Faça você mesmo!
Frequentemente reduzido aos seus clichês – jeans rasgado, cabelo despenteado –, o punk foi bem mais que a expressão de um gosto juvenil pela provocação. Recusando-se a fazer parte de um sistema portador de crises sociais, morais e estéticas, o movimento encoraja qualquer um a inventar concretamente suas respostasEric Tandy
Foi por meio de um artigo publicado no verão de 1975 na New Musical Express, revista de música semanal britânica então com tiragem de cerca de 200 mil exemplares, que o Reino Unido, futura terra do movimento punk, tomou conhecimento da existência de uma cena musical viva emergindo no Bowery, bairro pobre do Baixo Manhattan. A NME cobria o Top 40 New York Unrecording Rock Bands Festival, uma série de concertos organizados em um bar escuro e sujo transformado em clube musical: o CBGB. “O som era horrível, ratos passeavam atrás do palco”, contaria depois a cantora Patti Smith, frequentadora do local, à revista Rolling Stone.
As bandas de rock destacadas no artigo se chamavam Ramones, Blondie e Television. Nenhuma tinha lançado discos. Até então, somente Patti Smith tinha conseguido, com a ajuda de seu amigo fotógrafo Robert Mapplethorpe, financiar em junho de 1974 um 45 rotações de dois títulos: “Hey Joe” / “Piss Factory”. Em “Hey Joe”, adaptação atualizada de um standard então popularizado por Jimi Hendrix, ela evoca Patty Hearst, filha de um bilionário californiano que, depois de ter sido sequestrada por um microgrupo que se reivindicava de extrema esquerda, participou de ações terroristas. A publicidade para o vinil, lançado com 2 mil exemplares, se limitou a um pequeno encarte no jornal The Village Voice, indicando os locais – lojas de discos ou livrarias de Greenwich Village – onde era possível comprá-lo. A iniciativa era inédita; na época, os artistas iniciantes, mesmo os mais refratários à comercialização, procuravam entrar em contato com os selos existentes, para que estes se encarregassem da fabricação e da distribuição de um disco.
Os Ramones aceitaram trabalhar com um empresário a partir do momento em que este ofereceu dinheiro, emprestado por sua mãe, para comprar uma bateria para eles. Autoprodução, jeitinho, difusão em círculos restritos: o rótulo do it yourself (“faça você mesmo”) definiu rapidamente esse ativismo marginal. As bases foram colocadas de maneira provocativa e fantasiosa por Abbie Hoffman, cofundador do Youth International Party, em seu best-seller Steal This Book [Roube este livro], publicado em 1971. “Um manual que era um dedo do meio levantado contra o sistema”, segundo Gary Valentine, músico do Blondie, em sua autobiografia.1
O termo, abreviado para DIY, juntou-se perfeitamente ao espírito de uma microcena musical nova-iorquina que inventava seus próprios códigos com toda autonomia e, tanto artística quanto visualmente, não tinha a ambição de seduzir as multidões. Camisetas rasgadas (Richard Hell, do Television), jeans esburacados e jaquetas de couro (Ramones), onipresença do preto: a simplicidade das roupas anda junto com a urgência das músicas, sempre rudimentares, às vezes inventivas, mas nunca recorrendo à sofisticação nem aos artifícios sonoros. A vontade de minimalismo rompe com o rock de sucesso de então, superproduzido financeira e musicalmente. O primeiro 33 rotações dos Ramones custou US$ 6,3 mil ao selo Sire Records, enquanto a Warner investiu quase US$ 1 milhão na produção de Rumor, do Fleetwood Mac, número um de vendas em 1977.
Não era mais a excelência artística nem mesmo a inserção no mercado que eram procuradas. As palavras ouvidas no CBGB não tentavam seduzir. Brutais, provocativas ou, ao contrário – como no caso de um grupo como o Television –, cheias de imagens, inspiradas pelos poetas simbolistas franceses e pelos da Beat Generation, elas eram irônicas ou líricas, mas raramente entusiastas ou positivas. Nisso, elas iam no contrafluxo das utopias e dos compromissos coletivos da geração precedente, a do flower power de São Francisco e Woodstock, dos ideais hippies e da oposição à Guerra do Vietnã.
O conflito terminou em 30 de abril de 1975, quando o Exército Popular Vietnamita entrou em Saigon. Nova York, em falência econômica, demitiu funcionários municipais às centenas. A jornalista e roteirista canadense Mary Harron, diretora dos filmes independentes I Shot Andy Warhol (Atirei em Andy Warhol) e American Psycho, descreveu uma megalópole violenta: “Havia niilismo na atmosfera, um fascínio mórbido… A impressão de que você estava a ponto de se desintegrar e seguia o caminho desta cidade que desmoronava, na bancarrota. No entanto, havia também algo de místico, de maravilhoso, em viver ali”.2 No Bowery, enquanto os Heartbreakers cantavam “Born to lose” (Nascidos para perder), os Ramones soltavam com segundas intenções sarcásticas: “Agora vou cheirar cola/ Agora vou ter alguma coisa pra fazer”. Richard Hell clama em sua melhor canção (“Blank Generation”) que pertencia à “geração do vazio”…
Em janeiro de 1976, Mary Harron participou do lançamento DIY de um fanzine local que misturava quadrinhos, romances fotográficos delirantes, imagens de grupos posando diante de muros de tijolos e entrevistas iconoclastas – “Que tipo de hambúrguer você prefere?”, foi, por exemplo, perguntado a Lou Reed. O nome da pequena revista? Punk. Ele foi escolhido por um de seus fundadores, Legs McNeil, “porque parecia encarnar o traço que unia e religava tudo de que gostávamos – bêbado, odioso, esperto, mas não pretensioso”.3 Designando em gíria os “largados”, os “menos que nada”, o termo rapidamente passou a se referir a tudo o que parecesse de perto ou de longe com um grupo de rock da nova tendência e foi rapidamente adotado em Londres, onde um microfenômeno bem semelhante começou a surgir: em alguns pubs, grupos iniciantes tocavam trechos raivosos que atraíam um público ainda restrito. Também o encontrávamos nas lojas de discos especializadas da cidade, aquelas onde encontrávamos o álbum de Patti Smith, os primeiros lançamentos dos selos independentes britânicos, norte-americanos e até mesmo parisienses, distribuídos fora dos grandes circuitos comerciais, ou os fanzines feitos a mão e xerocados.
Urgência, violência, abandono das referências precedentes que pareciam estúpidas ou mentirosas: era o que saudava a juventude britânica da segunda metade dos anos 1970. Isso porque ela vivia num país em crise: o patamar de milhão de desempregados tinha sido ultrapassado; os créditos para a educação haviam sido cortados; o Exército Republicano Irlandês (IRA) colocava bombas em locais públicos; as greves se seguiam. A inflação atingiu 25%. Em 1976, o primeiro-ministro James Callaghan pediu a ajuda do FMI.
Os Sex Pistols resumiam perfeitamente essa situação de caos e desordem com seu slogan “No Future”. No seu 45 rotações Anarchy in the UK (Anarquia no Reino Unido), eles cantavam também “Your future dream is a shopping scheme” (“Seu sonho futuro é um projeto de shopping”). Os Sex Pistols foram em parte uma construção DIY de seu mentor, Malcolm McLaren, um trintão fascinado pelos situacionistas que sempre lamentou que o Reino Unido não tivesse vivido um equivalente de Maio de 68. Ele quis fazer agitprop utilizando as novas formas de rock, ao mesmo tempo que tentava, segundo Brian James, guitarrista do Damned, “ganhar muito dinheiro”. Ele proporcionou o encontro dos quatro membros do futuro Pistols com a ajuda de Bernie Rhodes, seu parceiro, que se tornaria depois o empresário do The Clash – grupo que, com um primeiro álbum com letras socialmente engajadas, deu as bases da radicalidade street punk e oi!, futuros movimentos de essência realmente proletária. Todos frequentavam mais ou menos assiduamente a SEX, loja de roupas onde sua companheira, Vivienne Westwood, propunha criações que ele considerava protótipos que deveriam alimentar as futuras modas da rua. “Era do it yourself, uma ideia que eu sem dúvida ajudei a criar… O que era sensacional com as minhas roupas era que todo mundo podia imitá-las”, dizia McLaren à NME em maio de 1980.
Faça você mesmo, com seus próprios meios… A força comunicativa, o imediatismo e a aparente facilidade de execução das músicas dos Sex Pistols, produzidas no começo pela gravadora EMI (que romperia rapidamente o contrato devido aos repetidos escândalos), deram a uma multidão de adolescentes sem meios financeiros a vontade de expressar suas frustrações, sua raiva, mas também sua vontade de não permanecer naquilo, de sair dos antigos modelos. A vontade de agir, a necessidade de gravar rapidamente era maior do que a noção de profissionalismo ou a busca do sucesso. Desde o fim de 1976, muitos formaram grupos de rock ou se tornaram designers gráficos improvisados, escreveram fanzines, montaram selos locais distribuídos por uma rede de lojas independentes… Essa efervescência e energia abriram espaço para uma mudança das regras no nível criativo – já que a necessidade de realizar com perfeição uma gravação não era mais primordial – e no modo de difusão: novos locais para ser ouvido, novas maneiras de gravar e de produzir música e, portanto, novos sons… Os vendedores de discos independentes, então numerosos nas cidades, davam continuidade ao movimento. Na França, os squats acolheram alguns anos depois os pioneiros do rock dito alternativo, primeiro adotado nos meios anárquico-libertários antes de interessarem um público mais amplo.
Esse balanço dos costumes artísticos continuou, nos anos 1980, na cena punk norte-americana chamada hardcore, que criou um circuito de shows alternativos. Ela investiu em locais que eram até então unicamente utilizados por artistas locais e foram em seguida aproveitados pelos grupos grunge, como Nirvana e Pearl Jam, influenciados pelo punk rock das origens. O DIY teria, no mundo do rock, permitido o surgimento do lo-fi (abreviação de low-fidelity, “baixa fidelidade”, em oposição ao hi-fi – high-fidelity), que designa uma corrente importante do rock independente dos anos 1990: artistas – Beck, por exemplo – gravando álbuns autoproduzidos em casa. “Faça você mesmo” se tornou também a palavra de ordem dos pioneiros da música eletrônica, que, utilizando o vinil num momento em que a indústria do disco só se interessava pelo CD, se colocaram desde o princípio à margem do sistema dos grandes.
Regularmente distorcido de suas origens pelos publicitários, transformado em slogan – “Just Do It!” para a Nike, por exemplo –, o DIY associado à internet representa hoje um dos melhores modelos para os jovens artistas produzirem e difundirem seus projetos. A arrecadação de fundos colaborativa permite aos músicos promover seu trabalho na web a fim de financiar a produção e a distribuição futura pelos internautas.4 Não há mais necessidade de passar pela rede de distribuição dos grandes, que, em razão do desaparecimento das cadeias de loja do tipo Virgin ou HMV, se revela cada vez mais limitada e ineficiente. A iniciativa é bem parecida com a dos adolescentes que, há quarenta anos, se expressavam longe do business da música e faziam uma vaquinha com os amigos para tentar financiar seu 45 rotações, associados ao último grande movimento rebelde que renovou profundamente a história do rock. Mas, para a maioria dos músicos de hoje, raramente politizados, o DIY nada tem de ato de rebelião ou oposição ao sistema mercantil: ele simplesmente se tornou o complemento indispensável de seu modo de expressão. O espírito libertário está ficando raro no rock…
*Eric Tandy é jornalista.