Em tempos de austeridade, o que significa uma proposta de aumento de recursos para a Defesa?
Em meio a crise, setores militares reivindicam aumento de investimentos da ordem de 1,5% para 2% do PIB. Desde a criação do ministério civil, em 1999, a Defesa é uma das áreas que recebe a maior fração do orçamento público, ao lado das despesas com a Saúde e a Educação.
No dia 22 de julho de 2017, em audiência na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional realizada no Senado, o Comandante do Exército Brasileiro, general Eduardo Villas Bôas, revelou grave preocupação quanto à situação financeira do exército brasileiro para o segundo semestre de 2017. Em meio às dificuldades econômicas do Estado brasileiro, o general fez da ocasião uma oportunidade para defender os investimentos no setor de Defesa: em especial, seus impactos fundamentais no desenvolvimento científico, econômico e na geração de emprego e renda.
O comandante do exército, ademais, ponderou que a OTAN – Organização do Tratado Atlântico Norte – recomenda que seus países membros aumentem os recursos destinados à defesa de 1,5% do PIB para 2%. Vale mencionar que, ainda em 2013, tal recomendação já havia sido feita pelo então ministro da defesa e diplomata de carreira Celso Amorim, que defendia a meta de 2% do PIB para os gastos militares no Brasil.
Uma investigação mais atenta das despesas governamentais, entretanto, revela que os gastos com Defesa atingem um montante considerável, ou seja, as cifras não são desprezíveis. Desde a criação do ministério civil, em 1999, a Defesa é uma das áreas que recebe a maior fração do orçamento público, ao lado das despesas com a Saúde e a Educação. É importante frisar que, ao longo dos anos 2000, a porcentagem dos gastos em relação ao Produto Interno Bruto se manteve relativamente estável – por volta de 1,5% – e, a despeito das pequenas oscilações observadas, em valores absolutos tal montante é bastante expressivo, conforme demonstra o gráfico abaixo, elaborado a partir das informações coletadas pelo SIPRI – Stockholm International Peace Research Institute:
Evolução das despesas militares em relação ao PIB (1999-2016) ¹
Fonte: Elaboração própria a partir de SIPRI Military Expenditure Database.
Por um lado, a despesa em relação ao PIB evidencia uma trajetória marcada pela estabilidade. Se, em 2004, o gasto militar representava 1,5% do PIB, esse número diminui para 1,3%, em 2016, uma alteração deveras pouco sensível, ao longo de 8 anos. Por outro lado, se observa um crescimento dos gastos durante os anos 2000, fruto tanto de um aumento do PIB em valores absolutos, como de uma política deliberada de reestruturação da Defesa, sobretudo após a publicação do documento Estratégia Nacional de Defesa, em 2008, que estabelecia uma reorganização do setor e concretizava a retomada de projetos estratégicos, como o submarino nuclear e a compra dos caças suecos, por meio do Programa FX-2.
Uma questão pouco debatida, principalmente na grande mídia, é o fato de que essa regularidade não é observada no caso específico dos investimentos na área da defesa. Na realidade, o montante específico despendido em investimentos militares apresenta uma trajetória incerta e oscilante. Isso é visível quando comparamos a porcentagem destinada aos investimentos na área da defesa em relação ao PIB:
Despesa de investimentos em relação ao Produto Interno Bruto (%) (1999-2016)
De acordo com o gráfico das despesas de investimentos em relação ao PIB, é possível notar que, em 2003, os investimentos no setor da Defesa representavam 0,05% do PIB. Em 2010, entretanto, a proporção mencionada se eleva para 0,21% do PIB, para então declinar para 0,11%, em 2016 – o mesmo patamar registrado em 2002. A irregularidade dos investimentos em Defesa também pode ser observada em valores absolutos, como demonstra o gráfico abaixo:
Evolução orçamentária: despesas de investimentos (1999-2016)²
Ao longo da primeira década dos anos 2000, o aumento dos investimentos realizados pelo ministério da Defesa foi significativo. Em 2003, a parcela dos recursos voltada aos investimentos era de R$ 1.994 bilhões; já, em 2010, os investimentos militares registraram a cifra de R$ 12.079 bilhões – um incremento de 505,8%!
Apesar do ápice registrado dos investimentos em defesa nesse ano, o cenário começa a mudar nos anos seguintes, quando se observa o início da desaceleração da economia. O declínio dos investimentos segue acentuado, é preciso ressaltar, até os dias de hoje. Em 2016, por exemplo, a despesa em investimentos foi de R$ 7.079 bilhões.
É possível compreender, portanto, a preocupação do comandante Villas Boas com relação ao contingenciamento de 40% das verbas à disposição do Exército, anunciado pelo Governo Federal. O comandante do Exército alertou para a possibilidade de “prejuízos terríveis” e “situação calamitosa”, visto que as restrições orçamentárias afetariam o tanto o desenvolvimento de novos projetos, bem como as empresas contratadas.
Entretanto, é preciso questionar até que ponto o aumento do porcentual do PIB destinado à Defesa Nacional pode ser traduzido em aumento dos gastos com investimento e custeio. Isso porque não existem regras que estabelecem uma porcentagem fixa para esse tipo de gasto, que acaba oscilando conforme os ciclos macroeconômicos. Sendo assim, o aumento dos gastos destinados à Defesa pode ser interpretado como um mero discurso político, se não acompanhado de uma reforma estrutural da composição orçamentária para a área.
Os sucessivos cortes nas despesas governamentais têm provocado, nos últimos anos, o desmonte generalizado dos serviços públicos. O subfinanciamento crônico das instituições brasileiras, tais como o SUS, a educação e o aparato de segurança, parece atingir os últimos limites. Neste momento, a penúria de recursos para o funcionamento operacional básico das instituições traz a grave ameaça de paralisação completa dos serviços fornecidos à população.
As consequências da austeridade fiscal – numa economia em desaceleração – são motivo de calorosos debates desde 2015. Sob o prisma social, já se tem ampla divulgação de estudos que focam nos diversos retrocessos observados, em suas várias manifestações: queda violenta do emprego, elevação da informalidade e mobilidade social descendente. Pelo ângulo econômico: efeitos desastrosos sobre a atividade produtiva e comercial, frustração grave das receitas públicas, diminuição do consumo e, perigosamente, a deflação num cenário de alto endividamento das empresas e consumidores.
O Brasil não está sob ameaça de guerra, mas os gastos em relação à Defesa permanecem em um patamar considerável. Desse modo, por que não direcionar uma parcela maior desse montante para as áreas de investimento, uma área que, pelo menos, pode impactar outras áreas da economia? Vale lembrar que esse é um setor que exige tecnologia de ponta e, assim, pode envolver e gerar frutos no campo educacional, tecnológico, da inovação, pesquisa e desenvolvimento. São investimentos que, de algum modo, podem fornecer um retorno positivo para a sociedade em geral, em termos de capacitação de cadeias produtivas, geração de empregos, desenvolvimento de novas tecnologias e oportunidades de negócios também para o setor civil, se realizados por meio de políticas públicas bem formuladas e devidamente implementadas.
Essa pode ser apenas mais uma face do desmonte dos serviços públicos. Mas, quando se trata de investimentos em pesquisa, ciência e tecnologia, é preciso ter em mente que se trata também de uma questão de autonomia e soberania. Talvez esteja na hora de pensar a Defesa também nesses termos.
Tomás Rigoletto Pernías é doutorando em Desenvolvimento Econômico pelo Instituo de Economia da Unicamp
Patricia Capelini Borelli é doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas”. Mestre em Estudos Estratégicos pela Universidade Federal Fluminense. Pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES)