhas de recrutamento sem nunca se preocupar com a opinião dos militantes locais, preferindo enviar a campo funcionários provenientes do quartel general. Aconteceu também da SEIU impor dirigentes temporários aos grupos locais quando os dirigentes em exercício recusavam as prioridades do centro. Enfim, uma coalizão que inclui o sindicato dos caminhoneiros provoca um ceticismo democrático bastante legítimo em relação à história de corrupção e autocracia de uma estrutura – os Teamsters – antigamente dirigida por Jimmy Hoffa [2].
Apesar de tudo, a “Change to Win” já conseguiu dar consistência a seus compromissos de re-sindicalização dos assalariados. A SEIU conquistou, por exemplo, a certificação de 5 mil trabalhadores em Houston (Texas), em pleno coração de um Sul norte-americano, tradicionalmente pouco receptivo ao movimento operário. A SEIU deve a vitória às estratégias inovadoras, que incluíram a mobilização de líderes religiosos (extremamente poderosos na região) ao lado dos empregados em luta, além do desencadeamento de greves de solidariedade em outros Estados (algo que foi quase esquecido desde a década de 30). Enfim, a SEIU recorreu à alavanca financeira que lhe abriam os fundos de pensão dos empregados do setor público: isto foi suficiente para dissuadir de ataques aos trabalhadores os proprietários dos prédios onde o conflito social havia eclodido. [3]
Ainda que seja difícil predizer hoje os efeitos a longo prazo do racha acontecido na AFL-CIO, nada confirma a hipótese de uma inimizade profunda entre as duas federações, temida por alguns. Acordos entre elas permitirão provavelmente preservar a existência dos coletivos sindicais locais. É inclusive desejável que a concorrência entre os dois grupos leve a um aumento da criatividade e das inovações dentro da AFL-CIO. A inici