Empresários no poder
Na América Latina, os proprietários de grandes empresas arrebanham os cargos mais altos do Executivo: a presidência da Argentina, do Chile, do Paraguai, do Peru… Estudo confirma a ampla super-representação atual das elites econômicas também no seio do poder político legislativo
No Peru, Pedro Pablo Kuczynski, empresário eleito para a presidência em 2016 e forçado a renunciar após um escândalo de corrupção, foi substituído em 23 de março de 2018 por Martín Alberto Vizcarra, também empresário. Mesmo cenário de cerca de quatro anos atrás no Panamá, onde o patrão Juan Carlos Varela sucedeu ao patrão Ricardo Martinelli. Depois do México, onde o dirigente local da Coca-Cola, Vicente Fox, ocupou a presidência de 2000 a 2006, o Chile acaba de reeleger o homem de negócios Sebastián Piñera, que já havia ocupado o cargo supremo entre 2010 e 2014. Na presidência da Argentina? O empresário Mauricio Macri, eleito em 2015. No Paraguai? Um outro, Horacio Cartes, eleito em 2013…
Na América Latina, a chegada de empresários aos mais altos cargos do Executivo constitui um fenômeno tão novo quanto generalizado. Nas fases de transição que sucederam às ditaduras, na década de 1980, o patronato se manteve bastante discreto por causa de seu apoio aos regimes militares dos anos 1970. Não era mesmo o caso de se agitar muito, tendo em vista que as democracias emergentes se guiavam por um princípio fundamental: não questionar a economia de mercado nem o interesse superior das empresas privadas.

O segundo ciclo de reformas neoliberais, na década de 1990, facilitou a reconquista do campo político pelo setor privado, sobretudo com o acesso de empresários a importantes cargos na administração pública, às vezes até mesmo pela via eleitoral. Aqui e ali, o empresariado foi capaz de orquestrar uma estreita aproximação com figuras que encarnavam o populismo de direita latino-americano: Alberto Fujimori no Peru e Carlos Menem na Argentina, por exemplo.
A partir do final da década de 1990, três fatores enfraqueceram o setor econômico tradicional e o obrigaram a um recuo tático: as crises, especialmente as de 1998 e 2001; o afluxo de capital estrangeiro, sobretudo por meio das privatizações; e a chegada ao poder de governos progressistas (Venezuela, Brasil, Argentina, Bolívia, Equador etc.). Mas o contexto atual novamente se mostra propício para uma ofensiva política patronal. A esquerda perde fôlego, quando não perde o poder, enquanto a crise parece desacreditar seu projeto socioeconômico. Nesse contexto, os empresários retomam a via do ativismo político, como no Brasil, onde a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a maior organização patronal do país, participou diretamente da organização de manifestações contra a presidenta Dilma Rousseff na véspera de seu impeachment, em 2016.1
Nesse contexto, nossa equipe de pesquisa realizou um estudo para medir mais precisamente a participação de lideranças empresariais no exercício do Poder Legislativo em oito países durante o período de 2010 a 2017.2 Entre os 801 deputados desse grupo de países, identificamos aqueles que tinham sido patrões ou altos executivos do setor privado, latifundiários ou comerciantes antes de serem eleitos deputados. Em média, esse era o caso de um terço (23%) deles, ainda que os números variassem muito de um país para outro: Argentina, 13%; Uruguai, 17%; México, 21%; Peru, 23%; Brasil, 24%; Chile, 24%; Colômbia, 25%; e El Salvador, 40%.
Esses resultados confirmam a ideia de um excesso de representação das elites econômicas no poder político legislativo na América Latina, tendo em vista que os empresários e assemelhados representam em média apenas 3,4% da população ativa na região. Com base nos estudos disponíveis, a situação se mostra mais caricatural nos senados (nos países em que eles existem): eles representam 30% dos membros no Brasil3 e 20% no Uruguai.4
*Miguel Serna é professor de Sociologia da Universidade da República, em Montevidéu (Uruguai), e professor convidado no Instituto de Estudos Avançados da América Latina (Iheal), Paris 3.