Recentemente escrevi que o Brasil poderia apresentar uma taxa de crescimento econômico nos próximos anos e intensificar uma recuperação cíclica com as medidas liberais. Entretanto, isto não poderia ser visto como uma panaceia, que levaria o país para o desenvolvimento automaticamente. Naquela ocasião destaquei a importância da educação, ciência, tecnologia, inovação e de outras políticas socioeconômicas para o desenvolvimento de longo prazo. Atualmente, existe certa euforia por parte de alguns a respeito da economia brasileira, por conta da inflação baixa, redução dos juros, privatizações e liberalização. Contudo, exercendo meu papel social de provocar o debate, gostaria de realizar um contraponto para gerar reflexão.
É bem verdade que a inflação está em patamares historicamente baixos. Todavia, é importante questionar até que ponto ela não está controlada, pois vivemos uma das maiores crises no Brasil, caracterizada pela precarização no mercado de trabalho, poder de compra baixo e desemprego alto. Estes fatores certamente contribuem para a inflação estar “controlada”. O grande desafio é crescer economicamente, gerar emprego, renda, consumo e ainda assim controlar os preços. Ter uma inflação baixa às custas de uma elevação brutal do desemprego e desalento não chega ser um motivo de comemoração.
Juros
Outro elemento muito festejado é a taxa básica de juros em queda e certamente é um grande avanço de fato, pois reduz o gasto público com juros e resulta em benefícios para o país. Entretanto, não conseguimos observar uma redução na mesma magnitude do spread bancário (diferença entre a remuneração que a instituição financeira paga para captar um recurso e o quanto ele cobra para emprestar). Ou seja, até que ponto esta redução está fazendo a diferença no cotidiano das pessoas que pegam empréstimos no curto prazo para sobrevivência de seu pequeno negócio?
Outro ponto positivo é a valorização da Bolsa de Valores. A “B3”, sediada na cidade de São Paulo vem batendo recordes de alta. Isto é positivo, pois ajuda as empresas a obterem recursos para financiar projetos e crescerem. Mas de um modo geral são as pequenas e médias empresas que mais empregam no Brasil e estas, muitas vezes, não conseguem se beneficiar deste processo, como veremos nos dados de falências a seguir. Nesse contexto, inflação baixa, juros baixos e bolsa de valores em alta são muito importantes para a economia brasileira e é sim digno de nota. Contudo, como está a economia real, das pequenas empresas, dos pequenos comércios e das pessoas mais simples? Observando os dados está muito mal.

Falências
Dados da Boa Vista, divulgados pela mídia, revelam que pequenas empresas representam 96% das falências decretadas em 2018. Segundo a junta comercial de São Paulo, o estado registrou o fechamento de 2.325 indústrias de transformação e extrativas no período de janeiro até maio de 2019. Este é o maior valor em dez anos.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), realizada pelo IBGE e divulgada em outubro de 2019, 104 milhões de brasileiros vivem com R$ 413 reais por mês, ou seja, em torno da metade da população do país está na penúria.
Quanto ao mercado de trabalho, a taxa de informalidade no Brasil bate recorde e o número de ambulantes aumenta extraordinariamente. Ainda de acordo com dados do IBGE, a extrema pobreza e desigualdade crescem há 4 anos. Ou seja, por um lado, a renda dos 10% mais ricos da população subiu 4,1% em 2018, já o rendimento dos 40% mais pobres caiu 0,8%, na comparação com 2017. Esse cenário pode ser ainda pior, pois estudiosos da temática apontam para a possibilidade de ocorrer uma subestimação na aferição da renda dos mais ricos, ou seja, os mais ricos podem ser ainda mais ricos.
Portanto, existem sim indicadores positivos na economia brasileira, mas julgo prudente comemorar apenas quando a vida da maioria das pessoas estiver melhor. Desse modo, existe um abismo entre as pessoas da faria lima (um dos locais mais ricos do Brasil) e das pessoas que moram no sertão ou nas periferias.
Mateus Boldrine Abrita é professor efetivo na UEMS. Doutor em economia pela UFRGS. Possui trabalhos científicos publicados no Brasil e no Exterior.