Dois anos após aprovação em referendum, Brexit segue sem projeto
Fruto de uma campanha política euroceticista, o Brexit ainda permanece uma decisão contestável e incerta Ao mesmo tempo, oposição demonstra incapacidade em propor debates e ações efetivas para reverte-lo
Há cerca de dois anos se votava o Brexit, um referendum que validou uma proposta basicamente apoiada pela direita britânica e europeia. Contudo, como visto anteriormente (artigo de 27/6/2016), faltava um projeto.
Anos se passaram, muitos rumores não foram confirmados. Ainda há incertezas sobre o futuro do Brexit e, sobretudo, da União Europeia (UE). Todavia, se confirmou a hipótese da não existência de um projeto que conduzisse a saída do Reino Unido da UE.
A situação atual é confusa, mesmo com as negociações em andamento, parece existir ainda uma remota possibilidade de que o referendum seja revertido de algum modo (principalmente pela força das pessoas nas ruas).
De um lado, grandes empresas (Bancos e Multinacionais com sede no Reino Unido) estão correndo para elaborar um restructuring plan (plano de reestruturação) que garanta a continuidade dos rendimentos. Nesse caso, é dada a perda de mercados, a necessidade de uma nova reconfiguração político-econômica e novas estratégias de acumulação. Algumas empresas já alertaram sobre o iminente deslocamento de suas sedes produtivas do Reino Unido para a Europa.
De fato, o mercado europeu é ainda mais atrativo e maior do que o britânico. Não apenas as empresas estão pretendendo sua transferência (como a Airbus, Rolls Royce, etc.), CEO’s e funcionários de alto nível também começam a preparar seus planos de imigração europeia.
Por outro lado, o governo de Theresa May demonstra um certo nível de incapacidade nas negociações com a UE. Certamente a UE está colocando obstáculos que comprometem o governo britânico com os termos acordados com a elite do país, em particular o pagamento do divorce bill (boleto de divórcio) para a UE, o qual pode ultrapassar os £39 bilhões (mais de 172 bilhões de reais).
Além disso, manifestações continuam sendo organizadas com o objetivo de realização de um novo referendum como forma de voltar atrás na decisão. O fato é que particularmente na grande Londres, Irlanda do Norte e na Escócia é que o remain (permanecer na UE) venceu o leave (deixar a UE). Na Escócia o remain chegou aos 62%, na Irlanda do Norte 55,8%, e em Londres 59,9%. O resultado final foi de 51,9% pelo leave the UE (total de 17,410,742 votos), e de 48,1% pela permanência na UE (total de 16,141,241 votos)[1].
Os problemas atuais do Brexit…
…estão localizados em diversos campos: a indefinição sobre a situação da população europeia e também da britânica na UE, o problema migratório, o livre mercado, a política agrícola, desemprego, as fronteiras internas (Irlanda e Irlanda do Norte), etc. O descontentamento não está apenas entre jovens imigrantes europeus, ou mesmo britânicos, como também entre setores da classe dominante localizada no UK.
O governo britânico tenta correr para aprovar as reformas necessárias a tempo, que tem data de vencimento para março de 2019. A partir daí, se supõe, começará o verdadeiro período de transição, com duração até 1 de Janeiro de 2021, com ou sem acordo com a UE. Disse a Primeira Ministra do UK: Brexit significa Brexit. Os partidos dominantes do UK estão juntos agora trabalhando pelo acordos que levarão à definição do Brexit. A oposição, hoje, vem de outras partes e pode ser um problema nas negociações futuras, caso consiga ser expressiva nas ruas[2].
Outro fator é o lento, quase nulo, crescimento econômico. Nos três primeiros meses de 2018 o crescimento britânico foi de 0,1%. Ainda que a inflação esteja sob controle, os preços tem aumentado, principalmente de imóveis – um dos principais meios da casta de rentistas no UK.
Expectativas sobre as redefinições
Fruto de uma campanha política euroceticista, o Brexit ainda permanece uma decisão contestável e incerta. Ao mesmo tempo, demonstra a incapacidade das organizações políticas (partidos, por exemplo) em propor debates e ações efetivas, em se tratando de reverter o Brexit.
Em particular, seria paradoxal reverter o referendum e voltar ao estágio letárgico da UE. Em poucas palavras, desde a crise de 2008 tem se demonstrado cada vez mais evidente que a UE é um espaço de livre comércio e concorrência, e tudo o resto é secundário.
Secundário, porém não menos importante e não desconexo com o que é primário. A primeira pré-definição do Brexit veio à luz há poucos dias, numa revelação sobre as possíveis medidas a respeito da permanência dos cidadãos europeus no UK: a comprovação da identidade, o motivo de residência (permanência) no UK e antecedentes criminais.
A redefinição das fronteiras, sejam elas turística, comercial ou política, seja entre as Irlandas[3] ou seja entre UE e UK (Reino Unido), além de controlar a mão de obra europeia, repercute sobre o controle da mão de obra imigrante extra-europeia. Fator que, para a Primeira Ministra May, deve ser sustainable (sustentável), abaixo dos 100 mil imigrantes ao ano – jogando para a UE a integridade da crise migratória atual.
O jogo pode mudar também através da redefinição das leis internas do UK após o abandono das leis da UE, o que significa um esforço a mais para os setores politicamente dominantes do UK. Esse, aliás, era um dos elementos argumentativos da direita britânica durante a campanha pelo leave, indicando a necessidade do UK retomar as iniciativas legislativas, estabelecendo regras favoráveis especialmente à economia inglesa.
Novos interesses para além do UK e UE
A reconfiguração da presença do UK na UE certamente terá um grande impacto no campo das políticas sociais como na economia do continente. Mas a situação não é isolada e está se desdobrando de acordo com os novos eventos na política internacional.
Parece ser quase automática a reaproximação do UK com a América do Norte, mas a saída da UE também é um obstáculo a menos nas políticas mais agressivas, imperialistas, do UK em outras áreas do mundo. A reconfiguração geopolítica aponta para uma reaproximação do UK e USA, o que talvez significaria um mútuo apoio estratégico tendo em vistas o continuo crescimento chinês e a forte presença militar russa em áreas de conflito que envolvem também USA e UK.
Característica que indica um retorno à um passado ainda mais agressivo, realista, de avanço da economia britânica para fora do espaço europeu[4].
*Rodrigo I. Francisco Maia é Mestre em Ciências Políticas (UNESP-Brasil) e Relações Internacionais (UNIPG-Itália) e PhD estudante – Brunel University London