E se, em vez de votar, os eleitores dessem notas aos candidatos?
“Jean-Luc Mélenchon é o vencedor da eleição presidencial francesa!” Eis o que poderia ter acontecido se os eleitores tivessem atribuído notas a cada candidato em vez de escolherem um único. Emmanuel Macron teria vencido mesmo com outros tipos de votação. Além desses resultados surpreendentes, pesquisadores têm interesse em levar melhor em consideração os desejos dos eleitores
Na ampla sala da Bolsa de Estrasburgo, por ocasião do primeiro turno da eleição presidencial francesa, em 13 de abril de 2017, os eleitores votam duas vezes. Após cumprirem suas obrigações enquanto cidadãos, são convidados a preencher duas cédulas do que seriam eleições alternativas: a primeira permite atribuir uma nota a cada candidato (voto por avaliação); a outra possibilita votar não em um, mas em quantos concorrentes quiser (voto por aprovação). O vencedor será o que totalizar o maior número de votos ou de pontos. Ao todo, 6.358 pessoas concordaram em participar dessa experiência em cinco comunas: Estrasburgo, Grenoble, Hérouville-Saint-Clair, Crolles e Allevard. Sete pesquisadores provenientes de diversas universidades francesas e do Centro Nacional da Pesquisa Científica (CNRS) conduziram essa operação, chamada “Outras maneiras de votar”.
O pequeno número de assentos conquistados pela oposição de direita e mais ainda de esquerda na última Assembleia Nacional merece ser analisado com atenção. Ao prometer – como seu predecessor – introduzir uma eleição proporcional, o novo presidente da República relança o debate sobre qual a dose correta capaz de melhorar a representação sem que a dispersão dos votos favoreça a instabilidade governamental. Esse debate se centra no modo como são valorados os votos após as eleições. Desde 2002, uma dezena de matemáticos, economistas e especialistas em informática leva a questão mais longe, ao propor que se reconsidere o modo universal da expressão política: a escolha de um único indivíduo ou de uma única lista. “Votamos no primeiro turno para manifestar nossa opinião ou para pressionar a decisão final, como é o caso do voto útil? O ideal é que esses dois objetivos coincidissem, mas isso não acontece”, explica Jean-François Laslier, pesquisador da área de ciências sociais no CNRS e na Escola de Economia de Paris. Precursor de experiências eleitorais na França, em 2002, esse herdeiro da economia normativa analisa há quinze anos a maneira como emergem as decisões coletivas a partir de escolhas individuais. “Com o voto estratégico, um bom número de votos não traduz necessariamente uma preferência política”, continua. Assim, o voto “útil” faz que se privilegie candidatos cujas chances de vencer são supostamente mais importantes, mesmo que eles não sejam a primeira opção do eleitor.
François Fillon, terceiro, teria ficado em oitavo
Essa constatação não é nova. Desde o final do século XVIII, Nicolas de Condorcet salienta este paradoxo:[1] em uma eleição com mais de dois participantes, um candidato pode obter uma maioria de votos ao mesmo tempo em que perderia de cada um dos outros candidatos separadamente. Em outras palavras: com o escrutínio majoritário em dois turnos, um candidato eliminado no primeiro turno poderia muito bem ter ganhado de cada um dos dois qualificados para o segundo turno. Para tentar eliminar esse paradoxo, a equipe de “Outras maneiras de votar” propôs aos eleitores – inclusive aos que votaram em branco – escolherem vários candidatos ou dar nota a cada um usando escalas de valores variados: por exemplo, (0, 1, 2) unicamente positivo ou (-1, 0, 1) igualmente negativo etc.
Quem foi o vencedor? Com os dois escrutínios por aprovação (em um ou dois turnos), Emmanuel Macron continua eleito. Em compensação, Jean-Luc Mélenchon – que chegou em quarto lugar no escrutínio oficial – é quem vence em alguns casos hipotéticos do voto por avaliação. Uma escala de valores diferente gera um vencedor diferente: entre os nove testados, o candidato do partido de esquerda A França Insubmissa ganha em cinco casos, e Macron nos outros quatro. A possibilidade de atribuir notas negativas penaliza mais esse último. Por outro lado, ela faz afundarem Marine Le Pen (2ª) e François Fillon (3º), que se encontram, por exemplo, no oitavo e nono lugares quando são avaliados de acordo com a escala -2, 0, 1. Liberado das imprevisibilidades do voto útil, Benoît Hamon (5º) saltou em todos os protocolos para o terceiro lugar, ficando Macron e Mélenchon sistematicamente nos dois primeiros. Enfim, 75% das pessoas que tinham votado em branco na eleição presidencial oficial manifestam uma preferência quando se propõe atribuir notas aos candidatos, e os 25% restantes atribuíram a nota mínima a todos os candidatos. De modo geral, parece que os eleitores se apoderam facilmente das possibilidades de expressão a mais proporcionadas pelos modos de votação testados e não hesitam em apoiar vários concorrentes, em média dois a três. Além disso, a avaliação permite matizar o voto, ao levar em conta diferentes graus de aprovação: um defensor de Philippe Poutou (Novo Partido anticapitalista, 8º colocado) lhe dá uma nota muito boa e, em geral, avalia favoravelmente Mélenchon; assim, os “pequenos candidatos” não são mais penalizados por seus homólogos bem colocados nas pesquisas.
Seria muito imprudente generalizar a maneira como os cidadãos poderiam se apropriar desse tipo de escrutínio a partir de uma experiência pontual, assim como concluir que essa solução permitiria por si só levar os abstencionistas às urnas. Todavia, particularmente as pessoas entrevistadas na saída da experiência em Estrasburgo se mostram entusiasmadas. Na maior parte das vezes, elas argumentam a possibilidade de dar uma informação a mais “ampliada e com diversas nuances”, “menos influenciada pelas pesquisas” ou “mais sincera”.
Embora em seis de onze casos o modo de escrutínio alternativo não altere o vencedor, ele reverte sistematicamente a classificação. Em todos os testes eleitorais realizados há quinze anos, os candidatos centristas e ecologistas se destacam, enquanto os da Frente Nacional caem vertiginosamente.[2] Portanto, o poder relativo dos grupos políticos seria diferente se reformássemos a forma de votar? “Além da qualificação no segundo turno, o primeiro turno da eleição presidencial dá também uma fotografia das relações de força entre os grupos políticos, assim como da importância de diversas disputas sociais (ecologia, imigração, segurança…). Essa fotografia será importante mais tarde não só para negociar cargos ministeriais ou alianças nas eleições posteriores, mas também de modo geral para a percepção que a sociedade tem de si mesma”, lembra Karine van Der Straeten, economista na Escola de Economia de Toulouse.
De acordo com o cientista político Nicolas Sauger, cujo trabalho se articula em torno das transformações históricas da disputa política, “o fato de os experimentos serem conduzidos após uma campanha estruturada pelo modo uninominal majoritário em dois turnos deve nos fazer relativizar o valor desses resultados. É preciso ter em mente que um modo de escrutínio diferente terá também repercussões cada vez maiores, nos discursos políticos, na estrutura dos partidos e, de um ponto de vista mais genérico, na maneira de fazer política”. Podemos também nos perguntar sobre o modo que uma imprensa ávida por espetáculo e prescrições poderia se apropriar disso. “Enfim, o espaço político não é determinado apenas pelo modo como os votos são agregados”, salienta. “O calendário eleitoral e o zoneamento das circunscrições também influenciam consideravelmente os resultados e as estratégias partidárias”.
Desde meados do século XX, os teóricos da escolha social, dos quais o economista neoclássico norte-americano, Kenneth Arrow, é uma das figuras principais, formalizaram que não poderia haver sistema eleitoral perfeito que permitisse evitar as armadilhas da escolha estratégica[3] nem se abstrair de fenômenos perversos como o paradoxo de Condorcet.[4] “Na mesma medida, os sistemas eleitorais não são equivalentes. E fazemos justamente experimentos para completar a teoria, saber em que sentido um modo de escrutínio determina o comportamento dos eleitores e como eles o utilizam”, esclarece Herrade Igersheim, pesquisador da área de economia no CNRS e na Universidade de Estrasburgo. Por exemplo, se o voto por avaliação fosse adotado, não seria impossível que, com o tempo, os eleitores utilizassem apenas as notas extremas, de modo a influenciar mais a decisão final. O voto útil reapareceria, assim, sob uma outra forma.
Prêmio aos candidatos “exclusivos”
Poucos trabalhos científicos permitem atualmente prever quais seriam as consequências da instituição de outros modos de escrutínio sobre a oferta política. No entanto, analisa Karine van Der Straeten: “O que conta, hoje, é obter uma boa classificação nas preferências de alguns eleitores. E, se você prevê que alguns grupos de eleitores vos são hostis, não há nenhuma aprovação política, eles não votarão justamente em você”. Assim, o escrutínio uninominal favorece candidatos “exclusivos” que nitidamente se destacam na oferta política como defensores da segurança ou da ruralidade, capazes de atrair um público-alvo utilizando estratégias de clivagem mais do que de agregação. Em compensação, um sistema de voto por avaliação, com o risco de ser punido por notas negativas, tornaria arriscado eleitoralmente para os candidatos terem programas voltados unicamente para alguns grupos em detrimento de outros. Ela prossegue: “Os procedimentos eleitorais que permitem aos cidadãos expressar sobre toda a oferta política favorecem provavelmente programas e campanhas mais inclusivas e, geralmente, clivagens políticas menos violentas”.
Para testar essa hipótese, Karine van Der Straeten estuda com outros pesquisadores o voto por aprovação no Bénin, onde os discursos dos partidos políticos despertam conflitos étnicos muito violentos. Entre centenas de países onde as eleições são feitas por sufrágio universal, cerca de 80% utilizam o modo de escrutínio uninominal majoritário em um ou dois turnos. Pouquíssimos países recorreram a modos alternativos para eleger o chefe de Estado, como na Irlanda, onde os eleitores devem fazer uma classificação de todos os candidatos. O mesmo ocorre no caso da eleição para deputados na Austrália ou na Papua-Nova Guiné, assim como para o nível local em São Francisco e em várias cidades norte-americanas. Em outros países, como o Reino Unido em 2011 ou o Canadá (ler box), vimos a reforma soçobrar. O espaço político continua a ser percebido como uma coletividade em luta, e a eleição como um ritual de enfrentamento.
*Charles Perragin é jornalista, Collectif Singulier.
Box – Falsa promessa no Canadá
Na campanha para as eleições federais de 2015, o dirigente do Partido Liberal do Canadá, Justin Trudeau, anunciou que estas “as últimas eleições organizadas de acordo com um escrutínio majoritário uninominal em um turno”. Após sua vitória, a Câmara dos Comuns (Parlamento) criou, na primavera de 2016, um comitê incluindo os cinco partidos eleitos para o Parlamento e, durante seis meses, seus doze membros receberam especialistas, organizaram consultas locais em todas as províncias e fizeram uma enquete pela internet. “No início, o primeiro-ministro sugeriu o voto preferencial (classificação). Aos poucos, o Partido Liberal deu marcha a ré”, lamenta Alexandre Boulerice, representante do Novo Partido Democrático nesse comitê. “Hoje a reforma está completamente entravada, e o primeiro-ministro disse com todas as letras que não haverá mudança nas próximas eleições de 2019, alegando ausência de consenso na sociedade canadense.”
“Quando Justin Trudeau fez essa promessa eleitoral, o Partido Liberal estava muito atrás de acordo com as sondagens”, lembra André Blais, professor de Ciência Política na Universidade de Montreal. “Ao final, eles ganharam 55% dos assentos com 39% dos votos.” O relatório liberado em dezembro de 2016 não preconiza um modo de escrutínio preciso, simplesmente a realização de uma proporcional com uma cláusula de barreira, como na Alemanha. Mas ele não conseguiu a aprovação dos liberais, que não querem colocar em questão um sistema que os beneficia.
Em 2005, um comitê de 160 cidadãos escolhidos aleatoriamente já havia proposto um sistema de classificação na Colúmbia Britânica. Mas a Assembleia provincial tinha fixado um mínimo de 60% para que a reforma fosse adotada e, no final, faltaram 2%. Desde o recuo de Trudeau, neodemocratas e ecologistas tomaram a frente, e uma outra província, a Nova Brunswick, acaba de designar uma comissão para reformar o modo de escrutínio. (C.P.)
[1] Nicolas de Condorcet, Essai sur l’application de l’analyse à la probabilité des décisions rendues à la pluralité des voix, 1785.
[2] Ler, de Antoinette Baujard, Herrade Igersheim, Isabelle Lebon, Frédéric Gavrel e Jean-François Laslier, Who’s favoured by evaluative voting: An experiment during the 2012 French presidential election, Electoral Studies, n.34, 2014.
[3] Ler, de Allan Gibbard, Manipulation of voting schemes : A general result, Econometrica, v.41, 1973 e, de Mark Satterthwaite, Strategy-proofness and Arrow’s conditions: Existence and correspondence theorems for voting procedures and social welfare functions, Journal of Economic Theory, v.10, n.2, 1975.
[4] Kenneth Arrow, Social choice and individual values, Yale University Press, New Haven, 2012.