Doações não, investimentos: Bruno Covas, eleições e construção civil
Para tornar ainda mais certo e seguro o investimento dos empresários da construção civil e setor imobiliário na campanha de Bruno Covas, a gestão do PSDB na prefeitura deixou claro desde 2017 que joga a favor do mercado: propôs alterações à legislação urbana da cidade que somente visavam a interesses empresariais, desconsiderando diretrizes de reequilíbrio urbano consignadas no Plano Diretor Estratégico de 2014 e a exigência de adequada participação popular
Na reta final da campanha eleitoral, os interesses representados pelas candidaturas à prefeitura de São Paulo ficam cada vez mais explícitos. Grande parte da campanha de Bruno Covas (PSDB), por exemplo, é financiada por empresários ligados ao setor imobiliário e da construção civil, conforme reportagem da Folha de São Paulo. A quem caberá pagar os juros decorrentes desse financiamento caso o candidato seja eleito? A todos nós, moradores de São Paulo.
Há pelo menos duas décadas as campanhas eleitorais de candidatos do PSDB paulista são majoritariamente financiadas pelo empresariado, com grande participação do setor da construção civil e do mercado imobiliário especialmente. Em pesquisa realizada no programa de pós-graduação em arquitetura e urbanismo da Universidade de São Paulo, demonstrei a importância desse setor para as campanhas do partido aqui no estado. Se no âmbito de eleições nacionais as empresas costumavam aportar recursos semelhantes a campanhas de partidos distintos – com uma certa simetria entre PT e PSDB, por exemplo -, em São Paulo o investimento costuma ser consideravelmente maior em candidaturas peessedebistas. E é justamente esse comportamento que nos indica que esses aportes de recurso se tratam de “investimentos”, não de “doações”.
Caso se tratassem de doações, motivadas pelo apelo ideológico dos projetos políticos de cada partido ou de cada candidatura, não haveria diferença no aporte realizado entre campanhas de um mesmo partido nacionalmente e em suas campanhas estaduais ou municipais. Empresas não se orientam em função de princípios e ideais políticos (por mais que realizem ações de “responsabilidade social”), mas, sim, pela maximização dos recursos investidos. Aplicam recursos onde sabem que obterão maiores retornos.
No caso do setor imobiliário e de empresas da construção civil (desde pequenas construtoras e grandes empreiteiras), sua lucratividade está diretamente relacionada com a ação estatal. Se grandes empreiteiras brasileiras dependeram desde o início do século XX de grandes obras públicas rodoviárias e de infraestrutura, gerando até mesmo escândalos de corrupção como no caso do Rodoanel Mário Covas e da campanha de José Serra; as construtoras especializadas na produção imobiliária e residencial também são dependentes do estado. Não se trata apenas da existência ou não de programas governamentais como o “Minha Casa, Minha Vida”, que beneficiou enormemente o setor; mas dependem fortemente de outra função estatal: a regulação urbanística.
Plano diretor
Nem todos os paulistanos sabem, mas a próxima gestão municipal será responsável por conduzir o processo de revisão do Plano Diretor Estratégico de São Paulo (Lei 16.050 de 2014). Na prática, significa que estarão em jogo as regras e parâmetros que determinam o que pode e o que não pode ser construído na cidade. Ora, se o mercado imobiliário e as construtoras somente podem produzir “o que”, “onde” e “como” o Plano Diretor determina e este será revisto em processo conduzido pelo novo prefeito, nada mais lógico do que esse setor usar de todo o poder de influência que dispõe para obter uma legislação mais favorável e, com isso, maximizar seus ganhos. É ou não é então um bom investimento financiar a campanha de Bruno Covas?
Podem surgir dúvidas sobre essa estratégia: não seria mais razoável que apostassem em todas as candidaturas, se isso é tão importante para elas? Investimento em campanhas, por mais que deem retorno, são despesas – vultosas inclusive, conforme demonstra a reportagem da Folha – e, por isso, o empresariado não gasta em candidaturas sem expressão política ou sem condições de ganhar.
No caso de Bruno Covas, o candidato concorre à reeleição e, por ter a máquina pública em suas mãos, entra na disputa com vantagens em relação aos outros candidatos. Para tornar ainda mais certo e seguro esse investimento em sua campanha, a gestão do PSDB na prefeitura deixou claro desde 2017 que joga a favor do mercado: propôs alterações à legislação urbana da cidade que somente visavam a interesses empresariais, desconsiderando diretrizes de reequilíbrio urbano consignadas no Plano Diretor Estratégico de 2014 e a exigência de adequada participação popular. Diante da suspensão pelo judiciário da tramitação da alteração do zoneamento, tornou-se urgente para este empresariado a eleição de um prefeito comprometido com a continuidade desse processo.
A própria dinâmica eleitoral também influenciou o peso desse apoio. O declínio do PT na capital paulista reforçou essa urgência, tendo em vista que viabilizou politicamente a candidatura de Guilherme Boulos. Liderança do movimento sem teto, a desmercantilização da cidade está na cerne da militância e do projeto político de Boulos para a prefeitura de São Paulo. A possibilidade de que seja eleito é provavelmente encarada como uma ameaça por este setor empresarial, que não consegue imaginar formas de lucratividade que não estejam associadas a um padrão predatório de desenvolvimento urbano. No domingo, o que está em jogo não é apenas a escolha de quem ocupará a cadeira de prefeito, mas em que cidade queremos viver. Está em votação a garantia do direito à cidade.
Rodrigo Faria G. Iacovini é advogado, doutor em planejamento urbano e regional pela USP, coordenador da Escola da Cidadania do Instituto Pólis e assessor da Global Platform for the Right to the City. Foi coordenador executivo do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico e trabalhou na Relatoria Especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada.