Esperanças traídas
El Maleh não se propõe a pintar um afresco histórico de seu país a partir da exposição lógica ou cronológica dos fatos, mas a falar de poesia. Suas lembranças misturam-se e ele joga com a imaginação e a força da linguagemJuan Goytisolo
Aïlen ou a noite do conto não corresponde à expectativa do leitor comum de romances do Magrebe. Não é um livro escrito em francês para leitores franceses com os clichês familiares sobre o atraso histórico das sociedades árabes e seus costumes chocantes, tudo isso temperado pela cor local. É um romance cheio de detalhes, rico, desconcertante, no qual as diferentes vozes narrativas se exprimem num ritmo irregular, ofegante: vozes de ex-militantes de esquerda que se tornaram agentes do makhzen, uma pobre gente engolida pela violência dos acontecimentos de 1965 e 1981; intelectuais ligados aos ideais de liberdade e democracia nascidos durante a luta pela independência do Marrocos.
“Tudo recomeçará, como antes…”
Edmond Amran El Maleh não se propõe a pintar um afresco histórico de seu país a partir da exposição lógica ou cronológica dos fatos, mas a falar de poesia. Suas lembranças do massacre dos “revoltosos” de Casablanca em março de 1965 misturam-se às da repressão implacável, em junho de 1981, nos bairros populares da grande cidade marroquina: ele joga com a imaginação e a força da linguagem. A vitalidade da prosa do autor – manifesta já em seu primeiro romance Parcours immobile – “contamina” o leitor e o leva a uma necessária releitura. Toda a história do Marrocos moderno, com seus brutais sobressaltos, esperanças traídas, memórias desaparecidas, aflora na superfície do texto: “Olha, você está vendo, foi aqui que começamos a apagar, no mesmo dia, o impacto das balas nas paredes, a limpar as ruas, a camuflar atrás de paliçadas os bancos e as lojas incendiadas, arrebentadas, mas apesar disso as pessoas não vão se esquecer assim, as famílias que tiveram mortos, como em 65, desaparecidos, feridos que agonizaram em casa para escapar à polícia, não nos livraremos disso, é uma maluquice lançar-se assim em uma greve geral, já que tudo recomeçará como antes, os jornais censurados, os dirigentes, caras presos…”
Paródia, sarcasmo e humor
Amran El Maleh, assim como Kaleb Yacine ou Mohamed Khaïr Ed-Dine em Agadir, ocupa um território da língua francesa que pertence só a ele. O dialeto marroquino inscreve-se como uma tatuagem na sintaxe francesa. Seria preciso, para confirmá-lo, ler algumas páginas de seu livro em voz alta, ouvir sua música, se deixar fascinar por uma prosódia singular plena de reminiscências. A pluralidade das vozes narrativas permite ao autor jogar com todos os registros da fala: paródia do discurso oficial, sarcasmo, humor, poesia.
Como os escritores mais originais do século XX, Amran El Maleh reestabelece as ligações entre a tradição desfeitas com a invenção da imprensa. A miopia e a falta de rigor da crítica de salão lhe recusaram o lugar que lhe cabe no romance francês contemporâneo. Não obstante, ele permanece um dos melhores representantes do texto literário em oposição à inutilidade satisfeita do produto editorial bem bolado.
Edmond Amran El Maleh, Aïlen ou a noite do conto , André Dimanche éditeur, Marselha,