Entre economia e política: erros e acertos do PT
Se o que aglutinou as forças conservadoras reunidas no golpe de 2016 e nas eleições de 2018 foram os acertos do PT e suas consequências sociais, o que viabilizou sua chegada ao poder foram os erros macroeconômicos cometidos a partir do primeiro mandato da ex-presidenta Dilma
A vitória da classe trabalhadora e dos setores progressistas na eleição presidencial de 2022 foi gigante. Derrotou uma poderosa aliança conservadora que se utilizou das estratégias mais baixas, como a indústria das mentiras nas redes sociais e o uso da máquina pública sem precedentes, com um inusitado assistencialismo eleitoreiro e absurdas operações da polícia rodoviária em redutos da esquerda. Foi uma vitória gigante, mas que não se sustenta por si só.
Essa aliança conservadora reuniu diversos interesses, desde os do capital internacional visando explorar nossas riquezas (tão bem simbolizadas no pré-sal), até os das igrejas neopentecostais com suas pautas de valores, passando pelo exército e sua pretensão histórica de ser um poder moderador da república, bem como por diversos setores das classes dominantes do país, tão incomodadas com as mudanças socioeconômicas decorrentes dos três primeiros governos petistas. Tal aliança chegou ao poder com o golpe de 2016 e lá se manteve com a complicada eleição de 2018, ainda que ao custo do desvelamento de sua mais inescrupulosa faceta.
Se o que aglutinou essas forças foram os acertos do PT e suas consequências sociais, o que viabilizou sua chegada ao poder foram os erros macroeconômicos cometidos a partir do primeiro mandato da ex-presidenta Dilma. Estes consistiram principalmente em reduzir drasticamente o ritmo de expansão dos investimentos públicos e dar incentivos à iniciativa privada em um contexto de desaceleração da demanda efetiva. Dada intensificação do conflito distributivo e o arrefecimento da economia, o governo acabou cedendo à pressão pela adoção de uma pauta de austeridade que jogaria o país em uma profunda depressão. Uma década depois, a gestão macroeconômica se mostra novamente um elemento central na viabilidade de um projeto progressista e em prol da classe trabalhadora.
Frente ao contexto atual de desaceleração econômica global e o gravíssimo cenário político e econômico interno, um modelo exitoso de crescimento com distribuição de renda torna-se cada vez mais urgente. Porém, esse não parece ser o caminho indicado pela política econômica anunciada. Se por um lado o enclave bolsonarista no Banco Central transcende a insciência liberal tradicional e asfixia a economia com os maiores juros reais do mundo, por outro a política fiscal aventada pelo ministro Fernando Haddad tem tudo para ser um tiro no pé.
O Novo Arcabouço Fiscal proposto se baseia em uma tímida expansão dos gastos, a melhorar ligeiramente frente a um bom desempenho das receitas (até um limite máximo de crescimento de 2,5% ao ano). Não por acaso agrada em larga medida ao mercado financeiro, sempre favorável à austeridade. Ocorre que sem crescimento econômico as receitas não vão subir significativamente, nem com todo o voluntarismo da equipe econômica para caçar jabutis.
Assim, depois de uma década de empobrecimento, como o país irá crescer em um contexto de desaceleração mundial, dado o forte aperto monetário e esta hesitante política fiscal? Por acaso se espera novamente um impulso do investimento privado mesmo sem grandes expectativas de demanda? Cortes significativos dos juros por Campos Neto? Ou a ideia é iniciar algum expansionismo somente em 2024?
É claro que o governo Lula tem uma autonomia limitada para fazer sua política econômica. No entanto, se as condições para uma atitude mais arrojada já são difíceis agora, elas tendem a piorar com o baixo crescimento e o acirramento do embate político. O momento de tensionar por uma política econômica que promova mais crescimento é este, até porque o modesto projeto enviado ao Congresso provavelmente sofrerá modificações que o deixarão ainda mais conservador.
Assim, cabe aos setores mais alinhados com os interesses da classe trabalhadora pautar uma agenda econômica mais adequada e defendê-la politicamente. Se a vitória nas urnas em 2022 foi gigante, agora serão necessárias outras tantas para que o projeto eleito de fato se concretize.
Luciano Alencar é doutor em economia pela UFRJ e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj.