Em busca de realismo, mas virtual
Gráficos em alta definição, inteligência artificial, cenários complexos… Graças ao aumento da potência de processamento, a indústria videolúdica se lançou em busca de um realismo que procura, em primeiro lugar, fortes sensações em vez de tentar imitar a realidadeMartin Lefebvre
O herói de Animal Crossing, jogo desenvolvido pela Nintendo em 2001 e que teve 25 milhões de exemplares difundidos, mora em um povoado colorido, onde o consumismo tem um aspecto circular e infantil. Para pagar seu crédito imobiliário, ele colhe maçãs e as vende a um guaxinim comerciante, captura insetos e os oferece a um museu local; seus vizinhos lhe enviam presentes. O universo dosSims (Electronic Arts, 2000, 170 milhões de exemplares) não é tão bucólico: em um bairro de classe média norte-americano, nas cercanias da cidade, os simulacros de indivíduos que o jogador manipula são autômatos ambiciosos que se mexem para satisfazer as exigências da existência, tais como a fome, a higiene, a vida social; eles se permitem roupas Diesel, móveis Ikea, automóveis Renault. Representações da vida cotidiana que evidenciam relações com o mundo diametralmente opostas: enquanto a estética japonesa privilegia a estilização e o imaginário, o jogo eletrônico ocidental, hoje amplamente dominante, foi elaborado em busca do realismo.
Por realismo videolúdico é preciso em primeiro lugar entender a simulação: o procedimento que consiste em modelar uma realidade por meio de um sistema de regras. Assim, o Europa Universalis IV, último título do estúdio sueco Paradox, especialista em estratégia histórica, coloca o jogador nos comandos de uma nação que ele trata de fazer prosperar ao longo dos tempos modernos. Seu principal arquiteto, Johan Andersson, resume esse procedimento para o estabelecimento das regras: “Consideramos as opções históricas [políticas, religiosas, econômicas] com que os países depararam e nos esforçamos para traduzi-las em uma lógica lúdica, a fim de que o jogador possa experimentá-las”.
Graças ao aumento da potência das máquinas e a um trabalho preparatório cada vez mais elaborado, as simulações propõem uma experiência fiel à realidade. O norte-americano Dan Greenawalt, produtor do simulador de automóvel Forza Motorsports 5, na Turn 10, reivindica uma abordagem quase científica. Segundo ele, “não recuamos diante de nenhuma despesa quando se trata de efetuar pesquisas. Fazemos o máximo possível para continuar na ciência de ponta em termos de dinâmica dos veículos”. Com base em procedimentos como a modelização por meio do laser, Greenawalt pretende reproduzir os circuitos com tanta fidelidade, que é possível distinguir “o mato nas margens e a menor irregularidade da pista”. Com a mesma preocupação com os detalhes, Thomas Frey, diretor artístico do estúdio Giants, de Zurique, cujo Farming Simulator vendeu 4 milhões de exemplares, coloca o jogador nos comandos de uma produção agrícola e de seus tratores: “Trabalhamos com muitos profissionais, fabricantes de máquinas agrícolas, agricultores e especialistas”. No entanto, Andersson avalia que é preciso reconhecer os limites da simulação, principalmente a partir do momento em que se leva em conta a imprevisibilidade humana: “A realidade é extremamente complexa para ser reproduzida, sobretudo se procuramos criar uma experiência divertida”.
Apesar desse limite, os jogos eletrônicos dispõem de uma capacidade incontestável de possibilitar sentir os lugares e as dinâmicas a que estão submetidos. “Eles representam perfeitamente o espaço, talvez melhor do que qualquer outro meio”, entusiasma-se Dan Houser, vice-presidente da Rockstar Games. O Grand Theft Auto V, última produção do estúdio nova-iorquino, leva o jogador a perambular em Los Santos, uma miniatura de Los Angeles, de seus bairros miseráveis e suas vilas luxuosas, de suas praias a suas zonas industriais, de seus campos de golfe e de seus boliches. Certamente, é possível criticar o jogo por sua ultraviolência e sua propensão a vilipendiar tanto os republicanos quanto os sindicalistas, mas isso não elimina sua capacidade de nos projetar em um lugar. Circular nas ruas de Los Santos tem tanto de turismo virtual quanto de um passeio sociológico, e permite captar a atmosfera da cidade assim como as tensões que a movimentam.
Os jogos eletrônicos dispõem de ferramentas cada vez mais ricas para reproduzir a realidade. Mas, à medida que a indústria se volta para um público mais amplo e se aumentam os interesses econômicos, ela tende a seguir a propensão que tem o modelo hollywoodiano de estimular as fantasias do público. Um jogo de tiro militarista, como o Call of Duty: Ghosts(da Activision), reivindica o “fotorrealismo”: ele mostra imagens que se pode crer que saíram de um filme.
Essa conduta deve ser diferenciada do realismo no sentido estrito. Não de trata de reproduzir com exatidão o que se passa no campo de batalha: quais seriam, de fato, as perspectivas comerciais de um jogo que permite encarnar um soldado de infantaria em luta contra o horror cotidiano da guerra? A simulação física e a potência gráfica colocam-se aqui a serviço de um espetáculo que se contenta com a credibilidade. Os efeitos especiais permitem aos desenvolvedores imaginar cenas impressionantes: para que o jogador continue no comando de seu aparelho, a avalanche de explosões deve dar a impressão de ser verdadeira; a suspensão da incredibilidade, essa capacidade do espectador de acreditar no que o fazem ver, não deve ser interrompida.
Produzir uma imagem do mundo
Aliás, não é a própria realidade que o jogo procura reproduzir, mas uma realidade secundária, filtrada pelo prisma das mídias, principalmente do cinema e da televisão. Assim, as simulações esportivas, como o jogo Fifa, da Electronic Arts, ou o NBA2K, da Take-Two Interactive, não representam o futebol e o basquete, tais como são praticados na vida real, mas sobretudo como são retransmitidos, com as cenas em câmera lenta, as inserções de imagens, a fala dos comentaristas.
Se esses dispositivos fazem esse sucesso, é porque oferecem a possibilidade de passar da condição de espectador e jogador para o papel principal. Mesmo um defensor do realismo, como Greenawalt, admite nas entrelinhas: ele quer criar um “tubo de ensaios”, uma área de jogo onde é possível ter a experiência dessas fantasias; pôr-se no volante de um carro dos sonhos e de marca para se ver diante de “situações que, no mundo real, não seriam economicamente viáveis, confiáveis ou seriam extremamente perigosas”. Se você não tem meios para comprar um novo automóvel, resta sempre o mundo encantado do jogo eletrônico.
Em frente à tela, o jogador tem a oportunidade de incorporar um enorme número de papéis, de endossar todo tipo de panóplia. Há jogos para todos os gostos, mesmo os mais insólitos. Você gosta de estradas de ferro? Existe o Train Simulator 2014. Sonha estar sempre na estrada? O Eurotruck Simulator 2 foi feito para você, com sua carroceria de 30 toneladas, seus quilômetros de rodovia entre Gdansk e Düsseldorf. Tem alma de fazendeiro? Você está no alvo do Farming Simulator. Cada um desses jogos tenta encontrar o difícil equilíbrio entre a simulação e a diversão: “Uma simulação realista corre o risco de ser repetitiva e enfadonha. Na maior parte do tempo, somos obrigados a simplificar, para que seja mais intuitivo e engraçado”, diz Thomas Frey. O “engraçado”, última finalidade do divertimento videolúdico, representa assim um severo limite do que é representável.
No entanto, não deveria ser necessário considerar o realismo como um simples artifício. Se é permitido não transbordar de entusiasmo diante da moda atual dos “jogos sérios” – muitas vezes operações de comando, que procuram conduzir os jogos eletrônicos pelo viés de sua utilidade como instrumento de aprendizagem ou de sensibilização –, não se pode negar que alguns jogos da atualidade (newsgames) permitem problematizar situações de maneira pertinente. Assim, no September 12th, de Gonzalo Frasca, é possível ver o efeito devastador dos ataques ditos “cirúrgicos”, ao demandar que os jogadores abatam terroristas com um visor muito grande para evitar as vítimas colaterais. Mas, por mais eficaz que seja, o procedimento tem mais da concepção da imprensa do que da simulação no sentido estrito.
Talvez, o futuro do realismo resida em um naturalismo intimista, no nível de um cotidiano apresentado sem artifícios. Trata-se de uma tendência dos jogos independentes, cada vez mais construídos em torno de assuntos aparentemente banais. Estamos pensando principalmente nos jogos autobiográficos, como Depression Quest, em que a jovem desenvolvedora, Zoe Quinn, explora sua própria vivência por meio de uma ficção interativa. Assim, ela busca sensibilizar um público que teria tendência a estigmatizar as pessoas depressivas e se dirige a estas últimas para lhes lembrar que não estão sozinhas.
Papers Please, de Lucas Pope, também faz emergir a realidade cotidiana com toda sua banalidade e crueldade. Nele, o jogador incorpora um guarda de fronteira em uma ditadura fictícia: na fila, ele verifica os passaportes dos candidatos à imigração antes de deixá-los entrar, de impedi-los ou, se for o caso, de prendê-los. Ao multiplicar progressivamente as regras, o Papers Please chega a manter um interesse lúdico, mostrando ao mesmo tempo até que ponto a rotina pode se tornar insensível: apressado pelo tempo, o jogador se desumaniza e desumaniza os migrantes.
BOX 1:
Eldorado publicitário
Em 2009, o mercado da publicidade inserida nos videogames subiu para US$ 699 milhões. Ele pode ultrapassar US$ 1 bilhão em 2014.
(“In game advertising”, Malone Media Group, Houston, 27 set. 2013)
As opções para integrar uma marca a um jogo variam de preço, indo de centenas de milhares de dólares a milhões, segundo o nível de integração. O custo médio para uma integração básica varia entre US$ 200 mil e US$ 400 mil.
(Amy Johannes, “In the game”, Promo, fev. 2006)
Ninguém usa um lenço de papel, usa Kleenex. Ninguém consome um pacote de batatinhas, consome Ruffles. Em uma experiência videolúdica, você não quer entrar de carro na lanchonete, quer entrar no McDonald’s.
(Mike Fisher, vice-presidente da Sega USA, 2002)
BOX 2:
Os mineiros das planícies de Azeroth
“Solitário e falido como eu.” É assim que Mathieu Drouet, fotógrafo na casa dos 30 anos, descreve seu alter ego virtual em World of Warcraft (WoW). Ele faz parte dos 7,7 milhões de inscritos1 nesse “jogo de interpretação de papéis on-line intensamente multijogador”, um tipo de videogame no qual, pela internet, milhares de jogadores encarnam os personagens de um mundo de fantasia medieval “persistente” – quer dizer, que continua evoluindo mesmo quando um jogador se desconecta. WoW é, de longe, o mais popular nessa categoria. Ao longo de missões e enfrentamentos, faz-se evoluir sua criatura, que vai ganhando as competências e os artefatos que lhe permitem participar das batalhas cada vez mais épicas. Os mais viciados “cultivam” por longas horas, reproduzindo os mesmos combates e missões fastidiosas a fim de coletar o ouro necessário para a compra de armas e amuletos com poder devastador.2 Jogador pequeno – quinze minutos por dia em média –, Drouet teve de esperar vários meses antes de alçar seu “xamã Tauren” ao nível 90, o mais elevado.
Porém, se ele fosse menos “falido”, poderia recorrer a uma técnica muito mais rápida: comprar ouro virtual com euros verdadeiros. Dezenas de sites propõem comprar 10 mil “peças de ouro” com o selo do WoW por 8,84 euros (valor em novembro de 2013).
Assim que a venda é validada, o marchand confia a coleta a profissionais, pagos para “cultivar” em tempo integral. Num relatório sobre a economia virtual, o Banco Mundial calculava cerca de 10 mil “jogadores profissionais”, essencialmente asiáticos e majoritariamente chineses.3 Contratados por empresas de diversos tamanhos e sob regimes variados, eles passam mais de 60 horas por semana diante das telas, recebem um salário mínimo e são sumariamente alimentados e instalados em dormitórios. Seu trabalho sustenta um mercado estimado em 2009 em US$ 3 bilhões.
Mas esse sistema, que ilustra a aplicação da divisão internacional do trabalho nos mundos virtuais – ali também os países ricos terceirizam as funções mais ingratas –, suscita algumas reservas. Não necessariamente sobre as condições de trabalho: entre os inscritos em WoW, os mais críticos denunciam principalmente as práticas que desequilibram o jogo e provocam uma inflação galopante. Da desconfiança em relação aos jogadores asiáticos ou que falem mal inglês aos ataques racistas contra personagens suspeitos de ser gold farmers, suas medidas de retaliação imitam também nisso as situações da vida real… A Blizzard, que edita WoW e busca regularmente novas maneiras de lutar contra essa concorrência criativa, poderia mudar esse jogo. Confrontada a uma erosão das inscrições – eram 12 milhões em 2011 –, a empresa modifica progressivamente o jogo a fim de conservar seus clientes: “Eles criaram a Ilha do Tempo Congelado para que os jogadores ruins pudessem progredir com mais facilidade”, ressalta Drouet. E para ficar com todo o tesouro, a Blizzard pode até mesmo abrir em breve sua própria loja de ouro virtual. (Por Guillaume Barou)
Martin Lefebvre é Cofundador do site de crítica de videogame www.merlamfrit.net .